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"Assédio" confirma Bertolucci como um verdadeiro artista do cinema



Houve um tempo em que os críticos definiam Bernardo Bertolucci como a síntese perfeita entre Luchino Visconti e Jean-Luc Godard. O diretor italiano foi coberto de Oscars quando fez O Último Imperador, mas sua trilogia oriental, formada por aquele filme e mais O Céu Que nos Protege e O Pequeno Buda, foi o motivo para que, durantes anos, os críticos o menosprezassem. Foi prematuro considerar Bertolucci liquidado. Ele segue grande. Beleza Roubada é um belíssimo filme. Assédio possui qualidades cênicas e de dramaturgia que confirmam Bertolucci, se é que isso ainda era necessário, como um verdadeiro artista de cinema.

Mas o cinema do autor mudou, forçoso é reconhecê-lo. Bertolucci é o primeiro a explicá-lo - a Itália mudou; durante anos ele não se reconhecia mais na Itália nem se sentia à vontade para filmar em seu país, mesmo que fossem filmes críticos. Em Cannes, este ano, ele falou sobre essa malaise. A Itália deixou de ser um país com vocação de esquerda, mediocrizou-se. Beleza Roubada, rodado na Toscana, marcou a primeira tentativa de reaproximação, mas o lado 'globalizado' do filme ainda fez com que, para muita gente, o diretor ficasse sob suspeita. Diálogos em inglês, cast internacional. Onde a fecunda italianidade de Bertolucci? Ela ressurge em Assédio e não só porque o filme é, quase todo, ambientado em Roma, com algumas cenas na África.

É um belo trabalho do diretor, mas há que fazer algumas ressalvas. David Thewlis é um bom ator, mas talvez não seja a melhor escolha para o papel de Kinsky. Bertolucci ama os atores de temperamento ambivalente ou feminino - Marlon Brando em Último Tango em Paris, John Malkovich em O Céu Que nos Protege, Jeremy Irons em Beleza Roubada e agora David Thewlis. Ele não tem physique du rôle nem temperamento para sugerir grandes arroubos de paixão por Thandie Newton (que também está no elenco de Missão: Impossível 2).

Morte e sexualidade sempre foram temas dominantes na obra de Bertolucci. Aparecem desde sua estréia, com La Commare Secca, que Pier-Paolo Pasolini escreveu para ele. La commare secca é exatamente a morte e o tema, sempre numa perspectiva política, atravessa Antes da Revolução e A Estratégia da Aranha para, misturado à sexualidade em O Conformista, atingir a densidade de Último Tango em Paris, esse raro e grande filme sobre a pulsão destrutiva do desejo.

Marx filtrado por Freud (ou vice-versa). Esqueça-se o intermezzo desastroso de La Luna. Havia desejo e morte em Beleza Roubada - a personagem de Liv Tyler vivia sua iniciação sexual simultaneamente à morte de Jeremy Irons, que representava a agonia dos sonhadores de 1968. Mas o filme, com cast e capital internacionais, revelava a face atual de Bertolucci, mais cosmopolita e, pelo menos na aparência, menos 'italiano'. Há desejo, de novo, em Assédio, que volta a inscrever o diretor na realidade social e política da Europa atual. O problema dos imigrantes não está ali por acaso. A imigrante africana Thandie Newton, que trabalha como doméstica, deseja intensamente o músico David Thewlis, seu patrão.

Bertolucci não trata o tema como talvez o tratasse no passado, na perspectiva marxista da luta de classes. O que há de mais marcante no novo filme é o cenário do casarão romano, que vira quase um personagem da ação - a casa é uma ilha que Kinsky e Shandurai compartilham - , e o enfoque dado à mulher. Bertolucci mudou muito sua concepção da mulher desde a Marie Schneider de "Último Tango". Thandie Newton é a prova em Assédio. (Agência Estado)

 

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