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DÊ SUA OPINIÃO (OU CALE-SE PARA SEMPRE)

Filme: GÊMEAS



De: Daniel Gralha Garcez

Acompanho a tua coluna já faz alguns meses, mas é a primeira vez que escrevo. Na verdade, questiono bastante se um diretor de filmes deveria fazer o papel de crítico de cinema, restando meio evidente a inadequação - pra não dizer impropriedade - de se assumir tal tarefa. Martin Scorcese, gostes ou não, um GRANDE diretor de filmes, fez uma série especial sobre a história do cinema, que deves ter visto, na qual ele elenca e discorre sobre os filmes que acha importantes, mas ainda assim num tom de destaque daquilo que considera marcante tão-somente. Da mesma forma, perguntada sobre o que achava de determinadas atrizes - na época do circo do Oscar 98 – Fernanda Montenegro preferiu restar silente, apenas referindo-se aquelas que considerava realmente muito boas - se bem me lembro Meryl Streep e Emily Watson.

Conheço pouco da sua obra, e não quero comparar sua capacidade com as desses esses dois ícones - nem vc seria louco de fazê-lo - mas me parece que ambos agiram da melhor forma: sendo da mesma área (Scorcese um fazedor de filmes e Fernanda uma atriz) preferiram não bancar os entendidos do assunto (embora o sejam, sabemos disso) por uma questão de inadequação de papéis. Assim, não correriam o risco de ser comparados àqueles que malhassem (mesmo sendo vitoriosos se a comparação surgisse). Em diversos países de grande importância para a história do cinema (EUA, Itália, França, Espanha,...) o cineasta não assume o papel de crítico (ainda mais no sentido feroz da palavra) por uma questão de ética e até mesmo senso. No Brasil, talvez a falta de críticos especializados, ou a necessidade de aparecer na mídia, faça com que diretores banquem os algozes de seus pares.

Mesmo assim, aguardo o teu trabalho (Tolerância), para ver tuas qualidades que, espero, não sejam poucas (ainda mais se considerarmos os protagonistas que escolhestes). Jabor, que parece decidido a assumir o papel de odiado por todo o país deixado pelo saudoso Paulo Francis, até se arrisca numa tarefa que não é a sua (criticar filmes), mas pelo menos largou o cinema faz tempo. Ele que volte a fazer filmes, já que possui um "senso crítico tão apurado". De forma alguma estou te criticando, apenas te colocando a par do espírito que eu - e muita gente, podes crer - vai ir assistir ao teu filme. Espero, sinceramente, gostar dele.

Ainda assim, vou comentar tua crítica de Gêmeas. Mais uma vez, por ser um filme nacional, maneiraste nas críticas. Se fosse o mesmo filme, só que americano, meu Deus, pobres Twins, foste muito mais duro com filmes infinitamente melhores do que esse, como Beleza Americana ou Central do Brasil. Ainda assim, gostei do filme. Falaste do problema temporal e eu concordo: embora atual, Nelson Rodrigues deve ser sempre retratado à sua época, sob o perigo de perder um tanto de sua força. A atriz é sensacional, e sempre seguiu uma carreira paralela à da sua mãe, Fernandona, ainda mais sensacional e espécie de madrinha da Conspiração Filmes, fazendo sempre pontas nos filmes dessa produtora. Consegue ser subliminar e fantástica, assim como o foi uma cria da TV, Glória Pires, quando tb vez duplo papel para uma novela, guardadas as proporções dos veículos.

Pra mim, o maior problema é o roteiro, muito apressado no final e, principalmente, que não justifica com alguma cena terrível, o fato de uma irmã tentar MATAR a outra simplesmente pelo interesse de ambas pelo mesmo homem. Tá certo que a vida das duas era aquilo, e que a irmã que ia casar poderia ter ficado exausta e apavorada com tudo. Mas matar é um pouco demais, e, mesmo no universo rodrigueano, deveria ser precedido de uma cena realmente terrível, na qual ficasse claro para ela que seria a única chance de se livrar da outra. Evandro Mesquita pode até estar no seu melhor papel, mas ainda assim é muito pouco pra justificar a sua presença. Certamente é amigo do diretor. Já Francisco Cuoco, concordo que ele não compromete, acho-o até a cara dos personagens rodrigueanos.

