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jardim de chuva  Foto: Marco Dias/Terra

De medo de rato a jardim de chuva: como escolas transformam quebradas da capital menos arborizada do País

Projetos para retirada de lixões no entorno das escolas vingaram e transformaram os locais em espaços ativos de convivência

Imagem: Marco Dias/Terra
  • Maria Clara Andrade Maria Clara Andrade
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17 set 2025 - 19h19
(atualizado em 2/10/2025 às 11h55)

As mãozinhas dos alunos da Escola Municipal Sociedade Fraternal, no bairro de Pau da Lima, na periferia de Salvador, deram vida e cor ao muro que cerca a unidade escolar. Quem vê hoje os desenhos deixados pelas crianças de 6 a 14 anos na parede não imagina que, antes, o fedor e a sujeira inundavam aquela mesma calçada.

Hoje, a fachada da escola municipal é colorida pelas mãos dos próprios alunos
Hoje, a fachada da escola municipal é colorida pelas mãos dos próprios alunos
Foto: Arquivo Pessoal/Elenilda de Sá
  • Esta reportagem faz parte da série Quebrada Sustentável, que aborda iniciativas de sustentabilidade dentro de comunidades periféricas no Brasil. O Terra conheceu projetos criados ou desenvolvidos pela própria população em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.

"Eu me recordo de uma vez que a minha filha soltou da minha mão, passando pelo lixo ao lado da escola, e correu para a rua com medo de um rato", conta Mailza Bispo, moradora do bairro. Sua filha estudava em uma outra escola da região, mas o lixão fazia parte do seu trajeto diário. E a lembrança da mãe se mantém viva porque foi por muito pouco que um carro não atropelou a menina.

Lixo descartado incorretamente pode intoxicar solo e água, além de liberar gás metano, que intensifica o efeito estufa. Regiões periféricas sofrem ainda mais com esse tipo de problema. Desde 2014, os lixões a céu aberto são proibidos por lei no Brasil. O prazo foi esticado até o ano passado, mas segundo dados da Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema), o País ainda contava com cerca de 3.000 áreas de descarte irregular de lixo em agosto de 2024.

A transformação dos espaços na periferia de Salvador, capital menos arborizada do Brasil, começou a ocorrer em 2018 por uma ação que envolveu toda a comunidade escolar e um projeto de sustentabilidade nos locais urbanos, o Canteiros Coletivos. O projeto incluiu controle do lixo, novas áreas verdes, readequação do uso da chuva e abordagem educacional.

Segundo a diretora Elenilda de Sá, o despejo incorreto na escola do bairro de Pau da Lima começou em 2013, de forma espontânea, pela população. A situação ficou crítica ao ponto de até os pais, quando deixavam as crianças na escola, levarem consigo os lixos de casa. Eram lixos orgânicos, guarda-roupas e colchões que se acumulavam na entrada da escola.

Naquele ano de 2018, por meio de um anúncio nas redes sociais, a então gestora da escola entrou em contato com o projeto Canteiros Coletivos e iniciou uma parceria.

Antes e depois do projeto de revitalização na Escola Municipal Sociedade Fraternal
Antes e depois do projeto de revitalização na Escola Municipal Sociedade Fraternal
Foto: Arquivo Pessoal/Elenilda de Sá

“Nós mobilizamos várias pessoas para participarem, posto médico, gerência regional de educação, famílias, e fizemos um plano de ação para, na semana seguinte, fazer esse marco zero, que era a primeira ação. A partir daí, a escola precisava criar estratégias para que o lixo não voltasse”, conta Elenilda.

Nesse primeiro dia, no tal do marco zero, pneus foram postos em frente à escola e um artista plástico desenhou a arte do novo muro. 

"Os motoristas da cooperativa que ficavam entre uma escola e outra, a partir do momento que eles viram o movimento, perguntaram o que ia acontecer. Quando nós falamos, eles falaram: ‘Nós estamos com a senhora e o que a senhora precisar, vamos fazer’. Então, de quatro pneus, viraram mais de 40 pneus”, afirma a diretora.

"O que nos ajudou, o que fortaleceu a nossa ação, foi o envolvimento da comunidade" -- Elenilda

Os pneus viraram vasos de plantas improvisados pelos próprios alunos e hoje dão lugar a grandes vasos de verdade. Também há bancos onde as crianças podem se sentar durante as atividades ao ar livre no local.

Toda a transformação esteve alinhada ao que os alunos estariam aprendendo dentro de sala de aula -- de forma ainda mais enriquecedora.

“A gente produzia panfletos ou anúncios, de acordo com a modalidade textual que a gente estava trabalhando na sala. Os alunos construíam [os textos] e saíam, na hora que iam embora, distribuindo para que não jogassem lixo e para que participassem de nossas ações. Não eram só os pais, mas toda a comunidade”, conta Ermita Cordeiro, professora do 5º ano. 

Ela explica que, para manter o que foi construído e evitar que voltem a deixar lixo no local, há um cronograma para indicar semanalmente um responsável pela área externa. 

Transformação em rede

A cerca de 15 minutos de Pau da Lima, de carro, está o Colégio Estadual Professora Marileine da Silva, no bairro da Mata Escura. Por muito tempo, o colégio também dividiu seus muros com um local de descarte inadequado, o famigerado “lixão”. “Tinha de tudo. E há muito tempo, uns 20 anos. Então nos incomodava muito”, conta Laura Rodrigues, diretora da unidade.

