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Menina participa de aula de surfe oferecida pelo Instituto Italo Ferreira, em Baía Formosa (RN)  Foto: Diógenes Beniz/Colaboração Terra

Ondas mais limpas no RN: crianças aprendem a surfar e a cuidar do oceano com apoio de medalhista olímpico

Italo Ferreira foi o primeiro a ganhar uma medalha de ouro em uma Olimpíada e criou um instituto em sua terra natal

Imagem: Diógenes Beniz/Colaboração Terra
  • Fabiana Maranhão Fabiana Maranhão
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28 nov 2024 - 04h59
(atualizado em 3/12/2024 às 00h07)

Em ‘BF’, como carinhosamente é chamada Baía Formosa, ‘todo mundo surfa’. Sim, é um exagero, mas essa espécie de ‘piada interna’ entre os moradores diz muito sobre essa cidade de quase 9 mil habitantes, no litoral sul do Rio Grande do Norte. O município tem como filho mais que ilustre Italo Ferreira, o primeiro a ganhar uma medalha de ouro no surfe em uma Olimpíada. 

  • Esta é a segunda reportagem da série Mais que Atletas da Água, sobre como praias no Brasil têm sido transformadas com o apoio de medalhistas olímpicos, entre eles os irmãos Grael, Italo Ferreira e Poliana Okimoto.

BF vive em função do mar. É de lá que os pescadores tiram o sustento. São as praias que atraem os turistas durante praticamente todo o ano. E são as ondas que transformam curiosos em surfistas profissionais, justamente o que aconteceu com Italo.

E foi para ajudar a cuidar do oceano, que tem tanta importância para a cidade, e também para oferecer oportunidades para crianças de baixa renda de BF que o medalhista olímpico e sua família criaram um instituto no segundo semestre de 2022.

Sede do Instituto Italo Ferreira foi construída no mesmo local onde o medalhista olímpico e a família moravam em Baía Formosa (RN).
Sede do Instituto Italo Ferreira foi construída no mesmo local onde o medalhista olímpico e a família moravam em Baía Formosa (RN).
Foto: Fabiana Maranhão/Redação Terra

“A ideia do instituto surgiu de um sonho de Italo de proporcionar às crianças oportunidades que ele não teve na época [quando era criança]”, conta Pollyanna Ferreira, irmã de Italo e diretora administrativa do instituto.

A casa onde Italo e Pollyanna foram criados, bem pertinho da praia, foi toda reformada e se tornou a sede da instituição. O local serve de ponto de encontro para 120 crianças, de 7 a 14 anos.

Assim que chegam, elas fazem um lanche. Dependendo do dia da semana, têm aulas de informática, participam de oficinas para aprender a lidar melhor com as emoções e recebem apoio psicológico. Mas é na praia onde ocorrem as atividades que a maioria delas mais gosta: aulas de surfe e de esportes de areia, como volei e futebol. 

Instrutor conversa com crianças antes de práticas esportivas na praia em Baía Formosa (RN).
Instrutor conversa com crianças antes de práticas esportivas na praia em Baía Formosa (RN).
Foto: Fabiana Maranhão/Redação Terra

“É a parte realmente que elas mais gostam. Você vê a alegria delas, elas ficam todas felizes. Todo mundo ali no seu grau de desenvolvimento, umas de pé [na prancha de surfe], umas deitadas, umas só gostam de mergulhar e nadar, mas é um momento mais alegre”, descreve Joana Machado, instrutora de surfe e de inglês.

E os professores do instituto aproveitam esses momentos mais descontraídos para conversar com as crianças sobre destinação correta do lixo e a importância de zelar pela limpeza da praia. Mais do que isso, eles estimulam os pequenos a colocar em prática as lições de educação ambiental. 

“Quando a gente vai pras práticas de surfe, a gente tem o costume de levar uma sacola e recolhe o lixo que está ao nosso alcance, que já é bastante. Infelizmente, os próprios comerciantes da região, ali da praia, deixam de fazer a parte deles, de recolher descartáveis. A gente procura, através do exemplo, impactar essas pessoas que estão ali trabalhando ao redor”, conta Hugo Medeiros, instrutor de surfe e primo de Italo.

Lixo nas praias

E essa preocupação com a conscientização ambiental das crianças de BF não é à toa. Em um estudo abrangente feito sobre o lixo nas praias brasileiras, lançado em setembro deste ano, três cidades do Rio Grande do Norte aparecem entre as cinco mais poluídas do País. E entre elas, está Baía Formosa.

Nessa pesquisa, BF figura tanto entre as cinco cidades com maior densidade de resíduos plásticos maiores (macrorresíduo) quanto de pedaços grandes de plástico (macroplástico) por metro quadrado de areia.   

O estudo foi feito pelo Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP) e pela ONG Sea Shepherd Brasil.

Uma expedição percorreu, ao longo de 16 meses, entre 2022 e 2023, 8.125 km do litoral brasileiro, do Oiapoque (AP) ao Chuí (RS), e coletou 2,3 toneladas de materiais para análise. Cerca de 91% dos resíduos achados em 306 praias do País foram plásticos. 

