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    DANIEL GALERA
daniel.galera@terra.com.br

Burguesinho voa catorze andares e acopla no chão

Terça, 09 de abril de 2002, 19h31



Tiago culpou o chão imundo do vestiário da academia pelos fungos que proliferavam com vigor entre os dedos de seus pés. Campeão de natação desde os catorze anos, treinava seis dias por semana, às vezes duas vezes por dia, e a umidade constante sempre resultara em algumas frieiras, mas agora a coisa estava ficando crítica. As lesões estavam rachando, deixando o pé fedorendo e dolorido. Pela primeira vez desde que tomara pontos no queixo depois de cair da moto de um amigo, foi a um médico. O exame micológico confirmou a presença do fungo, mas o dermatologista encontrou também sinais de desidrose, pequenas bolhas cheias de líquido que se alastravam pela palma dos pés e das mãos. Pegou a receita e comprou na farmácia dois tipos de comprimidos e duas diferentes pomadas, que preciva aplicar três vezes por dia. Na semana seguinte, um dos seus dentes do siso, dos quais se orgulhava por terem nascido tranqüilamente, sem acavalar os dentes da frente, começou a doer bastante, tanto que foi logo ao dentista. Havia uma cárie profunda, quase chegando no nervo, mas uma boa obturação resolveu. Teve que faltar dois turnos do trabalho durante a semana para resolver esses probleminhas, e por isso precisou recuperar serviço no sábado. Estava puto da cara, não tinha nada pra fazer na empresa durante o sábado, então ficou apenas navegando na internet. O calor estava horrível e o ar condicionado era desligado nos fins de semana. Pra completar, começou a sentir uma dor chata nas costas, e por mais que tentasse não conseguia se ajeitar na cadeira de um modo que não fosse desconfortável. Dirigindo de volta pra casa, a dor foi aumentando, crescendo de intensidade na parte lombar. Na segunda-feira, estava insuportável, e marcou para a terça um reumatologista. Este solicitou uma radiografia de coluna. Colocaram nele um avental ridículo e bateram as chapas. Três dias depois, voltou ao reumatologista, que apontou um grade defeito na sua espinha dorsal, uma espécie de rotação no eixo da coluna, além de uma hiperlordose acentuada e uma leve hipercifose dorsal. O médico recomendou que ele praticasse natação, coisa que ele fazia quase todo dia há cerca de dez anos. Levou uma receita para tomar uma injeção de antinflamatório na farmácia, e passou a praticar duradouros alongamentos toda noite antes de dormir. Na mesma época, as bolhas da desidrose aumentaram muito de freqüência e tamanho, tornando-se muito dolorosas. Aquilo não tinha cura, e segundo o dermatologista as bolhas apareciam devido ao contato com o níquel, presente nas moedas e outros tipos de objetos metálicos. Era preciso tomar cuidado com moedas. Todos esses pequenos problemas de saúde num pequeno espaço de tempo deixaram Tiago bastante chateado. Se tinha uma coisa que ele valorizava em si mesmo era a saúde, sua força e seu talento nas piscinas. Bebia pouco, só fumava maconha, dormia bem e nunca fodia sem camisinha. Até por isso ele estranhou quando a cabeça do seu pau começou a coçar e arder, e debaixo do prepúcio ele encontrou manchas avermelhadas. Assustado, marcou um urologista para o dia seguinte. Este diagnosticou candidíase, mas pra garantir que não havia nada mais grave, solicitou um exame de peniscopia com escovamento do trato uretal. No laboratório, o médico emebebeu sua glande com ácido acético e vistoriou o caralho com a delicadeza de um pedreiro, e depois inseriu uma escovinha dura na uretra para coletar material, o que provocou uma dor realmente inesquecível para Tiago. Na saída do laboratório, ele começou a chorar, lamentando que tanta merda estivesse acontecendo com ele ao mesmo tempo. A dor na coluna era permanente, e seu rendimento nos treinos começou a cair. Um dia, Tiago teve uma caganeira. No outro dia, também. E também no outro. E depois de uma semana de caganeira de dores na barriga, ele se convenceu de que devia ir a um gastroenterologista. Este apalpou seu abdômen e pediu exame de fezes, hemograma, enema de duplo contraste e uma endoscopia digestiva. Depois de coletar merda, desmaiar após a retirada do sangue, ter o intestino preenchido com líquidos cuja liberação posterior causou uma horrenda cólica e de ter uma câmera enfiada goela adentro, o médico lhe disse que ele não tinha absolutamente nada. Não tinha gastrite, nem úlceras, nem intolerância à lactose, nem alergia a glúten, nada. Por eliminação de todas as outras possibilidade, devia tratar-se de síndrome do cólon irritável. A síndrome provocava dores e diarréia e se agravava nos períodos de stress, mas não tinha cura. Em casa, antes de dormir, Tiago teve uma crise de choro e começou a socar as paredes. No dia seguinte, o dedo médio da mão direita estava inchado. No posto de saúde, detectaram uma fratura e o enfaixaram. Desolado, Tiago pediu uma folga no serviço. Pretendia ficar em casa, administrando-se com dedicação a coleção de pomadas e comprimidos que lhe foram receitados, descansando, controlando o stress e tentando superar sua depressão. No segundo dia de repouso, começou a sentir uma dor de cabeça crescente, que de fato cresceu até tornar-se desesperadora. Avisou os pais pelo telefone, e quando apareceram no apartamento para buscá-lo, encontraram o filho dando com a cabeça contra a parede, urrando. Internaram Tiago no hospital, onde descobriram que ele estava com meningite e uma fratura na parte frontal do crânio devido aos repetitivos golpes desferidos contra o cimento. Dias depois, em uma cama de seu antigo quarto no apartamento dos pais, Tiago, com a cabeça enfaixada, tentava repousar, mas as frieiras e bolhas nos pés coçavam horrorosamente, assim como a cabeça do seu pau. Não conseguia se ajeitar na cama devido às dores na coluna, e cagava algo parecido com água. A barriga se revolvia em cólicas tremendas e o siso voltava a latejar, uma dor profunda que se propagava pelo osso da mandíbula. Tiago começou a praguejar e chorar convulsivamente, e antes que a mãe chegasse ao quarto a tempo de detê-lo, arremessou-se pela janela e deixou a gravidade atraí-lo pela distância dos catorze andares. Caiu de pé e sobreviveu, embora a maioria dos ossos das pernas estivessem esmigalhados e os fêmures houvessem penetrado pelos quadris até o abdômen. Em choque, foi levado pela ambulância ao Hospital de Pronto-Socorro. Na UTI, uma equipe de médicos o ressuscitou de nove paradas cardíacas consecutivas e, graças a Deus e para o alívio de sua família e de seus amigos, ele está vivo.

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