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"Apressar a inteligência artificial na educação perpetua a exclusão de alunos com deficiência"

Entrevista exclusiva com a educadora e pesquisadora Sambhavi Chandrashekar, a Dra. Sam, uma das maiores especialistas do mundo em acessibilidade na educação.

4 mar 2024 - 11h07
(atualizado às 15h21)
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"É fundamental reconhecer que a inclusão de pessoas com deficiência no contexto da inteligência artificial na educação não é apenas uma questão de acessibilidade técnica, mas também de equidade e justiça social", diz educadora e pesquisadora Sambhavi Chandrashekar, a Dra. Sam, uma das maiores especialistas do mundo em acessibilidade na educação.

Em entrevista exclusiva ao blog Vencer Limites, Dra. Sam fala sobre como o lançamento de soluções com base em IA "na velocidade do mercado" para a educação perpetua a exclusão de alunos com deficiência. "O processo de criação destes sistemas deve ser acessível, o que não é o caso".

Vice-presidente do Comitê Técnico de Inteligência Artificial acessível e equitativa do Canadá, co-presidente do Conselho Global de Liderança da Associação Internacional de Profissionais de Acessibilidade e membro do Conselho Consultivo do Canadá Rede de acessibilidade, a educadora destaca que um ambiente educativo verdadeiramente inclusivo e acessível é resultado da colaboração entre todos os envolvidos.

"Ao desenvolver e implementar soluções baseadas em inteligência artificial, é essencial considerar as necessidades e experiências únicas das pessoas com deficiência, garantindo que tenham igualdade de acesso às oportunidades educativas. Além disso, a colaboração entre as diferentes partes interessadas, incluindo educadores, criadores de tecnologia, defensores dos direitos das pessoas com deficiência e decisores políticos, é essencial para criar um ambiente educativo verdadeiramente inclusivo e acessível para todos", diz.

blog Vencer Limites - Por quais motivos a inteligência artificial na educação pode excluir pessoas com deficiência? Trata-se apenas de um problema de acessibilidade digital ou essa exclusão será uma evolução do cenário atual no setor que, no Brasil, ainda considera o aluno com deficiência um 'custo extra' e escolhe segregar esses estudantes? As possibilidades geradas pela inteligência artificial permaneceriam vinculadas ao pensamento capacitista na educação e restritas a quem não precisa de recursos acessíveis?

Sambhavi Chandrashekar (Dra. Sam) - A exclusão das pessoas com deficiência no Brasil a partir dos 'benefícios' da inteligência artificial (IA) na educação pode acontecer por dois motivos. Por um lado, existem problemas com a tecnologia de IA que resultam na exclusão de pessoas com deficiência. Por outro lado, a cultura no Brasil impede inerentemente que as pessoas com deficiência tenham oportunidades iguais a todas as outras pessoas. Veremos ambos. Quando se trata de tecnologia de IA, existem dois problemas para as pessoas com deficiência: acessibilidade e equidade. A acessibilidade da IA significa que as pessoas com deficiência devem ser capazes de usar ferramentas como ChatGPT e muitas outras com base em IA que estão sendo lançadas rapidamente. Devem trabalhar com as tecnologias de apoio utilizadas pelas pessoas com deficiência. Essas ferramentas não estão sendo criadas pensando na acessibilidade, mas sim na velocidade de lançamento no mercado. Como resultado, embora alguns deles tenham potencial para beneficiar pessoas com deficiência, não podem ser utilizados por elas porque não são construídos de forma acessível. Equidade significa estar incluído nos dados e nos processos de aprendizado de máquina necessários para a criação de sistemas de tomada de decisão com base em tecnologias de IA. Para que isso aconteça, o processo de criação destes sistemas deve ser acessível, o que não é o caso. Assim, os dados sobre pessoas com deficiência podem não ser incluídos nos dados que os sistemas de tomada de decisão utilizam ou no processo de aprendizagem automática que ensina os sistemas de IA. Dessa forma, do ponto de vista da equidade, as pessoas com deficiência não são incluídas quando estes sistemas de tomada de decisão com base em IA decidem quem deve conseguir um emprego ou quem deve ser admitido na faculdade. A desvantagem que as pessoas com deficiência já enfrentam só aumenta com os novos sistemas baseados em IA. As duas questões acima referidas de acessibilidade digital e equidade com IA afetam a educação da mesma forma que afetam qualquer outro setor. Além dessas desvantagens, que são significativas, ainda persiste a falta de consideração cultural dos alunos com deficiência. No Brasil, a tendência de considerar esses estudantes como um "custo extra" e segregá-los continua presente em muitos setores educacionais. A inteligência artificial, se não for aplicada com princípios inclusivos, pode perpetuar esta exclusão, limitando o acesso a recursos acessíveis apenas para aqueles que não precisam deles. É crucial que as possibilidades oferecidas pela inteligência artificial na educação sejam dissociadas do pensamento capacitista e disponibilizadas amplamente a todos os alunos, independentemente das suas necessidades específicas.

blog Vencer Limites - A inteligência artificial como aliada da educação à distância também pode ser argumento para afastar o aluno com deficiência do ambiente escolar e perpetuar o isolamento desse estudante? Haverá equilíbrio nessa dinâmica?

