Menos de uma semana depois do anúncio da decisão do governo do Chile de iniciar negociações de um acordo de livre comércio com os Estados Unidos – que o governo brasileiro interpretou como um ato de deslealdade de um país associado do Mercosul –, uma outra iniciativa chilena – a proposta do presidente Ricardo Lagos de antecipação de 2005 para 2003 do prazo para a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) – evidenciou ontem importantes diferenças entre o Brasil e a Argentina quanto ao ritmo do processo de integração hemisférica. Os representantes dos dois países em Washington deixaram claras as divergências durante um seminário preparatório à Terceira Cúpula das Américas, marcado para Québec, no Canadá, em abril do ano que vem. Ficou também evidente durante as discussões, no University Club, que as tensões que a disputa entre a Embraer e a canadense Bombardier alimentam há meses entre o Brasil e o Canadá já entram nos cálculos do governo brasileiro em relação à cúpula organizada pelo governo canadense.
Com as autoridades de Ottawa prestes a pedir autorização à Organização Mundial de Comércio (OMC) para impor pesadas sanções comerciais contra o Brasil, (depois de terem recusado as compensações oferecidas pelo País para resolver o processo por prática de subsídios nas exportações de aviões da Embraer, ganho pelo Canadá, e exigido do País, segundo autoridades brasileiras, compromissos que superam a decisão da OMC), o embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa, denunciou como “uma contradição para o exercício da integração hemisférica que possa haver relatiações comerciais entre países da região”.
As divergências mais importantes, porém, foram as que a proposta chilena de aceleração da Alca revelou entre os dois principais sócios do Mercosul. Barbosa disse que, embora o governo ainda não tenha se pronunciado oficialmente sobre a iniciativa chilena, considera “muito difícil que o Brasil aceite uma antecipação” do cronograma. Em sua breve apresentação, o embaixador jogou um balde de água fria na reunião, na qual vários oradores tinham enfatizado a importância de os países de se rededicarem aos vários aspectos do projeto de integração iniciado na Cúpula de Miami, em dezembro de 1994, que deu origem à Alca.
Barbosa disse que as negociações de uma nova Rodada na Organização Mundial de Comércio (OMC) e do Mercosul têm prioridade para o Brasil sobre a Alca “Para ter credibilidade, a nossa abordagem em relação à integração comercial precisa ser realista”, disse ele. “Às vezes hesito em dizer essas coisas, porque quando o Brasil introduz realismo e pragmatismo nessas discussões, somos acusados de ser o País relutante, o que não é o caso”, afirmou. “Mas temos que ser realistas porque os 34 países do hemisfério não tem todos as mesmas prioridades e os mesmos interesses”.
Seu colega da Argentina, Guillermo Enrique Gonzalez, que falou em seguida, indicou, no entanto, que uma aceleração da Alca pode ser do interesse da Argentina. Gonzalez disse que “embora 2005 seja uma data ambiciosa” para a conclusão das negociações, “há bons argumentos” para justificar um esforço para se tentar chegar a um entendimento “o quanto antes, em 2003, em 2004 ou em 2005”. Mas “a data importante na qual temos que nos concentrar é abril de 2001”, disse, referindo à Cúpula de Quebec. O importante, sublinhou Gonzalez, é o grau de compromisso de cada país com o projeto de integração hemisférica. “Esta avançará na medida em que todos os países tomem as decisões necessárias ao acordo”, disse, numa cobrança velada de uma posição ao Brasil.