O inevitável uso político dos últimos relatórios de bancos estrangeiros rebaixando a dívida brasileira com base no quadro eleitoral causou um "barulho" exagerado em torno de recomendações rotineiras.Morgan Stanley, Merrill Lynch e ABN Amro recomendaram nesta semana a seus clientes que reduzissem suas posições em títulos da dívida brasileira devido ao crescimento do petista Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais.
Mas os estudos não se restringiram ao quadro político, lembraram analistas ouvidos pela Reuters, e levavam em consideração dados macroeconômicos como as perspectivas de crescimento um pouco mais fraco da economia e de inflação mais alta que o esperado no início do ano.
Para o cientista político Amaury de Souza, da MCM Consultores Associados, é justamente esse cenário econômico menos otimista que está dando um certo "gás" para a conjuntura política.
"O quadro econômico desfavorável é que magnifica os resultados das pesquisas", argumenta.
Ou, como diz o analista Etevaldo Dias, da SantaFé Idéias: "O problema é que eles (os relatórios) saíram das páginas de economia para ganhar as manchetes dos jornais".
Esses relatórios não só são usuais como já foram vistos nas duas últimas eleições presidenciais, lembra David Fleischer, cientista político e professor da Universidade de Brasília.
"E em 1998 eles eram piores, porque estávamos no meio da crise asiática e da crise russa."
Mas a partir de um processo rotineiro acaba surgindo um uso político óbvio, que é o de tentar "grudar" em Lula uma perspectiva de piora da situação econômica.
"É do interesse dos adversários do Lula estigmatizarem ele com o chamado risco-Lula", disse Dias. "Isso deu muito certo em 1998, quando se dizia que em meio a uma crise internacional o Lula não teria credibilidade para gerenciar a situação."
E os analistas concordam que é natural uma certa desconfiança dos investidores com Lula, há tanto tempo na oposição e com um discurso crítico ao governo Fernando Henrique Cardoso, tão elogiado pelos mercados.
Mas não foi apenas o PT que criticou os relatórios. O próprio governo reagiu de forma contundente, dizendo que a situação da economia brasileira está boa e é prematuro fazer qualquer análise de risco de investimentos com base nas pesquisas eleitorais tanto tempo antes do pleito em outubro.
Para Etevaldo Dias, o governo está agindo assim porque, afinal, uma piora agora na avaliação do país atinge o próprio governo. "O risco-Lula é o risco-Brasil e o (presidente) Fernando Henrique Cardoso não quer acabar o governo de uma maneira melancólica."
Mas como os relatórios são de bancos, e não de países, a reação do governo deve ter poucos efeitos práticos. "Isso tudo é um pouco inócuo (...) não é uma questão diplomática de que o país possa reclamar", avalia Amaury de Souza.
Tiro pela culatra
Da parte do PT, nada mais natural do que mostrar indignação sobre os relatórios.
"O PT tem muita razão de reclamar porque isso é uma mostra do que pode acontecer em 2003 se o Lula ganhar", disse Fleischer.
Luciano Dias, da Góes Consultores, porém, tem uma avaliação um pouco diferente. Para ele, nem o governo nem o PT podem reclamar dos relatórios.
Ele argumenta que o governo contribui com a avaliação dos bancos ao apontar riscos em um eventual governo de oposição. Da mesma forma, o PT também não pode ficar atacando os bancos estrangeiros o tempo todo e reclamar quando falam mal de seu candidato.
"Os bancos estão fazendo o papel deles. O ministro da Fazenda diz que o principal candidato da oposição tem incongruências. Ele é o líder das pesquisas, então os bancos ajustam suas posições".
Já Fleischer, que sente um "certo cheiro" de tentativa de manipulação do mercado com esses relatórios, considera que eles podem no fim acabar beneficiar o próprio Lula.
"Todas essas coisas podem ter o efeito de tiro pela culatra e fortalecer o desejo do eleitor de votar no Lula para dar uma lição nos bancos", disse Fleischer, lembrando que muitos podem pensar que "se a banca internacional é contra o Lula, ele deve ter alguma coisa de bom".
De qualquer modo, o rebaixamento da dívida brasileira não foi unanimidade entre os bancos. Também nesta semana, JP Morgan, Barclays Capital, Dresdner Kleinwort Wasserstein e ING Financial Markets divulgaram estudos mantendo suas recomendações atuais sobres os títulos brasileiros.
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