Sambhavi Chandrashekar (Dra. Sam) - A inteligência artificial na educação à distância é uma faca de dois gumes que apresenta desafios e oportunidades para alunos com deficiência. Existem várias vantagens que a IA pode oferecer, como descrições automatizadas de imagens para alunos cegos, legendas de vídeo automatizadas para alunos surdos e interfaces de linguagem simples para alunos com dificuldades de aprendizagem. Isso permite que os alunos adaptem o sistema de aprendizagem e personalizem os recursos para tornar o aprendizado acessível a eles. Assim, seria mais fácil para os alunos com deficiência aprenderem online do que em sala de aula, mas a desvantagem ou o risco é que essas vantagens possam ser tomadas como motivo para distanciar esses alunos do ambiente escolar tradicional, perpetuando o isolamento. É importante que o governo, as instituições educativas e os órgãos de decisão política equilibrem esta dinâmica através da criação e implementação de políticas e práticas que incentivem a inclusão e a participação ativa de todos os alunos na sala de aula. Isto garantirá que a tecnologia seja usada para ampliar, e não restringir, o acesso à educação. A educação é a base de uma vida com propósito. As pessoas com deficiência devem ter a oportunidade de viver com propósito. O Artigo 24 da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) reconhece especificamente o direito das pessoas com deficiência à educação sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades. O Brasil ratificou a CDPD. O governo deve respeitar a dignidade inerente às pessoas com deficiência, reconhecendo-as como pessoas em igualdade de condições com as outras.

blog Vencer Limites - Há no Brasil uma disputa entre diferentes conceitos para a educação inclusiva, mas não estamos nem perto de um entendimento que beneficie o aprendizado de alunos com deficiência. Um grupo defende a aplicação de toda e qualquer ferramenta, dentro ou não da sala, inclusive terapias e métodos da área médica, para apoiar o aluno. Enquanto outros especialistas e instituições são categóricos ao afirmarem que a escola e a sala de aula são espaços específicos para o trabalho de educadores, e que não podem ser "invadidos" por outras metodologias. Diante dessa briga, o avanço da inteligência artificial na educação seria apaziguador, não teria nenhuma influência ou se tornaria mais um ponto de conflito?

Sambhavi Chandrashekar (Dra. Sam) - No Brasil, a disputa entre diferentes concepções de educação inclusiva reflete a complexidade do cenário educacional. Enquanto alguns defendem a aplicação de todas as ferramentas disponíveis, outros enfatizam a importância de preservar a integridade do ambiente escolar e do trabalho dos educadores. IA é mais uma tecnologia. A forma como é tratada depende da abordagem das pessoas no poder. Se os responsáveis pelas políticas educativas e pela implementação abordarem a IA com sensibilidade e respeito pelas necessidades individuais dos alunos com deficiência, então o avanço da IA na educação pode servir como um catalisador para o diálogo e a colaboração entre diferentes abordagens. A integração da IA deve ser vista como uma oportunidade para enriquecer a experiência educativa, sem comprometer os princípios fundamentais da inclusão.

blog Vencer Limites - A desigualdade social brasileira é barreira constante à plena inclusão, não apenas na educação. Para a população com deficiência que enfrenta a baixa renda e a escassez de oportunidades, discussões sobre inteligência artificial e acessibilidade parece coisa de outros mundos, muito distante da vida cotidiana. Como é possível aproximar e entrelaçar essas realidades?

Sambhavi Chandrashekar (Dra. Sam) - A desigualdade social é, de fato, uma barreira significativa à plena inclusão, não só na educação, mas em todos os aspectos da vida. Para a população com deficiência que enfrenta desafios adicionais devido à baixa renda e à escassez de oportunidades, as discussões sobre inteligência artificial e acessibilidade podem parecer distantes da realidade cotidiana, mas existem alguns exemplos de IA utilizada para o bem social no Brasil. O Centro de Inovação CESAR está desenvolvendo um tradutor de vídeo bidirecional entre a Língua Portuguesa e a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Mais projetos como este são necessários para concretizar a visão do uso da IA para promover a inclusão social. É essencial reunir essas realidades por meio da promoção de políticas e iniciativas que abordem as disparidades sociais e econômicas de forma integrada. Isto inclui o desenvolvimento de programas de formação, o acesso equitativo às tecnologias de apoio e o reforço das redes de apoio para pessoas com deficiência, com o objetivo de criar um ambiente mais inclusivo e acessível para todos.

Sambhavi Chandrashekar é líder global de acessibilidade da D2L Corporation, campeã de acessibilidade, educadora e pesquisadora inclusiva premiada, com mais de 15 anos de experiência estratégica e operacional na implementação de projetos de acessibilidade com base em tecnologia na academia, setor sem fins lucrativos e indústria.

É vice-presidente do Comitê Técnico de Inteligência Artificial acessível e equitativa do Canadá, co-presidente do Conselho Global de Liderança da Associação Internacional de Profissionais de Acessibilidade e membro do Conselho Consultivo do Canadá Rede de acessibilidade.

Originária da Índia, ingressou no doutorado em 2005 no Canadá. É residente permanente em 2010 e cidadã desde 2020.

É professora adjunta da OCAD University e da York University, supervisionando pesquisas de pós-graduação, membro do comitê de doutorado e supervisiona atualmente estudantes de doutorado na Universidade de Calgary (Canadá) e na University College Dublin (Irlanda).

Estadão
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