São Paulo - César Aparecido Rodrigues, lateral-esquerdo do São Caetano, vive uma situação dúbia. Não coloca limites em relação ao seu futuro, que - tem certeza - será glorioso, e pratica com obsessão a tarefa que se impôs de esquecer o passado recente.
O homem de hoje, 26 anos, destaque na lateral esquerda do São Caetano, pretendido por grandes clubes, foi o garoto que aos 20 anos atuou como cúmplice de um roubo no Juventus - clube que defendia - em maio de 1994.
Condenado a cinco anos e quatro meses de prisão, cumpre a fase final da pena na prisão-albergue de Franco da Rocha, desde 28 de abril desse ano.
Como aquelas pessoas que se recusam a dizer o nome da doença maligna que atingiu algum ente querido, tratando-a pelas iniciais, César refere-se à sua prisão como "um problema particular que tive". E pára por aí.
Não demonstra irritação com perguntas, apenas firmeza em deixar claro que do passado quer distância. "Sei que se eu falasse tudo o que passei poderia ser um exemplo, poderia animar outras pessoas a reagir, mas resolvi não tocar mais nesse assunto e vou cumprir essa meta."
Menos preocupado em defender-se, mostra empenho em dizer que está recuperado.
"O problema que tive foi porque eu me envolvi com pessoas erradas. Hoje estou recuperado e só penso no futuro. Quero jogar em um time grande, quero defender a Seleção e jogar na Europa. O resto foi só um inferno, que eu superei."
Só um inferno? - Entre uma palavra e outra que vai deixando escapar, César demonstra que a arma utilizada para superar o "problema" foi lidar com ele de frente. Sempre recusando-se a dizer as palavras roubo e prisão, não busca justificativas para minorar o erro.
A culpa foi a pouca idade? "De jeito nenhum. Quantas pessoas da mesma idade que eu tinha não fizeram nada de errado? Olha, não tem desculpa, não. O culpado pelo meu problema sou eu mesmo. Errei, paguei e não falo mais nisso."
Mas depois de um certo tempo ele fala, sim: "Eu aprendi que o ser humano tem recuperação. Sou a prova disso. A pessoa que errou como eu tem o direito de uma nova chance. Essas leis que reduzem a pena para pessoas de bom comportamento ou que estudam são muito boas, ajudam a dar esperança."
E completa agradecendo pessoas que confiaram nele, apesar do histórico:
"Ainda bem que os diretores do São Caetano me ajudaram, que os colegas de clube confiam em mim. Foi ótimo para superar tudo o que eu passei."
Fora dos planos - Esse não foi o único `problema' de César. Em fevereiro de 1994, Denise, sua namorada, de 16 anos, ficou grávida. Os dois contaram para a mãe dela, que foi designada pelo casal para dar a novidade ao pai.
"Você não tem nada a me dizer?", foi a pergunta que César ouviu no dia seguinte, feita pelo pai da moça. "Expliquei que ela estava grávida e ele foi muito compreensivo. Disse que era contra o casamento e que ajudaria a cuidar do meu filho. Nesse período ruim, tive dois pais e duas mães. Foi muito apoio para que eu superasse tudo."
César Henrique nasceu em 30 de novembro de 1994 e o casamento de seus pais foi em 1º de novembro de 1997. "As coisas estavam melhores e eu pude casar com a Denise. Dar tudo o que ela merecia, uma família. Sempre foi uma menina direita."
Depois do roubo, o Juventus não o quis mais. Só que não fez uma oferta de renovação de contrato no prazo de 90 dias. O São Caetano se interessou pelo caso e ajudou César a brigar na Justiça pelo seu passe. Enquanto a batalha jurídica não tinha definição, ele treinava sozinho no Parque do Carmo.
"Sempre achei que conseguiria dar a volta por cima. Treinava muito para não decepcionar. E a minha família ajudou muito. Nunca deixei de tomar um belo café da manhã antes de fazer as minhas corridas."
Publicidade negativa - A decisão de não falar sobre o "problema" tem muito a ver com a posição do clube. Dirigentes acreditam que muita publicidade sobre o assunto pode atrapalhar a venda do passe de César para um grande clube. Houve interesse do São Paulo e todos estranharam que o clube optasse, de repente, por Gustavo Nery.
A meta é colocá-lo no Palmeiras, junto com Claudecir, já contratado. "César é o melhor lateral do futebol brasileiro. Tem tanta facilidade em apoiar o ataque que eu preciso segurar um pouco", diz o técnico Jair Picerni.
"Depois do que passei, daquele inferno todo, quero sonhar com o futuro. Um time grande, a Seleção, a Europa, sei que posso conseguir essas coisas todas. Estou no céu e posso sonhar com tudo, não posso?"