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Björk fala sobre "Dançando no Escuro", que estréia na mostra de SP
Björk, a alma do filme, quase desistiu e reclamava da repetição das cenas

Björk quase desistiu,
mas a paixão pela personagem
venceu (AE)

Difícil acreditar que alguém é tímido quando sai à rua com botinha de salto stiletto cor-de-rosa, vestido chinês de seda por cima de uma calça e uma enorme flor azul de plástico na cabeça. Mas a cantora islandesa Björk, entre todas as suas esquisitices e contradições, ainda é daquelas que ficam genuinamente ruborizadas em entrevistas. Na verdade, ela quase não recebe a imprensa. E, quando jornalistas tentam surpreendê-la, como foi o caso de uma repórter de TV que tentou tirar uma frase do filho da cantora (Síndri) no aeroporto de Bangcoc em 1997, sopapos são trocados.

Mas Björk decidiu falar com a imprensa, dessa vez por uma questão pessoal.

Os últimos três anos de sua vida foram dedicados a compor a trilha sonora e interpretar o papel principal do filme Dançando no Escuro (Dancer in the Dark), do cineasta dinamarquês Lars Von Trier, uma das maiores atrações da Mostra Internacional de São Paulo, que começa hoje. O filme será exibido no dia 2, no Cinearte 1.

Björk acredita que a equipe técnica (adepta da fofoca de bastidores) e os produtores dinamarqueses (querendo criar uma polêmica para tornar o filme mais vendável) manipularam a mídia internacional, transformando suas desavenças com Von Trier no set de Dançando no Escuro em conflitos tão intensos quanto os atuais na Faixa de Gaza. "Não foi uma batalha, não", diz Björk séria. "Cerca de 90% das coisas que foram escritas sobre nós são totalmente nonsense", continua. "Foi um dos processos criativos mais satisfatórios de minha carreira."

Björk é a alma de Dançando no Escuro, o terceiro filme de Von Trier sob as restritivas normas estéticas do movimento Dogma 95, criado pelo próprio cineasta e que prega um cinema mais naturalista. Cerca de 70% das cenas da cantora islandesa no filme foram feitas no primeiro take. Björk é Selma, uma imigrante da ex-Checoslováquia que trabalha como operária numa fábrica americana na década de 60. Por causa de uma doença congênita, ela está perdendo a visão, assim como seu filho.

A operária só tem uma meta: juntar o dinheiro necessário para a operação do filho. Nos momentos vagos, ela tenta protagonizar uma montagem mambembe do musical A Noviça Rebelde, com sua colega de fábrica (Catherine Deneuve, a dama do glamour, usando impensáveis avental e lenço na cabeça). O filme, que venceu a Palma de Ouro e rendeu também a Björk o prêmio de interpretação feminina no último Festival de Cannes, é uma mistura de dramalhão mexicano com inventivas cenas de musicais. Como diz o jornal The New York Times, "não existe meio termo: ou o público adora ou detesta". Björk também compôs a trilha sonora em parceria com Von Trier e faz um dueto com Thom York, o bandleader do Radiohead (CD já disponível no Brasil).

Você já disse que rodar Dançando no Escuro foi uma experiência tão traumática que provavelmente não fará outro filme como atriz. Por que decidiu atuar?
Sou definitivamente uma workaholic. Quando algo me atrai, não me importo com o grau de dificuldade. Nunca pensei em atuar, mas a atmosfera criativa neste filme prometia ser tão vibrante que decidi abrir uma exceção.

Porém, particularmente, não achava que estava atuando. Era mais o caso de amar minha personagem e tentar defendê-la. O fato de achar que não devo atuar novamente não tem nada a ver com o filme. Isso é como me sentia antes de trabalhar com Lars (Von Trier). Quando aceitei fazer o filme, já sabia que seria uma experiência bem hardcore. Foi a mesma sensação de quando fiz meu primeiro álbum-solo. Tinha uma coisa meio pioneira e isso é o que faço de melhor. Quando começa muita repetição no trabalho, eu murcho. E devemos agradecer a Deus que existam muitas pessoas aí fora com vontade de repetir as coisas. Acho que nasci com a sina de desbravar novos territórios.

