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O ciclo natural e virtuoso da vida é procriar, nascer, crescer, amadurecer e morrer. Assim, mesmo nunca aceitando o dia e chegada da morte, estamos mais conformados ao fato de que alguém, após cumprir a sua jornada na terra, poder finalmente, descansar. Há uma variante trágica a esse ciclo natural, ameaçando todos nós cada vez mais próxima e frequentemente, alterando e transgredindo a lógica da vida. Por esse ciclo absurdo a pessoa nasce, cresce e morre. Não a morte pelos desígnios de Deus ou da natureza, e sim como consequência da generalização da violência . Nos estarrece saber que a segunda causa mortis do Brasil para pessoas adultas na faixa etária entre 20 e 40 anos é a violência. Nesta corrida demoníaca, Pernambuco fica em segundo lugar entre os estados brasileiros. O conhecimento desses fatos nos constrangem e ameaçam, mas de tão repetidos eles passam a fazer parte da nossa realidade cotidiana, constituindo estatísticas frias e distantes, atenuadas pelos noticiários distorcidos quanto a verdadeira importância das coisas. A principal notícia, ultimamente, é se o meninno Elian vai ou não voltar para Cuba. Logo para contabalançar tão grande "preocupação", temos a fantasia da Terra Nostra, vero, nos acalmando e entorpecendo a todos. No instante que a estatística sai da frieza dos números e se materializa numa agressão a alguém querido e próximo a nós, temos a dimensão da tragédia brasileira e o sufoco abafado de quem está impotente e se sente menor na sua insegurança e na dor das perdas. É um pesadelo aterrorizante, do qual não se sai mesmo depois de acordado. Airton Machado, jovem idealista, entusiasta da vida, músico da banda Querosene Jacaré, formando em Comunicação na UFPE, um cidadão brasileiro em pleno uso dos seus direitos, neste domingo ainda cedo (19 h.) voltava para casa com sua namorada, quando sentiu alguma coisa estranha no bolso traseiro e institivamente voltou-se para olhar. Não terminou o movimento, pois foi abatido com um tiro na cabeça, vindo do parceiro daquele que tentava lhe tirar a carteira. A humanidade fica mais pobre quando perde qualquer ser humano, mais pobre ainda quando se trata de um jovem. Se vai o filho, o amigo, o irmão e quantos outros papéis ficam sem um dono diante da vida. Ademais se tira dele o potencial de toda uma vida futura que poderia ter sido e não foi: um pai, seus filhos, os netos, uma carreira, tantos sonhos, um contra-baixo que não toca mais... Ë a interrupção da ordem natural das coisas. Um país que se permite o sacrifício gratuito dos seus filhos jovens é um país interrompido. Uma sociedade que não se organiza para exercer os seus direitos, está doente e sob permanente ameaça. Temos hoje no Brasil um composto ideal para ruína de qualquer instituição social, a miséria e a impunidade, sendo impossível priorizar qual dessas forças degenerativas, mais contribuí para o agravamento da situação de insegurança. Só uma grande cruzada nacional anti-violência, anti-impunidade, pela justiça e pela paz, tratando de imediato dos efeitos, mas indo também às causas do problema, pode nos salvar de um agravamento imprevisível da atual situação.. Não é só uma questão de governo, é uma questão do exercício do direito à cidadania. Mais importante que a volta ou não de Elian para Cuba é nosso sofrimento porque Airton não voltou. Nossa angústia e ansiedade é para que possamos ter no amanhã, outro Brasil, onde nossos filhos possam ir pegar uma fita de vídeo e ficarmos tranquilos, sabendo que eles voltarão. Mande sua mensagem de solidariedade para a família de Airton (adacarla@elogica.com.br). Leia mais sobre o crime no Diário de Pernambuco: https://www.dpnet.com.br/2000/05/03/urbana4_0.html
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