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"Os Herdeiros" pretende ser parábola política



Com alguns anos de atraso (foi feito em 1997) chega ao circuito comercial este "Os Herdeiros" do austríaco Stefan Ruzowitzky. O filme já tinha sido exibido antes na Mostra-Rio de 1998 e seu ator principal, Simon Schwarz, ganhou um prêmio de interpretação em Roterdã. Seu ponto de partida não deixa de ser interessante. No início do século, um fazendeiro é assassinado. Na leitura do testamento, descobre-se que deixara a fazenda para os camponeses que trabalhavam nela. Não se trata de um ato humanitário. Ele espera que os novos proprietários se entredevorem, o que em parte acontece. E mais, o patrão sádico deseja que entrem em conflito com uma sociedade rígida, estamental, que não tolera a mobilidade em uma escala social rígida. Isso significa que donos de fazendas vizinhas tentarão comprar as terras. E, não conseguindo por bem, tentarão por mal.

O filme tem, pelo menos, duas lâminas, por assim dizer. Numa delas, corre a história do assassinato e sua solução. Uma trama que envolve abuso sexual no passado, a origem misteriosa de uma criança, ódios e rancores que não foram apaziguados pelo tempo. Noutra, bem mais interessante, trata-se nada menos do que uma parábola de sentido político. Ela começa com a seguinte pergunta: o que acontece quando pessoas até então tuteladas, tratadas como crianças incapazes, ganham autonomia?

A primeira vertente não parece ser a mais brilhante. Ruzowitzky aparenta ter dificuldade em estabelecer, e manter, o clima tenso que se esperaria numa história do tipo "quem matou quem e por que fez isso?". Não manipula direito o sentido de mistério, não tem noção dos tempos envolvidos e, quando o crime é resolvido, o anticlímax já se estabeleceu há muito. Não é do ramo policial. E nem parece ser esse o caminho que realmente desejava para o seu trabalho. Tudo, em "Os Herdeiros", se dirige para a realização da parábola política.

Esta é, em primeiro lugar, libertária, indicando que as pessoas reagem bem quando têm autonomia. Os camponeses passam a trabalhar para si mesmos e se tornam mais produtivos. Desafiam a ordem estabelecida e acabam por provocar abalos em uma sociedade que se reproduz por padrões tipicamente feudais. Faz parte dos costumes dela, por exemplo, o usufruto sexual forçado das mulheres da região - um simulacro apenas um tanto atenuado da jus primae noctis, em que o senhor tinha direito à "noite de núpcias" com a a noiva antes que o marido dormisse com a esposa.

Em seguida, há o conflito das pessoas entre si, porque uma parte dos sete herdeiros quer vender a fazenda e outra quer tentar a sorte. Nesse segmento esse filme meio anacrônico há como que um sabor contemporâneo. Por momentos, o espectador esquece que está assistindo a cenas ambientadas em um passado remoto e pensa que está vendo uma daquelas comunidades dos mais recentes anos 70. Todo mundo morando junto, uma certa liberalidade sexual, as refeições compartilhadas, um conselho geral que decide o que fazer, as mulheres saindo do seu ancestral estado de opressão e começando a dar as ordens.

Não parece tanto um erro de perspectiva histórica do diretor, mas uma deliberada tentativa de atualizar a questão da luta pela terra. Há ainda nessas cenas a evocação daquelas antigas colônias anarquistas, onde, para escândalo da vizinhança se praticava o amor-livre, e os ganhos e as carências eram compartilhados. Esse traço levemente utópico e saudosista dá ao filme um certo encanto, que em suas outras partes ele não tem. Mesmo porque Ruzowitzky dirige com mão pesada e a história apresenta dificuldades para deslanchar.

Essa falta de fluidez talvez seja o maior problema do filme. As cenas são concatenadas com dificuldade e as seqüências não circulam com naturalidade. Parece às vezes um texto mal escrito. Você sabe que o conteúdo dele é importante, talvez enriquecedor para a sua experiência, mas custa muita força de vontade não desistir no meio do caminho.

Além disso, os dois "motivos" centrais do filme não casam nem se harmonizam ao longo do percurso. Percurso que, por isso mesmo, se torna muito penoso, apesar dos méritos, digamos assim, conceituais do filme. (L.Z.O.)

Serviço - "Os Herdeiros" ("The Inheritors"). Drama. Direção de Stefan Ruzowistzki. Áus/95. Duração: 95 minutos. 16 anos (Luiz Zanin Orichio/ Agência Estado)

 

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