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    EMILIANO URBIM
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Carla

Segunda, 16 de dezembro de 2002, 16h55



Foi no século passado, no ano da graça de 1997, que iniciei meu curso de jornalismo na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação. Nesses tempos d'antanho, eu nada queria nenhuma estudante de comunicação, quiçá universitária. Meu carinhos eram todos de Carla, estudante de 15 anos do primeiro ano do 2º Grau _com dependências_ no Colégio
Concórdia, situado no bairro Navegantes (Pólo Norte de Porto Alegre).

Eu contava então 18 primaveras, e, apesar de estar na propalada "flor da idade", considerava minha vida uma maçada. Uma maçada, compreende?, enfadonha e fastidiosa. Carla _loira, suburbana de coração, visto que morava no IAPI, fornida e um tanto tola_ me distraía. Eu a elencava
entre mais um de meus passatempos: videojogos, televisor, gibis, cinema, leituras, namorada.

Viemos a saber da existência um do outro em um cair de tarde sobre rodas: no omnibus.

Nesse dia, eu e meus habituais cúmplices de ócio, André e Alessandro, passáramos a tarde praticando o footing no Centro Comercial Iguatemi. Bateram as seis badaladas e começamos a nos dirigir rumo à parada do coletivo.

Conforme cobríamos a distância da saída do prédio até a movimentada parada, sobressaíram-se aos olhos dos três galalaus um grupo de cinco moçoilas, todas entre 14 e 16 anos, e todas correspondendo ao flerte. Sandro, sempre o mais folgazão, saiu-se com um "posso me apresentar
pra ti?", dito entre mascadas de chicle de bola para uma das meninas, Adriana. Meses depois ela ganharia a alcunha de "A Barbuda", mas naquela tarde nenhum do trio reparou que suas costeletas eram assaz desenvolvidas.

André, confiante em seus traquejos, também passou a integrar a roda de recém-apresentados, enquanto que eu permaneci orbitando-a. Logo descobriu-se que todas pegariam o carro da linha Chácara das Pedras. O nosso era o Iguatemi, todavia embarcamos no Chácara. Fosse outro dia
eu teria argumentado contrariamente a esse desvio proposital de rota. Mas não era outro dia.

Descemos na Avenida Assis Brasil, e acordou-se que escoltaríamos as donzelas até suas residências, no acolhedor bairro do Passo d'Areia. Conquanto ainda permanecesse um clima de estranheza diante da situação. Éramos tolerados, não benvindos. Então, o condão: eu, de
índole pacata e ensimesmada, apático até, tomei as rédeas da situação.

Adiantei-me rumo a menina que mais me havia chamado a atenção, e não há razão em fazer mais suspense: era Carla. Enlacei-lhe pela cintura e, não sofrendo admoestação, assim permaneci. Dois átimos depois era ela quem me enlaçava _bom agouro.

Meus amigos se melindraram. Procuraram obter o mesmo êxito com as meninas restantes, em vão. Deu-se que a dupla resolveu largar o passeio antes do fim e dirigiu-se para suas residências, deixando-me com Carla e um outra amiga sua, cujo nome perdeu-se na cruenta ampulheta do tempo. Carla não era do bairro, ainda assim se dirigia para a casa da amiga, onde seu pai passaria de automóvel pra recolhê-la à noutinha.

Que engendrei: levar-lhes-ia até a residência da conhecida, todavia trataria de convidar _a bem dizer induzir_ Carla para que não entrasse na casa e ficasse comigo no portão.

Cabe agora diferir o verbo ficar em sua acepção de permanecer onde se está e do seu uso corrente no final do século XX entre os jovens urbanos brasileiros. Este ficar é um namoro sem compromisso, pudico ou menos pudico _não abrangendo o ato sexual, durante um curto espaço de tempo. Às vezes, por uma noite.

Foi por meia-hora. E agora me é forçoso fazer uma confissão: eu não trajava roupas íntimas na ocasião. Algo no fluxo da lavagem de roupa desconcertou-se naquela semana, de modo que eu só tinha cuecas samba-canção para usar, e esse modelo é de um desconforto brutal com altas temperaturas, o que era o caso.

Tinha Carla então uma prova inconteste dos meus sentimentos para com ela. Meu gesto natural foi envergonhar-me da situação, porém ela fez não objeção alguma à proximidade e fricção de nossos quadris e bacias em pleno passeio público, à mostra para as gentes.

Findou-se o encontro quando aproximava-se a chegada do senhor pai de Carla, quando fui então aconselhado por ela a partir. Demo-nos um ardoroso primeiro beijo de despedida e eu avancei pela rua em direção à Assis Brasil, onde tomaria condução para casa.

Fossem outros dias como aquele! Alegres e tranquilos, sem compromisso e de plena atividade táctil. E até o foram. Se recordam da abertura do texto, Carla inseria-se entre meus passatempos favoritos.

Calhou então dela querer me contar seus problemas, sobre os quais eu não tinha mínimo interesse, o que fez com que eu passasse a ser um dos problemas dela, descambando em uma triste tarde em que brigamos. Não nos voltamos a ver.

Nos anos vindouros, um tanto das vezes em que passei pela esquina da avenida Cristóvão Colombo com a Marechal José Inácio da Silva, pensei nela. Sucede, lacrimosa leitora, incrédulo leitor, que dali vê-se o panorama da IAPI, e se avista sua morada. Eu por vezes tive o anseio de passar lá, prestar uma visita. "Dar um oi", como dizía-mos os jovens. Nunca o fiz. E tal me emurchece.

Tenho para essas horas um acalanto em forma de poema. (Sei que falo à platéia suficientemente arguta, logo não se faz necessário explicar que horas são essas.) São versos preciosos, de um poeta italiano radicado entre nós há muito tempo, o Desembargador Lorenzi. Há quem o considere um tanto rude, mas não há quem lhe negue a veracidade. Transcrevo o soneto do bardo:

"Soneto do Amor-Gangorra

A cada gota de porra,
que espalho por aí,
a mimetizar Gomorra,
um pouco de mim perdi.

E pra onde quer que eu corra,
cada ventre em que meti
vai fazendo com que eu morra,
pois me sugam lá e aqui.

Seja ela uma cachorra
ou "a tal pra quem nasci",
leva-te um naco, por zorra.

Leva-lhe um naco pra ti!
Ou funciona qual gangorra,
ou se acaba na UTI."

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