Por fim, é isso. Gostei do filme por achá-lo bem dirigido e interpretado, com cenas muito boas e uma fotografia linda. Nada que Guel Arraes e cia não fizessem na TV Globo (em um dos especiais que costumam fazer), mas daí a comparação se deve à nossa qualidade nesse tipo de programa de TV. Tirando o roteiro - em alguns pontos - é um belo filme, que recomendo a todos, especialmente pela maestria da protagonista e segurança do diretor. Espero que "publiques" minha carta, e responda-a integralmente, não apenas com um parágrafo irônico e jocoso. Gosto das tuas colunas, mesmo quando não concordo com elas, pois me divertem e instigam a gostar ainda mais de cinema. Um grande abraço. Daniel

PS - Falei dos teus protagonistas em Tolerância, mas deixo claro que acho a Maitê muita linda e até que adequada aos papéis que interpreta (como naquele filme como Caloni e a Marcela Cartaxo, acho que chama 16060). Espero que seja o caso do teu filme.

De: Gerbase

Sinceramente, já estou um pouco cansado de falar sobre minha esquizofrenia, que é assumida: gosto de fazer filmes e também de escrever sobre filmes. Alguns leitores, entre eles o Daniel, vêem problemas éticos nesse fato. Começo a desconfiar que este é o pensamento da maioria. Sei, também, que as advertências ("de forma alguma estou te criticando, apenas te colocando a par do espírito que eu - e muita gente, podes crer - vai ir assistir ao teu filme") são bem intencionadas, apesar do tom inevitavelmente ameaçador e repressivo. O Daniel diz que em breve estarei na cova dos leões, e que eles irão me morder. Mas não tenho medo, Daniel. Conheço os leões, conheço o jogo.

O que me assusta é a incapacidade das pessoas verem que um crítico, qualquer crítico, está "comprometido" com milhares de coisas antes de começar a escrever. Não existem críticos acima do bem e do mal, separados do mundo. Existem críticos que tem alguma experiência do lado de cá das câmaras, e outros que não. Você cita o Scorcese e a Fernandona, que "não fazem críticas" (apesar da Fernandona ter esculhambado indiretamente a Gwyneth Paltrow). Eu cito François Truffaut, Godard e Eric Rohmer, críticos de cinema e cineastas. Eu cito Umberto Eco e Italo Calvino, críticos de literatura e escritores. Eu cito Nelson Rodrigues, jornalista, escritor e dramaturgo, que falava mal de todos os colegas, inclusive (e principalmente) dos amigos. Eu cito Luis Fernando Veríssimo, escritor, cronista, crítico (muitas vezes feroz) da vida pública e da vida privada. Eu cito Millôr Fernandes, um dos maiores criadores que este País já viu, e crítico impiedoso de tudo e de todos.

Mas claro que tudo isso não elimina esse sentimento de que eu, como cineasta, não posso falar dos colegas. Eu tenho que ser "ético". Que ética é essa, que impede a minha opinião? É a mesma ética que faz as pessoas acreditarem na "neutralidade" do jornalismo, na "objetividade" da imprensa, na "imparcialidade" dos editores, numa mídia "não-ideológica". Eu não acredito mais nisso - e faz tempo -, Daniel. Se queres te iludir, achando que a revista Veja - só pra citar o óbvio ululante – é "objetiva" em relação ao cinema brasileiro, ótimo. A Veja não tem críticos de cinema/cineastas. São todos críticos "isentos", que não falam de colegas. Os principais editores de Veja também são todos "isentos" em relação ao governo federal. Todo mundo sabe disso.

O mais engraçado disso tudo, Daniel, é que, na hora de criticar minha crítica, concordas com quase tudo que escrevi. Primeiro me acusas de proteger o cinema brasileiro, depois apontas exatamente as mesmas falhas que eu já apontara no roteiro de Gêmeas. Dizes que eu fui "duro" com Beleza americana, filme que eu elogiei quase o tempo todo. Dizes que fui "duro" com Central do Brasil, que também elogiei, com ressalvas. Mas tenho, ou não, o direito de achar o final de Beleza americana meio covarde, e de me incomodar com alguns excessos lacrimosos de Central do Brasil?

Continuarei minha vida dupla por mais algum tempo. Talvez não muito tempo. Talvez, lá na cova, os leões se revelem excessivamente famintos. Talvez me arranhem um pouco. Mas não me matam. Desconfio que o maior perigo está nas arquibancadas. Tenho que fazer um bom espetáculo, lutar bastante, para divertir o respeitável público, como crítico ou como cineasta. Ou ele me mata. Às vezes isso cansa, mas quase sempre vale a pena. Sinceramente já estou um pouco cansado de falar sobre minha esquizofrenia. Vamos falar de minhas neuroses?

