Bando de Virgulino quase acabou após derrota em Mossoró
Levou mais de um ano para realizarem um movimento significativo, de Pernambuco para a Bahia, “com meia dúzia de meninos”
Lampião se deu mal no ataque a Mossoró e, após a derrota, seu bando quase foi extinto. Ele levou 14 meses até conseguir fazer novo movimento significativo, seguir de Pernambuco para a Bahia, “mesmo assim com meia dúzia de meninos à sua disposição”, diz o historiador Robério Santos.
Antes de Mossoró, o único revés havia acontecido em 1925, imposto por soldados recrutados, volantes. Combateram na fazenda Serrote Preto, entre Pernambuco e Alagoas, onde foi morto o irmão de Lampião, Levino.
Em Mossoró, ele não contava com a coragem do prefeito Rodolpho Fernandes. Acuado pelos cangaceiros cercando a cidade, arrecadou dinheiro no comércio para comprar armas. Juntou alguns rifles, trinta fuzis e pouca munição.
Depois de Mossoró, o povo se armou em outras localidades contra Lampião, como em Capela, Sergipe, em 1930. O manancial dessas histórias é Robério Santos, pesquisador, 32 livros publicados e mais quatro prontinhos.
Ele investiga a bandidagem brasileira desde o descobrimento do Brasil, é consultor da Globo para produções relacionadas aos temas que pesquisa, trabalhou para a novela Renascer, que está no ar, e mantém o canal O Cangaço na Literatura, referência no Youtube.
Entre suas proezas, encontrou a última carta do prefeito Rodolpho Fernandes a Lampião, e a devolveu à cidade de Mossoró, em 2020.
Robério Santos conversou com o Visão do Corre.
Qual o primeiro cangaceiro de que se tem notícia?
Catalogado, José Gomes, o famoso Cabelleira, que nasceu em 1751 em Glória do Goytá, Pernambuco. Ele morreu enforcado em Recife ao meio-dia de 28 de março de 1786. Sou o biógrafo dele. De lá para cá, diversos grupos se formaram, e só do período de Lampião, entre 1918 e 1938, temos catalogados mais de 1.500 personagens.
Em Mossoró, como Lampião foi derrotado?
Com as ameaças do bando desde dias antes ao ataque, no dia de Santo Antônio de 1927, pela tarde, a população capitaneada por Rodolpho Fernandes já se preparava. Inclusive, usando fardos de algodão como trincheiras e a torre da igreja como local estratégico para a batalha épica que se seguiu debaixo de uma chuva fina. Até hoje, temos as marcas de balas na torre da Capela de São Vicente.
Com a derrota, houve mudanças no grupo de Lampião?
A guerra em Mossoró parecia vitória certa. Levando o dinheiro, conseguiria manter seu grupo e, quem sabe, atacar capitais ou outras cidades maiores. Com a derrota, o ânimo não foi dos melhores. Tempos depois, seu lugar-tenente, Sabino Gomes, morre. Seu irmão, Antônio, havia morrido meses antes e o grupo começa a minguar. Assim, resolve seguir para a Bahia em 1928, onde tinha não mais que meia dúzia de meninos à sua disposição. O cangaço quase acaba neste momento.
O que explicaria a devoção a criminosos como Jararaca e Lampião?
Toda morte violenta causa comoção. O povo tolera o criminoso, não seus crimes. Jararaca se encaixa no perfil de santo popular, não oficializado pela igreja. As pessoas se apoiam nestas mortes, meio que rezando pela alma tirada tão bruscamente do corpo. Jararaca não é caso isolado.
Mas Lampião não é reverenciado como santo.
Sobre Lampião, não há orações como santo popular, por incrível que pareça, nem Maria Bonita. Mas há um fascínio muito grande pelo seu personagem. Virou filme, música, artesanato, trabalhos acadêmicos, fomentador do turismo, novelas, canais no YouTube, pinturas, quadrinhos, eventos especializados e outras coisas. O cangaço é o maior tema nacional, nenhum outro é tão debatido ou se tem tantos livros.
Cortar cabeças é uma marca histórica do crime organizado no Brasil?
Esses rituais existem há mais de dez mil anos, passando pela Bíblia, com o caso do João Batista, chegando aos povos originários, mais precisamente, os Tupinambá. Há ainda as guerras no Oriente Médio, o cangaceirismo e, atualmente, as guerras de facções criminosas. Muitas vezes, jogam futebol com as cabeças cortadas.
Quando surge o termo “novo cangaço”?
Surge fora dos limites nordestinos, em Minas Gerais, em 27 de janeiro de 1922 no jornal O Imparcial, que relata a atuação de grupos armados que agiam no interior mineiro. O termo surge como apelo midiático, para denominar bandidos comuns, não cangaceiros. Não é um fenômeno tão atual.