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Gillo Pontecorvo defende a ditadura da realidade



Dois anos depois de realizar A Batalha de Argel (e ganhar o Leão de Ouro de 1966), Gillo Pontecorvo estava precisando de dinheiro. Os produtores sugeriram-lhe que fizesse um spaghetti western. Afinal, o gênero estava na moda, na Itália. O diretor declinou, mas viu com o maior interesse a proposta do produtor Franco Cristaldi, então casado com Claudia Cardinale.

Cristaldi propôs o que seria um romance oitocentista e também um filme de ação. Burilaram o projeto. E fizeram Queimada, sobre o colonialismo inglês na América Latina. Marlon Brando é o protagonista. Foi uma das experiências mais memoráveis da carreira (e da vida) de Gillo Pontecorvo.

"Marlon era e ainda é o maior astro do cinema, um grande ator", resume. Foi fácil obter sua adesão a Queimada. "Ele mesmo deu uma entrevista dizendo que só filmaria na Europa se fosse comigo, após ver A Batalha de Argel." O roteiro não estava pronto, mas Pontecorvo não precisou mais do que meia hora para garantir a participação do astro. Brando, o maior ator do mundo, opõe-se em cena a Evaristo Márquez, um não profissional que o diretor encontrou no próprio local da filmagem (Cartagena, na Colômbia). Faz o papel do latino que se opõe aos dominadores estrangeiros. Por maior que seja o carisma de Brando, é da dignidade de Márquez que o espectador se lembra, ao evocar Queimada. "Marlon foi sempre generoso com ele", conta Pontecorvo.

"Como Evaristo não tinha experiência alguma, Brando fazia tudo para facilitar sua vida; chegou a pedir que eu o enquadrasse de costas para a câmera, para que ele fizesse as expressões que o outro deveria reproduzir, olhando para o aparelho."

Depois de Queimada, passaram-se dez anos antes que Pontecorvo fizesse O Ogro, seu último longa. É o primeiro a dizer que não gosta do filme. Acha que foi um erro. Escrevia o roteiro desse filme sobre terrorismo quando ocorreu o seqüestro do primeiro-ministro italiano Aldo Moro. "Cheguei à conclusão de que seria imoral fazer o filme, que pareceria uma apelação, mesmo se o episódio focalizado fosse uma investida do terror na Espanha de Franco." Desistiu, mas retomou O Ogro quando encontrou o que lhe parecia a solução. Achou que poderia encarar o fenômeno terrorismo de forma jornalística, dando voz a todos os personagens, de todas as facções. Credita a isso as críticas ao que foi definido como confusão do filme.

Crítica - Sempre encarou o cinema como um instrumento de crítica e interpretação da realidade. Lembra, a propósito, que a BBC chamou de A Ditadura da Realidade o documentário que lhe dedicou, há alguns anos.

Não acredita no cinema como diversão, acha que é uma estética política.

Desistiu da direção, mas não abandonou o cinema. Durante cinco anos, dirigiu, para a Biennale, a Mostra d'Arte Cinematografica di Venezia. Avalia sua gestão. Disse que teve duas iniciativas importantes. Abriu o festival para os jovens. "Promovemos um grande concurso em todas as escolas da Itália; os alunos faziam redações e monografias; selecionamos os 250 melhores e os colocamos num acampamento no Lido; desta maneira, abrimos o festival para a juventude, numa experiência que fiz questão de repetir todos os anos, durante a minha gestão."

Rigor - Essa foi uma iniciativa. A outra foi promover uma nova seção chamada Noites Venezianas, destinada a mostrar no Lido as grandes produções de Hollywood. "Assim, conseguimos manter o rigor da mostra competitiva intacto e, ao mesmo tempo, promover o glamour sem o qual um festival de cinema não existe." Abandonou a direção do festival sem briga.

"Volto lá como convidado ou simples espectador; sou sempre recebido de braços abertos." É um forte crítico da dominação que Hollywood exerce sobre os mercados de todo o mundo. Cansou-se de apenas lamentar. Embora essa seja sua primeira viagem ao Brasil para participar de um festival de cinema, já esteve outras vezes no País. Veio como turista, por exemplo, e também para discutir com o secretário José Álvaro Moisés, do Audiovisual, a criação de um espaço latino, para estudo, intercâmbio e co-produção da atividade artística, especialmente audiovisual, entre a Itália e os pasíses da América Latina. Brasil e Argentina participam do projeto que poderá representar algumas dezenas de milhões de espectadores. Pontecorvo espera reencontrar Moisés no Rio. Esse projeto precisa ir adiante, diz. (O Estado de S.Paulo)

 

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