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Dr.T e as Mulheres
De
Robert Altman




 

RAPIDINHO
Não é chato. Tem alguns momentos divertidos. Tem algumas cenas - poucas - dignas de seu diretor. Mas, no todo, Doutor T. e as mulheres, é uma grande decepção, quase tão grande quando o chatíssimo Prêt-à-Porter. Altman, que há pouco nos deu o maravilhoso A fortuna de Cookie, vacilou feio neste painel das mulheres da alta burguesia de Dallas. Altman saiu de seu estilo, que sempre foi o realismo com altas doses de ironia, numa relação carinhosa com os personagens, e experimentou a farsa, em que os personagens são reduzidos a tipos e ridicularizados sem dó nem piedade. Na saída do cinema, fiquei com a sensação de que os erros de Altman não têm origem em opções estéticas, e sim que ele fez concessões demais, na tentativa de obter maiores bilheterias. A sala estava cheia, e o público parecia ter gostado do que viu. Um autor forte como Altman, com sua tradição e seu poder narrativo, deveria ficar fora dessas questões mundanas. Mas, no mundo de hoje, isso parece ser impossível.


AGORA COM MAIS CALMA
Richard Gere está no limite da verossimilhança. Digamos que dá pra acreditar, com alguma boa vontade, naquele ginecologista e obstetra com três salas de atendimento e uma clientela apaixonada. Digamos que também dá pra acreditar em Helen Hunt como uma instrutora de golfe que arranca o primeiro adultério de doutor, apaixonadíssimo por sua esposa. Contudo, a partir daí, o que inclui todos os outros personagens e a própria trama, Dr. T. e as mulheres é de uma inverossimilhança absoluta. Não estou aqui pregando que o único filme bom é o filme realista. Existem excelentes filmes farsescos, paródicos, metalingüísticos, teatrais, poéticos, expressionistas, ensaísticos, etc. Existe arte cinematográfica que não está nem aí para a credibilidade dos personagens e da trama. Mas, se abdica da construção realista, um filme tem que apostar em algum outro tipo de estrutura e lutar por ela, investir tudo nela. Onde investiu Altman?

É difícil responder a esta pergunta. Os investimentos parecem estar todos na contratação do elenco, nos figurinos, nos cenários e até - por incrível que pareça, tratando-se de Altman - nos efeitos especiais, no caso, um tornado. Os irritantes merchandisings, concentrados do início do filme, parecem ser o prenúncio de uma capitulação. É como se Altman dissesse: vale tudo. Como se pedisse: encarem tudo isso como uma grande brincadeira e não me cobrem arte. Estou nessa pela diversão e pelo dinheiro. Tudo bem, é direito dele, que já nos deu várias obras-primas. Contudo, é aí que reside o perigo. Eu, particularmente, não gosto de ver meus ídolos rendidos dessa maneira. Até posso vê-los errando, sendo derrotados por sua teimosia, mas não posso vê-los abrindo mão de suas convicções.

Dr. T e as mulheres tem coisas indefensáveis. Farrah Fawcett é uma delas. Interpretar a doença mental é um desafio para qualquer autor. Para uma artista de limitados dotes dramáticos, é coisa impossível. Todas as cenas de Farrah são patéticas. Sua presença só tem sentido como uma clara estratégia de produção: dar ao público masculino, pela profusão de atrizes conhecidas, o mesmo tipo de expectativa que é despertada no público feminino pela presença de Gere. E, se Farrah é uma decepção anunciada, o que dizer de Liv Tyler, por quem já nos apaixonamos em Beleza Roubada e A fortuna de Cookie, do próprio Altman? Tyler está nitidamente envergonhada de sua forma física. Alguns poucos quilos a mais seriam aceitáveis. Mas ela está gorda demais e deveria ser preservada. Não é uma estrela? Estrelas são construções simbólicas que devem ser tratadas com carinho. Em vez de filmar, deveria ficar algum tempo correndo para perder peso. Não estou (acho) sendo machista. Estou pedindo que a personagem de Tyler, uma lésbica, seja uma mulher atraente, bonita, desejável, confiante em si mesma.

Aliás, poucos filmes apresentam as mulheres de forma mais desagradável e preconceituosa que Dr. T. e as mulheres. Nenhuma delas têm a mínima chance de mostrar humanidade. São bonecas. São Barbies. São cabides para roupas. A única que foge desses estereótipos, a personagem de Helen Hunt, que parecia estar apaixonada pelo doutor, revela-se venal e inconseqüente. Tudo bem, as mulheres aparecem sempre sob o ponto de vista de Gere, numa relação quase funcional (ou não-funcional, já que não "funcionam" bem), mas então caberia a Altman investigar minimamente esta falência completa daquele que um dia já foi chamado de sexo frágil. O mais inacreditável de tudo: o roteiro é assinado por uma mulher, Anne Rapp, a mesma de A fortuna de Cookie. São insondáveis os mistérios que envolvem a alma feminina e o mundo do cinema.

Dr.T e as Mulheres (EUA, 2000). De Robert Altman


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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A Gente Ainda Nem Começou e Fausto). Em 2000, lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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