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Tempos atrás, falei da dificuldade de se fazer música pop no Recife na década de 70, lembrando da verdadeira aventura que era conseguir um equipamento de som até para ensaiar, bem como da existência de apenas um estúdio de gravação de discos, o que obrigou muito artista a colocar instrumentos e sonhos na mala e partir para o Sul do país. Agora, vou abordar outro expressivo aspecto daquela turbulenta e fascinante época: os festivais, que, devido à repressão implantada pela ditadura militar, representaram um dos poucos espaços onde a juventude podia manifestar sua verdadeira forma de ser por maio de canções, atitudes e até mesmo roupas que não seguiam nem de leve o "figurino" imposto pelo regime. Alguns desses festivais chegaram a ser ousados a partir do próprio nome, como o Concerto Chaminé, que fez a rapaziada enlouquecer no pátio do Mosteiro de São Bento, em Olinda, cidade que abrigou outro marco do gênero, Os Sete Cantos do Norte, realizado na Igreja do Carmo. Outros eventos de grande porte foram o Festival de Rock de Fazenda Nova, no local onde é anualmente encenado o megaespetáculo "A Paixão de Cristo"; o Primeiro Parto da Música, no Teatro Santa Isabel; e a Homenagem a Luiz Gonzaga, no ginásio de esportes Geraldão, com a participação do homenageado e vários artistas da nova geração, participantes de um processo de reconhecimento que terminaria reconduzindo o "Rei do Baião" - durante muitos anos à margem do sucesso - ao trono da MPB. Assunto para vários artigos, devido às muitas histórias, lições e emoções que produziram, e também pelo fato de terem concorrido para projetar figuras que muito contribuíram para um novo e brilhante ciclo da música nordestina - Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Fagner, entre outros - , os festivais dos anos 70 constituem um tema que será por mim retomado em futuros textos. Nesse momento, vão servir mais como mote para a abordagem de outro rico período da música pernambucana e que, igualmente, tem sido muito pródigo na produção de grandes eventos musicais. Refiro-me, obviamente, aos anos 90, ou, mais precisamente, ao Movimento Mangue. Começo dizendo que Pernambuco, e principalmente o Recife, é a capital mundial dos festivais de música. Pode-se até dizer, de forma brincalhona, que se tempos atrás existiam cerca de 1970 festivais, hoje a quantidade deve ser em torno de 1990. Ou, quem sabe, 2000... Não seria impertinente afirmar também que existem mais festivais que igrejas evangélicas e mais "produtor" do que pastor. Aqui acontecem atualmente, considerando-se apenas os eventos de maior porte, o Abril Pro Rock, Rec-Beat, PE no Rock, Rock na Praça, Soul do Rock, Soul do Mangue, Pernambuco em Concerto, Hang Loose, Rock na Veia, Abrindo o Gás, Agosto Pra Tudo e Outubro ou Nada, além dos festivais de inverno de Garanhuns, Gravatá e Triunfo (os dois últimos vinculados ao recentemente criado "Circuito do Frio", cujo roteiro inclui três das cidades de maior altitude do Estado). Realizados ao longo do ano e em diferentes áreas de Pernambuco, esses eventos têm apresentado como uma das principais características o fato de contar quase exclusivamente com atrações locais e serem, atualmente, as únicas fontes de grana de muitas bandas. Outro dado expressivo é a crescente participação do público. Participação com P maiúsculo, tanto pelo progressivo número de pessoas que comparecem aos eventos como pela forma entusiasmada com que elas se comportam durante os shows, promovendo, muitas vezes, espetáculos à parte. Buscam, provavelmente, se saciar de algo para o qual as emissoras de rádio ainda não despertaram, que é a nossa música (já pensou como irá se dar bem a primeira emissora que nos entender e apoiar?). A terra aqui é tão propícia a festivais que o Governo do Estado, quando quer aumentar a arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS), estimula a população a exigir as notas fiscais do comércio transformando-as em verdadeiros ingressos para shows. Nessa linha estão eventos como o Viva a Nota e o Todos com a Nota, há pouco tempo realizados. A Prefeitura do Recife também tem uma longa tradição de promover festivais, produzindo atualmente o Recifrevo. Empresas privadas também exploram o filão, a exemplo da Rede Globo, de cujo currículo constam, entre outros, o Frevança e o Canta Nordeste. Certa cervejaria não faz por menos e criou a etapa local do Skol Rock. Demonstração ampla e diversificada de que o estado é um grande celeiro de música, esses festivais têm sido também o principal canal de divulgação da nova cena musical pernambucana. Foi através desse tipo de evento que revelamos - e ainda vamos revelar - artistas como Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S.A., Mestre Ambósio, Cascabulho, Faces do Subúrbio, Devotos, Otto, Querosene Jacaré, Eddie, Comadre Florzinha. Conseguimos mudar muita coisa. Hoje você não precisa ir ao Rio ou São Paulo para tentar arrumar uma gravadora. Elas estão aqui, olhando os festivais e contratando nossos artistas. Hoje vêm bandas do sul do país para o ABRIL PRO ROCK só para se apresentar para olheiros de gravadora, é o inverso do que acontecia.
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