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Pyñeiro cria bela tragédia em "Dinheiro Queimado"
Ele fala sobre filme que adaptou do livro de Ricardo Piglia

Pyñeiro quis fazer filme mais
clássico que o romance
(Fernanda Fernandes/AE)

Quando se lançou ao projeto de adaptar o romance Dinheiro Queimado, de Ricardo Piglia, Marcelo Piñeyro não o fez movido pelo desejo de escandalizar. O filme conta a história de um par de amantes gays. Baseia-se num caso real ocorrido na Argentina e no Uruguai, nos anos 60. Nene e Angel, os protagonistas, integram grupo que rouba uma fortuna. Os companheiros são presos. Sobram eles e um terceiro personagem, acuados pela polícia.

Beijam-se com intensidade, de repente estão no centro de uma fuzilaria. O livro de Piglia, o escritor e amante de cinema que escreveu com Hector Babenco o roteiro de Coração Iluminado, é uma tragédia à argentina. Foi o que atraiu Piñeyro. "Quis fazer o filme por causa dos personagens, que me parecem os mais densos e apaixonantes da literatura argentina recente."

Amantes trágicos, terminais e o fato de serem gays não tem nada a ver com isso. Mas o homoerotismo acentua algo que atrai o diretor - ele gosta de personagens malditos, marginais. Por meio deles critica a sociedade que os discrimina e hostiliza. Foi assim em Música Feroz, Cavalos Selvagens e Cinzas no Paraíso, seus filmes precedentes. Mas ele nunca pensa - "Vou fazer esse filme para criticar isso ou aquilo." Filma por causa da história, da natureza dos personagens, como aqui. Dinheiro Queimado (Plata Quemada, no original) fez sucesso de público e crítica na Argentina, está fazendo mais sucesso ainda na Espanha, onde estreou em setembro. Mas o filme sofreu dura perseguição das autoridades de Buenos Aires. "Não pode passar na televisão, ganhou como classificação de censura proibido para menores de 18 anos, quando em geral a proibição é até 16 anos, com a ressalva de que os menores vejam o filme acompanhados pelos pais."

A trama homossexual incomoda os brios dos machistas, mas Piñeyro sabe que as reações a Dinheiro Queimado são de outra ordem. Têm a ver com a intensidade do drama, a voltagem crítica, a rejeição aos estereótipos. O filme termina com uma Pietà gay, imagem que o diretor brasileiro Sérgio Silva também utilizou em Anahy de las Misiones. "Queria usar uma iconografia forte, conhecida, mas queria subvertê-la, atribuir-lhe outro sentido, diferente daquele ao qual o público está acostumado", explica o diretor.

Reconhece as diferenças estruturais entre livro e filme. "O livro se caracteriza pela mutiplicidade das vozes narrativas, não queria esse tipo de pesquisa dramática." Procurou manter-se fiel aos preceitos aristotélicos da boa tragédia. "Um prólogo e três capítulos, tudo muito carregado, dramaticamente." É um filme de narração clássica, mas nunca convencional.

Não poupa elogios aos atores. Desde o início sabia que poderia contar com Leonardo Sbaraglia para o papel de Nene. "É um ator que sempre me acompanha, estamos amadurecendo juntos", define. Procurava o intérprete de Angel e não conseguia encontrá-lo no cinema argentino. Foi buscar Eduardo Noriega no cinema espanhol, onde ele era, principalmente, um ator de Alejandro Amenábar.

Durante seis semanas, Piñeyro testou os atores. "Não era para ver só se eles tinham condições de fazer os papéis, o que eu tinha confiança que sim; era para testar a química; sem química entre eles, não haveria o filme." Nene e Angel são trágicos e românticos. Na cena fundamental do filme, como no livro, queimam o dinheiro. Não o fazem porque sejam loucos, mas para indicar que o caminho que percorrem não tem volta. Nos filmes anteriores, a marginalização dos personagens eram muitas vezes (ou quase sempre) determinada por fatores ideológicos. Nene e Angel não têm ideologia, não agem movidos pelo desejo de transformar as estruturas de poder. Agem porque se amam, porque se desejam porque essa é a sua forma de viver e amar com intensidade.

É um belo filme. Confira a posição privilegiada de Piñeyro no cinema argentino atual. O produtor-executivo de A História Oficial, de Luis Puenzo, sabe, por exeperiência própria, que é difícil fazer cinema no América Latina. "Não é fácil conseguir dinheiro, o mercado é ocupado pelo produto de Hollywood." Contra tudo isso, Dinheiro Queimado foi feito e ganhou a adesão do público argentino. "São essas coisas que me levam a continuar no cinema", diz Piñeyro. (O Estado de S. Paulo)

 

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