De: Alexandre

Antes de tudo, obrigado pela resposta que lhe pedi sobre o filme Magnólia e obrigado tb por ter tentado responder às minhas indagações, ainda que sem sucesso. Quanto ao filme Gêmeas, concordo em quase tudo que vc falou. Gostaria até que vc me dissesse como faço para conseguir este conto. Nunca o li, portanto não posso opinar sobre a carga dramática final dele, mas, ainda assim, gostei do final do filme. Bem carregado e nélson-rodrigueano. Fernanda Torres estava excelente (teve a quem puxar...) e Evandro Mesquita... bom, Evandro Mesquita estava Evandro Mesquita (como sempre). Nada mais a comentar, exceto por um recado para vc: os nomes de uma das gêmeas é MarilenA e não Marilene. De resto, espero ainda ver filmes nacionais gêmeos (e trigêmos, tetragêmeos, pentagêmeos) deste, pois todos sabem que os gêmeos, embora iguais (e, mesmo assim, não todos), sempre possuem algo diferente.

De: Gerbase

O conto está no volume 2 de "A vida como ela é... (O homem fiel e outros contos)", de Nelson Rodrigues; São Paulo, Companhia das Letras, 1992. Acho que Evandro Mesquita NÃO está no filme como Evandro Mesquita, o eterno malandro carioca da Blitz. Pra mim, ele conseguiu construir um personagem com algumas sutilezas interessantes, perdido de amores por apenas uma das gêmeas e disposto a ter uma vida "normal" com ela, mas, ao mesmo tempo, fascinado pela possibilidade de ter as duas.

De: Edson Amorina Junior

(ainda sobre Magnólia)

O garoto negro é aquele menino que diz que sabia quem foi o assassino do cara que estava no armário e roubou a arma do policial.

De: Gerbase

Claro, agora lembro. Não creio que o garoto "signifique" alguma coisa em especial. É um garoto de rua, uma criança que amadureceu rápido demais e agora quer atenção. Não lembro bem qual é o final dado para o personagem, mas sei que ele salva, involuntariamente, a Julianne Moore da morte. Será que é isso mesmo?

De: Ronaldo Osmar Bellini

(ainda sobre Magnólia)

A criação de tipos do diretor é interessante. Os diálogos também são seu forte. Mas a idéia de entrelaçar todas aquelas vidas através do poder da televisão, representada pelo magnata no leito de morte, sua esposa em crise, seu filho sumido que é apresentador de um show machista televisivo, os geniozinhos dos programas do faustão da vida, o apresentador e sua filha doidona, mais aquele policial bonzinho, é um pouco forçada. Muito mais interessante, sem ser didático, é Tem dias de lua cheia, um filme francês.

Tom Cruise bem que tenta, mas ele continua sendo um herói de ação enquadrado nos seus melhores ângulos. Nem em trajes sumários ele convence com aquele discurso decorado. E aquela repórter que sabe de toda a vida dele e é toda cautelosa no trato das perguntas afetivas é irreal. No leito de morte do pai, pior ainda, é um tal de colocar mãos no rosto o tempo todo e esmurrar o ar que vem desde Rain man. A impressão que se tem é que ele não está à vontade nunca. E olha que ele se esforça, mas, decididamente, falta-lhe força dramática.

Filha estuprada>drogada - que pieguice esse tipo de solução de roteiro. Pior, ainda, quando a mãe, ausente durante todos esses anos de estupro e sumiço da filha resolve dar uma de moralista e sair em socorro da filha. Onde é que ela estava durante esse tempo todo?

Eu sei que o filme é pretensamente "subjetivo", tenta deixar dúvidas no ar e há lapsos temporais nas histórias de vida, mas, curiosamente, o final de cada personagem é cuidadosamente catártico e regenerativo. Nos anos 50 e 60 muitos filmes concentravam o drama em uma noite de festa na mansão dos ricos (Fellini, Antonioni...), em que todos os nervos tortos eram expostos, distendidos e acalmados pela manhã. Só que não de forma tão maniqueísta como em Magnólia.

A crise da esposa sacana resolve-se com um coquetel de comprimidos? Por favor... Dá pra fazer uma alusão direta

com Os pássaros, do Hitchcock. No final, após sucessivos ataques, justamente quando os personagens revelam o lado mau ou obscuro, o dia amanhece com uma beleza mórbida, com todos os tons, mas os pássaros continuam lá, pretos e pavorosos (se é pra fazer uma comparação com a chuva de sapos). Só faltou colocar um homossexual "nojento" na história pra justificar a limpeza moral da cidade. Ah, mas ele já tinha usado o enfermeiro deste filme como uma bichinha gorda em Boogie nights...

Acaso viste Claire Dolan, uma "prostituta pós-moderna", filme que passou na CCMQ? Consegue muito mais com muito menos tensão e sem "ousadias narrativas pré-calculadas".

De: Gerbase

Não só vi Claire Dolan como escrevi uma crítica a respeito. Dá uma olhada no arquivo da seção de Opinião. Mas são filmes muito diferentes, eu diria até que incomparáveis. Ou não? E até mais.

GÊMEAS (EUA, 1999). De Andrucha Waddington


Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A gente ainda nem começou e "Fausto"). Atualmente finaliza seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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