Mutirões de limpeza nas praias

Crianças participam de mutirão de limpeza em praia de Baía Formosa (RN). Ação foi promovida pelo Instituto Italo Ferreira e pela Sea Shepherd Brasil.
Crianças participam de mutirão de limpeza em praia de Baía Formosa (RN). Ação foi promovida pelo Instituto Italo Ferreira e pela Sea Shepherd Brasil.
Foto: Divulgação/Sea Shepherd Brasil

Como forma de tornar todo esse lixo menos 'invisível', o Instituto Italo Ferreira promove mutirões de limpeza nas praias em parceria com a Sea Shepherd Brasil.  

André Ballesteros, coordenador de gestão de resíduos da ONG, explica que pesquisas mostram que multirões de limpeza geram impactos positivos nas praias e até na vida marinha “porque impede uma parte, mesmo que seja pequena de resíduos, de virar poluição”. No entanto, ele reconhece que ações desse tipo são “um grãozinho de areia”. 

"A gente costuma dizer que os trabalhos de mutirão de limpeza têm muito mais um foco na sensibilização do que resolver o problema. O mutirão é a primeira atividade de sensibilização” -- André Ballesteros

“É ‘desinvisibilizar’ o resíduo. As pessoas estão tão acostumadas com o lixo no chão que não percebem o quanto aquilo é feio, o quanto compromete não só a estética, às vezes, da cidade, mas também o meio ambiente. Aquilo está indo para algum lugar, está poluindo rios, às vezes, tem aditivos químicos naquelas embalagens que estão indo para o lençol freático, para solo. Animais podem comer aquele resíduo e podem acabar morrendo”, alerta. 

O trabalho de conscientização feito pelas duas organizações incluiu até uma vista a um lixão da cidade. “Eu já tinha visto imagens [de lixões], eu sei o que que é, tenho já uma consciência ambiental, mas foi uma experiência bem impactante. Realmente liga um sinalzinho de alerta. Toda vez que vejo um lixo na rua, eu falo: ‘Olha, mais um que vai para aquele lixão’”, lamenta a instrutora de surfe Joana.

Desafios da educação ambiental

A estudante Emanuella Amaro, de 12 anos, participa das atividades do instituto há quase dois anos. Ela diz que gosta das aulas de informática e de surfe e lembra o que sentiu quando conseguiu ficar de pé em uma prancha pela primeira vez. “Fiquei feliz”, resumiu. 

Durante o tempo que está no instituto, Manu, como é conhecida, também aprendeu a ter mais cuidado com a natureza.

“Eu aprendi a reciclar, a não jogar lixo no meio ambiente”, Emanuella Amaro, 12 anos 

Terra: E você separa o lixo em casa? 

Manu: Não. 

Terra: Por quê? 

Manu: Porque é meio complicado. 

Terra: Por que é complicado? 

Manu: Porque nem todo mundo faz, e só uma pessoa fazer é meio estranho. 

Terra: Mas aqui no instituto você faz?

Manu: Sim.

Emanuella Amaro, de 12 anos, participa das atividades do Instituto Italo Ferreira.
Emanuella Amaro, de 12 anos, participa das atividades do Instituto Italo Ferreira.
Foto: Fabiana Maranhão/Projeto Terra

O instrutor de surfe Medeiros fala que é desafiador conscientizar crianças e, principalmente, adultos sobre a importância do descarte correto do lixo. 

“Muito difícil mudar os hábitos de muitos anos. E a gente observa que os próprios familiares não tiveram acesso a essa educação ambiental. Então, a gente tem que conscientizar eles [as crianças], e eles se tornarem portadores dessa transformação com os seus familiares. Mesmo assim, a gente sabe que, muitas vezes, os familiares vão ouvir, a informação vai entrar por um ouvido e sair pelo outro porque a questão de mudar o hábito não é fácil”, reconhece.

Pollyanna Ferreira, irmã de Italo, concorda que a maior dificuldade é a falta de apoio de algumas famílias. “Aqui no instituto a gente faz todo um trabalho, mas se não tiver uma parceria com a família, todo o nosso trabalho é em vão”, lamenta. 

Para a instrutora Joana, a saída está em dar o exemplo, o que não é nada fácil.“O maior desafio realmente é a parte de dar o exemplo. De nós, adultos, nós, instrutores, mudarmos os nossos antigos e velhos hábitos, maus hábitos, para poder realmente falar e fazer o correto e, assim, multiplicar e mostrar o exemplo para elas de verdade”, defende.

Avanços e esperança

O Terra acompanhou um dia de atividades do instituto em Baía Formosa. Pouco antes da prática de esportes na praia, uma menina que chupava pirulito jogou o palito de plástico na areia. Segundos depois, pareceu se dar conta do que tinha feito, meio que no automático, recolheu o objeto e colocou no bolso.

Os instrutores contam que percebem mudanças no comportamento das crianças. "A gente nota, sim. Você vê algumas, no dia a dia, quando a gente vai nas atividades de praia, recolhendo lixo. Elas chegam contando histórias: 'Ah, aconteceu isso', 'Meu vizinho fez tal coisa, jogou tal coisa na rua, que feio', 'Como é que a gente fala?'. E a gente vai tentando mostrar: 'Tenta falar assim com o vizinho, mostra por que que isso é importante, por que que isso é ruim'. Para ver se a gente vai multiplicando e crescendo com essa ação", diz Joana.  

*A série de reportagens Mais que Atletas da Água foi realizada com o apoio do Edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental, promovido pela Fundação Grupo Boticário em parceria com a UNESCO.

Fonte: Redação Terra
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