A princípio, seu trabalho seria apenas o de compor a trilha sonora do filme. Como foi convencida a se tornar a atriz principal também?
Quando li o roteiro, me apaixonei por Selma a ponto de chorar a cada dez páginas. Foi uma reação muito maternal. E rapidamente escrevi as canções. Acordava de manhã totalmente complacente em emprestar o meu subconsciente a Selma. Foi a primeira vez que fiz isso em minha vida: compor assumindo uma outra persona. Quando fui encontrar-me com Lars em sua casa de campo na Dinamarca, éramos só nós dois a debater as canções e o drama de Selma. De repente, eu incorporei o coração e a alma dela. Menos de um ano depois, estava rodeando a personagem como um satélite em órbita ao redor da Terra. Quando Lars veio com a proposta para eu interpretá-la, foi bem específico: "Por favor, não atue. Detesto gente interpretando." Mas, apesar de ter muitos anos de experiência em videoclipes, eu sou muito naif como atriz. E eu meio que me tornei Selma para Lars. Por vezes, me sentia num jogo de cabra cega ou tendo a mesma sensação dos pioneiros chegando à Antártida no começo do século. Era muita voltagem correndo pelo meu corpo.

Existe a lenda de que Lars Von Trier pode ser muito brutal com seus atores. Como ele dirigiu você e até que ponto essa imagem dele de déspota no set é verdadeira?
Nunca fiz nada do gênero antes, então é difícil comparar. Muita gente me disse que o que tentamos em Dançando no Escuro nunca foi feito antes. Mas acho que sou um pouco cabeça dura e muito auto-suficiente. Sou extremamente determinada, a ponto de você achar que sou uma tola. Podia pular de um abismo sem problemas, caso uma cena assim exigisse. Mas fazer-me repetir a mesma cena duas vezes me trazia imensa dor. Nós filmamos por 18 meses. E não sabia muito bem as cenas que seriam rodadas no dia. Perguntava sempre para Lars: "Posso ler o script de hoje?" E ele sempre dizia que não.

Então, acordava de manhã reagindo emocionalmente como Selma.

Depois desse período de animosidade, como está o relacionamento entre vocês?
Por sermos muito diretos, honestos e cabeças-dura, a gente nunca deixava uma desavença para depois. Tínhamos um problema às 10 horas da manhã, mas, às 11, depois de resolvermos nossas diferenças, já estávamos trabalhando. Se não havia um consenso entre nós, não havia trabalho. E posso dizer que terminamos de rodar o filme muito antes do prazo. Mas o problema é que muita gente no set não entendia o que estava se passando. Lars trabalha como um doido. E ele é muito inconstante. Podia estar rodando de uma maneira, mas, depois de receber a visita de sua mulher no set, ele voltava e fazia tudo completamente diferente. Somente Lars e eu sabíamos o que realmente estava acontecendo com aquela personagem.

Dê o exemplo de uma desavença entre vocês.
Na cena em que descubro que meu vizinho roubou o dinheiro da operação do meu filho. Lars começou a rodar meu confronto com o vizinho.

Minha reação instintiva para Selma foi a de tentar argumentar, fazê-lo mudar de idéia e devolver a grana. Lars ficou possesso. "Björk, isso está errado.

Suba a escada correndo e meta dois tiros na cabeça dele." Foi difícil chegar ao meio-termo do que acabou ficando a cena.

Como foi montar a trilha sonora tendo Lars Von Trier também como parceiro?
Sempre acho legal quando um compositor me contata, dizendo que escreveu algo especial para mim. Escrevo as letras e melodias de minhas canções desde pequena. E é uma sensação libertária ser usada como ferramenta de alguém. Para falar a verdade, eu acho que os músicos cantam melhor quando estão interpretando canções de outros compositores. Mas minha experiência com Lars foi bastante aturdida. Fui à casa dele várias vezes e minha sensação era de que ele estivesse apontando uma arma para mim e eu tendo sempre de virar o cano para outra direção. Lars e eu não temos nada em comum. Tudo entre nós é o oposto completo. O 1% de sintonia que tínhamos foi o que fez o projeto ganhar um forma mais humana.

Depois do prêmio de melhor atriz, que você ganhou em março no Festival de Cannes, agora se fala no Oscar. O que acha disso?
(risos) Posso assegurar-lhe que ainda não processei muito bem essa história da Palma de Ouro. Não sei o que dizer. Verdade! Teve momentos, no meio das filmagens, em que eu achava que não iria durar o resto do dia. E ninguém estava pensando em prêmios. A Palma de Ouro aconteceu e foi o mais gratificante possível.

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» "Selmasongs" junta experimentalismo à trilha
(O Estado de S. Paulo)

 

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