Diário

O último dia no mar

Quinta-feira, 11 de janeiro de 2001.

Paulo Gleich - Repórter Terra

Hoje é meu último dia a bordo do Arctic Sunrise, que deve atracar no porto de Santos, em São Paulo, na madrugada de hoje para sexta. O dia não começou muito bem para mim: acordei às 8h30 e perdi o café da manhã, que vai só até as 8h.

Todas as refeições do navio são feitas com pontualidade britânica, ainda mais porque a cozinheira a bordo é inglesa, como contei ontem. São cinco refeições por dia: o café da manhã, às 7h30, o lanche da manhã, às 9h30, o almoço, às 12h, o café da tarde, às 15h, e o jantar, às 18h. Fora desses horários, entretanto, a sala de refeições fica aberta para quem estiver com fome, e quase sempre há alguém lá dentro beliscando alguma coisa.

O horário depois do café da manhã é dedicado à limpeza do barco. Com baldes, panos e vassouras, os voluntários se distribuem por todos os cômodos e corredores do Arctic Sunrise. Ontem comentei que o humor da tripulação pela manhã não era dos melhores, e achava que era o mau tempo. Acredito que, em grande parte, a hora da limpeza seja responsável pelo ânimo matinal, pois não vi ninguém esfregando o chão demonstrando muita felicidade.

Ontem à noite assistimos a um vídeo sobre a expedição na Amazônia a bordo do Amazon Guardian, que denunciou corte ilegal de madeira. O vídeo mostrava o início da expedição, a descoberta dos lotes ilegais de madeira, uma visita a uma tribo indígena, a chegada dos fiscais do Ibama ao lote de madeira e, finalmente, a volta a Manaus. Isso, no entanto, era mostrado com uma seqüência de imagens sobre um fundo musical, com alguns trechos com diálogos ou declarações dos ativistas, mas sem narração.

A fita foi aparentemente feita para uso interno dos ativistas do Greenpeace, que acompanharam as imagens ora emocionados, ora às gargalhadas. Já eu, que não havia participado da expedição nem conhecia as pessoas mostradas no vídeo, não entendi todo o conteúdo da fita. Mais tarde, pedi explicações a Luciana, uma voluntária que acompanhou a expedição. Luciana, aliás, é a maior vítima do mal del mar a bordo. Desde que entramos em alto mar, ela não comeu quase nada e não pôde cumprir com todas suas tarefas. Ontem, quando estávamos relembrando sua viagem à Amazônia, ela me garantiu que preferia estar lá, em meio ao calor e aos mosquitos, do que aqui, onde mal sai da cama.

Eu, no entanto, e a maioria dos novatos a bordo, já estamos acostumados ao balanço das ondas, mesmo quando fica mais intenso, fazendo a água bater contra as janelas (olhos de boi)do barco. Ontem falávamos, brincando, que vamos enjoar quando pisarmos em terra firme e não sentirmos mais o balanço do mar. De todas as coisas a bordo, no entanto, o balanço do barco é algo de que certamente não terei saudades quando desembarcar. Além do enjôo, o vaivém das ondas torna as caminhadas pelo interior do navio uma tarefa difícil, e não raro se esbarra contra uma parede. É semelhante a caminhar embriagado, só que 24 horas por dia!