capa - culinária


Os caldos, as sopas e o calor humano

Quais seriam as melhores receitas do mundo, aquelas que despertam em cada um de nos aquele algo a mais? Seriam aquelas tecnicamente preparadas ou as que utilizam os ingredientes mais nobres? Quem sabe se aquelas preparadas por grandes mestres da culinária? Estas foram algumas das perguntas que me fiz refletindo sobre o tema. Difícil a resposta, mas acho que encontrei uma que me satisfez plenamente e afirmo que, a meu modo de entender, os caldos e sopas são as melhores receitas preparadas em todos os tempos.

Vamos pensar nas sopas como alimentos universais pois, em cada canto do planeta, existem boas receitas. Uma refeição que agrada a todas as idades, desde uma pequena criança que descobre o mundo dos sabores através das primeiras sopinhas, aos idosos que encontram nessa preparação um alimento altamente energético e um poderoso complemento alimentar. Sopas na verdade são receitas completas, pois quase sempre são ricas em proteínas, vitaminas e fibras. São também de fácil digestão o que ajuda na recuperação dos enfermos e na reposição de nossas energias depois de um dia cansativo de trabalho.

Dos sabores de minha infância, certamente os mais marcantes foram os das sopas, o caldo perfumado com costelinhas de porco defumada servido com catalonha e cubinhos de queijo fresco ou o Caldo Verde que era preparado por uma cozinheira portuguesa que trabalhou por muitos anos em nossa casa. Ainda tem o caldo de carne preparado com músculo bovino e depois engrossado com aveia, fubá ou semolina, chamado de Farinata, os Capeletes “in brodo” e a tão brasileira Canja preparada com frango caipira de verdade e não com galinha em caixinha.

O fato é que sopas são encontradas mundo afora e em sabores que vão além do que nossa imaginação pode alcançar. Seria preciso toda uma vida, experimentando uma receita por dia para que pudéssemos degustar todas as possibilidades e, ainda assim, deveríamos viver pelo menos 100 anos.

E por falar em sopas, é possível imaginariamente viajar o mundo através das sopas. Vichyssoise é uma das mais famosas sopas frias do mundo. Com sotaque francês porém, curiosamente preparada pela primeira vez em Nova Iorque no Hotel Ritz e, certamente, inspirada na francesa Potage Parmentier também preparada com batatas e alho poro. Pappa al pomodoro pão amanhecido ensopado com o sucos e aromas de um belo refogado, tomates maduros e manjericão, incrivelmente rústica e saborosa. Cock a leekie vem da escócia, é uma espécie de canja preparada com cevada, frango cenouras e alhos-porós. Dos Estados Unidos vêm o Clam Chowder, um creme grosso, quase em mingau preparado com moluscos, batatas e leite. Em Cuba um dos clássicos é a Sopa de Frijoles com Calabaza, sopa de feijões com abóboras, deliciosa por sinal. Que tal os sabores asiáticos? Pode ser Canh Chua, sopa vietnamita com pedaços de peixe em um caldo aromatizado com hortelã e tamarindo, é um clássico regional. Na Tailândia Tom Kha Gai de leite de côco com frango, muito coentro e outros aromas.

Quer mais sopas? Ribolitta, bem Toscana preparada com feijões brancos, legumes e, obviamente, pão com um toque de alho regada com um fantástico azeite de oliva, seria prima irmã do Minestrone. No Marrocos uma sopa preparada com lentilhas e canela, nem sei o nome da tal da sopa mas, tenho o sabor guardado na ponta da língua. São tantas as sopas que ficaria realmente difícil enumerar. Poderiam ser bem cremosas, ou mais líquidas, ou pedaçudas, com carne, com frango ou as mais ricas e sofisticadas receitas preparadas com frutos do mar, Cacciucco preparado em Livorno, Itália ou a famosa Bouillabaisse dos pescadores de Marselha.

Como se pode ver, para prepararmos uma boa sopa poucos são os ingredientes necessários. Quase como história da sopa de pedras em que a um caldeirão com água fervente e uma pedra foram sendo acrescentados os mais variados ingredientes. Um bom caldo é fundamental, quer seja ele de carne, frango, legumes ou peixes. Os concentrados podem até “quebrar o galho” mas não dá nem para comparar. Ervas aromáticas e alguns vegetais para perfumar o caldo e, no mais, é só usar a imaginação.

Bem, escrevi tanto sobre sopas que sou obrigado a ir imediatamente para a cozinha e começar a preparar uma. Ainda não sei qual, ora, certamente será uma das que coloquei no texto, ou seria um caldo com Kreplach, ou um Gazpacho, ou um Caldo Gallego, ou quem sabe um Missoshiru, ou Creme de Aspargos? Poderia ser uma belíssima Sopa de Cebolas gratinada, ou talvez um bom Caldinho de feijão ou de Mocotó ou, em último caso, até uma sopa de “pacotinho” porque o mais importante da sopa não é a origem da receita, nem o sabor, tampouco a textura ou a aparência. O importante mesmo é a sensação reconfortante que as sopas nos oferecem, melhor do que isso só mesmo o calor humano.

Leia as colunas anteriores

Volta para a capa




Copyright© 1996 - 2001 Terra Networks, S.A.. Todos os direitos reservados. All rights reserved.
 

tvchef@terra.com.br