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Professora do Tremembé dá aulas sobre consciência negra o ano todo

Educadora desenvolveu o aplicativo “Alfabantu” para ensinar o idioma angolano kimbundu e escreveu livro de aventuras de uma menina negra

9 dez 2023 - 05h00
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Professora Odara Dèlé escreveu o livro “Lukenya e seu Poder Poderoso” e desenvolveu do aplicativo Alfabantu
Professora Odara Dèlé escreveu o livro “Lukenya e seu Poder Poderoso” e desenvolveu do aplicativo Alfabantu
Foto: Reprodução/Instagram/priscilafurulifotografia

Seja por meio do aplicativo que desenvolveu para ensinar um idioma africano, ou pelo livro infantil que escreveu com a história de uma menina negra empoderada, nas salas de aula ou nas contações de histórias, a professora Odara Dèlé, 35, aborda temas que despertam a atenção para a consciência negra o ano todo.  

“É essencial trabalhar a conscientização racial tanto para alunos negros quanto não negros. A grande preocupação, na verdade, quando a gente traz as questões raciais, é a do fortalecimento das raízes africanas e afro-brasileiras”, diz Odara.  

A trajetória da professora do Tremembé, na zona norte de São Paulo, no universo da educação começa com uma infância imersa na literatura. “Sempre fui uma criança leitora. Aos 12 anos, nas minhas andanças pelas bibliotecas, encontrei um livro chamado 'Capitães de Areia', do Jorge Amado. Li em três dias, não dormia para ver qual era o final do livro”, relembra.  

Anos depois, a menina que “devorava” livros cresceu e virou contadora de histórias. A mudança ocorreu após Odara participar de um coletivo de mulheres negras na zona norte que buscava, com trabalhos voltados para crianças de cinco a sete anos, expandir e fomentar a cultura africana e afro-brasileira nos territórios da região. 

“No contato com as crianças, a gente percebeu que havia um déficit de atenção e também de letramento. Pensamos na possibilidade de aproximar os livros para alcançar esse lugar. Se não é por uma educação formal, que seja por uma educação informal, então a ideia não é contar histórias, mas sim aproximar os livros das crianças através de uma mediação de leitura”, diz. 

Contudo, para contar histórias, a educadora ressalta a importância de propor diferentes dinâmicas de acordo com as faixas etárias. “Para os bebês, a questão sonora chama mais atenção. Já as crianças de três a cinco anos é um desafio no sentido de trazer dinâmicas para que possam, de alguma forma, interagir com a história, pois elas querem brincar, correr.”  

Odara durante atividade de contação de histórias em feira literária no Sesc Santana
Odara durante atividade de contação de histórias em feira literária no Sesc Santana
Foto: Cleber Arruda/Agência Mural

Para crianças maiores, de cinco a sete anos, as narrativas precisam ser mais curtas e dinâmicas, o que Odara atribui à influência da tecnologia e à capacidade de concentração. A partir dos sete anos, ela diz que as histórias precisam estar conectadas ao cotidiano dos ouvintes.

“É sobre uma situação no bairro que aconteceu, uma música, pois eles já estão inseridos no mundo do rap, do funk, do samba. Tem que ser quase um stand up.”  

África em aplicativo 

Formada em ciências sociais e mestranda em educação, Odara passou a dar aulas na rede pública e percebeu a necessidade de desenvolver a educação da cultura africana em sala. Em 2017, ela desenvolveu o aplicativo Alfabantu, com a proposta de auxiliar na alfabetização de crianças por meio da combinação de jogos digitais e contação de histórias sobre os povos africanos Bantu. 

“As professoras estavam em um impasse, porque as crianças só ficavam no celular. Aí pensei em como eu poderia fazer algo que fosse interativo e ao mesmo tempo fizesse as crianças se aproximarem novamente dessa ideia de continente africano”, relembra.  

O aplicativo é gratuito e está disponível para o sistema Android. Ele é composto por um glossário formado por diversas palavras, o alfabeto kimbundu, números, saudações, partes do corpo, nomes de animais e ainda um quiz pensado como estratégia de memorização das palavras. 

Aventuras na literatura infantil 

Em 2018, Odara viajou para Angola para aprofundar o conhecimento da língua e percebeu que uma nova necessidade de se expressar surgia em sua carreira. “Pensava, não pode ser somente tecnologia. Ela é importante, mas ao mesmo tempo está afastando algo que é essencial, que é essa sensação de pegar um livro e sentir o cheirinho de novo, porque o celular não tem cheiro.”  

Odara conta que já flertava com a ideia de escrever, mas só em Angola deu esse novo passo, da leitora contadora de histórias para escritora. “Queria escrever sobre crianças que brincam, que criam. Não tinha uma pretensão de ir para esse campo étnico racial, porque era uma resistência mesmo para mim, não quero que as crianças se tornem mini militantes”, diz.  

Llivro “Lukenya e seu Poder Poderoso” foi escrito em português e kimbundu, língua originária do território africano nas regiões da República do Congo e Angola
Llivro “Lukenya e seu Poder Poderoso” foi escrito em português e kimbundu, língua originária do território africano nas regiões da República do Congo e Angola
Foto: Reprodução/Instagram/sescsantana

Porém, no país estrangeiro, Odara foi comovida pela história de uma menina que sofria preconceitos por conta do cabelo. “Em uma conversa informal, ela me contou que já quis tirar a vida porque era zoada na escola e para mim não fez lógica porque todos tinham a mesma textura. E lembrei que de meninas no Brasil que já tinham relatado situações parecidas.”  

Os relatos deram a ideia para a criação do livro “Lukenya e seu Poder Poderoso”, ilustrado por Amanda Daphne, bilíngue, escrito em português e kimbundu, e que conta as aventuras de uma menina negra serelepe, cheia de ginga, em busca de um tesouro. 

“É sobre ela encontrar o seu poder através do seu cabelo, de quem ela é de fato, do seu autoconhecimento, de saber qual lugar ela é que ela faz parte do continente africano, mesmo assim ela entender a sua importância. Então o poder poderoso é redundante por conta disso. Tem um poder e ele é poderoso, e eu sei que ele está comigo”, explica a autora. 

“Acredito que um ponto essencial que gera o racismo é o desconhecimento e a não compreensão do outro. Quando você entende o diferente como inferior você faz a movimentação de desumanizar, de esvaziar o sentido do outro.”  

Para Odara, seus trabalhos envolvidos em questões raciais buscam novos olhares. “O ponto principal é trazer nos nossos trabalhos essa valorização positiva, tanto do continente africano, de modo geral, sabendo que ele tem as suas especificidades, pluralidade, mas principalmente, desfazer esses olhares e estereótipos negativos que por muitos anos se consolidou na nossa sociedade.” 

Agência Mural
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