Imagem de uma palestra sobre cidade, cidadania e urbanismo realizada onde antes ficava o lixo
Imagem de uma palestra sobre cidade, cidadania e urbanismo realizada onde antes ficava o lixo
Foto: Arquivo Pessoal/Elenilda de Sá

Insatisfeita com a situação, ela encontrou, em 2018, um anúncio para tentar uma parceria com o projeto Canteiros Coletivos e retirar o lixão do entorno da escola. Foram feitas várias atividades de reeducação ambiental, que mobilizaram toda a comunidade escolar e impactaram no comportamento dos moradores da Mata Escura no geral. 

Foi o que aconteceu com Damásio Pinto. Hoje, ele é coordenador pedagógico do Marileine, mas muito antes de assumir o posto, para o qual foi destinado há dois meses, conhecia o colégio e suas ações de sustentabilidade.

“Como eu sou do bairro, eu presenciei toda essa movimentação. Vi, de dentro do bairro, a retirada de todo o lixão. Na época, um olhar não como professor e coordenador pedagógico, e sim como um cidadão”, conta. 

Ele relembra que, principalmente pelo velho boca a boca, a comunidade passou a respeitar o local. A diretora também conta ter posto pneus com plantas onde era depositado o lixo, além de deixar escrito a recomendação para que não descartassem nada ali. Dois anos mais tarde, a parceria com o Canteiros Coletivos se renovou, dessa vez com o Jardim de Chuva. 

Jardim de Chuva

O Jardim de Chuva fica em um pátio dentro do colégio e envolve toda a comunidade escolar em atividades
O Jardim de Chuva fica em um pátio dentro do colégio e envolve toda a comunidade escolar em atividades
Foto: Marco Dias/Terra

Instalado em 2022, o Jardim de Chuva é a prova de que não são só plantas que florescem de um jardim. O projeto, aplicado no pátio do colégio, leva esse nome por basicamente concentrar a água da chuva com mais intensidade em seu solo. Desde então, as atividades escolares ganharam novos tons, seja na área de humanas, exatas ou ciências da natureza. 

Por si só, o Jardim de Chuva já é ecológico. Laura explica que, ao absorver com mais intensidade a água da chuva, previne-se a inundação e melhora-se a qualidade de vida do ambiente. Mas no colégio, o jardim foi abraçado por todas as disciplinas e inclui até mesmo os alunos da Educação para Jovens e Adultos (EJA), que fazem aulas à noite. 

"Não é o jardim de chuva pelo jardim de chuva. A gente fez uma articulação com o projeto pedagógico" -- Laura 

Indira Silva, professora formada em sociologia, dá aulas de Projeto de Vida, disciplina que foi incorporada pela nova grade do Ensino Médio. Desde que o Jardim de Chuva surgiu, sendo o primeiro espaço verde no colégio, ela começou a levar os alunos para terem aulas ali. O objetivo, ela conta, era "discutir o quanto aquele ambiente nos proporcionava um bem-estar social. Principalmente com a turma de segundo ano, que a gente trabalhava os conflitos interpessoais". 

Atualmente, ela está trabalhando em um projeto mais robusto, que envolve levar estudantes a comunidades quilombolas da região e traçar paralelos entre as vivências dessa população com o que o jardim oferece.

“Eu tenho pensado com os meninos em catalogar algumas plantas aqui, que eu tenho certeza de que vão aparecer em algum momento nos quilombos. Plantas tradicionais, que são importantíssimas para a vida sustentável”, diz. 

Salvador: capital menos arborizada do Brasil

Alunos de todas as séries participam das ações no local
Alunos de todas as séries participam das ações no local
Foto: Arquivo Pessoal/Elenilda de Sá

Para além dos lixões, o que une essas duas histórias é a presença do projeto Canteiros Coletivos, que foi criado pela jornalista e ativista Débora Didonê, em 2012. O projeto nasceu de uma mudança de vida da jornalista, que, de mudança para Salvador, se envolveu com ações socioambientais. 

“Eu fui me envolvendo e me acendeu o desejo de mexer nos espaços públicos, de plantar, de reunir as pessoas para transformar. Foi uma coisa muito orgânica e que acabou ganhando essa dimensão dos projetos, ao longo dos anos”, conta.

Ela menciona especificamente o objetivo de levar áreas verdes para os espaços mais periféricos da cidade. O Censo 2022 mostrou que Salvador é a capital menos arborizada do País, e, para quem mora na cidade, há uma clara distinção entre área nobre e pobre pela quantidade de árvores na rua. 

“Os espaços mais periféricos são os espaços mais impermeabilizados da cidade, justamente por não ter um planejamento, por não ter um olhar dos órgãos públicos de trazer toda essa legislação para as periferias, de ter as vias nos tamanhos adequados, de ter passeios para as pessoas, de ter arborização nos entornos das escolas, de ter mais praça”, afirma Débora. 

Os projetos mantidos pelo Canteiros Coletivos funcionam a partir de financiamentos pontuais, seja de editais vinculados a órgãos públicos ou de parcerias com instituições privadas. No momento, Débora conta que não tem nenhum recurso para projetos desde o final de 2023. Ainda assim, a parceria e contato com as escolas permanecem. 

Neste ano, em que o Brasil recebe a a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), Débora, enquanto ativista ambiental, sugere que os governantes passem a olhar mais para as cidades para conter as mudanças climáticas. 

O próprio Jardim de Chuva, por exemplo, caso fosse implementado em mais escolas públicas ou em terrenos de prédios públicos, poderia diminuir a quantidade de inundações e alagamentos que ocorrem todos os anos nas grandes cidades. 

“As cidades também são lugares que absorvem muitos recursos naturais e que essas políticas públicas poderiam minimizar, aproveitar melhor os recursos naturais que estão aí à disposição e estão sendo desperdiçados”, defende Débora. 

Fonte: Redação Terra
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