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Ruy Carlos Tone: quem é o empresário que criou uma referência do turismo sustentável na Amazônia
Empreendedor conta que viajar não é apenas conhecer a Amazônia, mas entender a importância de preservá-la
Longe é um lugar que não existe. A frase eternizada pelo escritor norte-americano Richard Bach cabe como uma luva para explicar a trajetória de Ruy Carlos Tone, empresário que virou referência no setor de turismo sustentável na Amazônia.
Há cerca de 30 anos, ainda na adolescência, Tone e outros dois amigos da faculdade de Engenharia decidiram visitar o ponto mais austral das Américas, o Ushuaia, região do extremo sul da Argentina. Na época, era um destino pouco conhecido e praticamente inexplorado pelas operadoras de turismo. O percurso foi quase todo feito de carona, com pausa para acampamento em alguns pontos. “Aquela viagem criou para mim um universo de relações com o mundo que me deixou extasiado”, relembra. “Essa coisa de saber que dava para chegar nos lugares que as pessoas diziam que era difícil demais criou em mim todo esse efeito de querer mais e mais nessa relação com o mundo”.
A sensação tem guiado seus passos desde então. Para responder aos questionamentos da família, que via em Tone o sucessor natural da empresa de engenharia fundada pelo pai, ele decidiu unir o útil ao agradável. Enquanto tocava os negócios na capital paulista, criou também uma empresa de viagens, a Mundus Travel. “Virou o meu alvará”, brinca. “Essa empresa basicamente sempre atendeu os meus desejos de conhecer o mundo”.
Seu roteiro pessoal passou a incluir locais como Índia, Tibete, Nepal e boa parte da África. Chegou a escalar o monte Kilimanjaro, na Tanzânia, o ponto mais alto do continente africano, mesmo sem ser alpinista. Naqueles idos de final dos anos 1990, começo dos anos 2000, o turismo dedicado à visitação de destinos fora das rotas mais tradicionais ainda era um território a ser desbravado. A empreitada serviu como laboratório e Tone ficou impressionado especialmente com projetos que tinham também um viés social.
“Se o turismo vira apenas de massa, gera muita renda inicialmente, mas também deprecia o destino original. O que atraía as pessoas acaba perdendo o sentido.”
“A África é muito conhecida por ter projetos de baixo impacto com um nível de associação muito grande com as comunidades ou com algum projeto social ou ambiental, protegendo determinada espécie, determinada região, e vinculado a um projeto de visitação”, conta.
Depois de conhecer um hotel entre Moçambique e Malauí nascido de um projeto social para reassentamento de refugiados da Guerra Civil da região, Tone passou a alimentar a ideia de fazer algo parecido no Brasil. Lembrou do mochilão que havia feito pela Amazônia alguns anos antes, das belezas naturais que conheceu ali, e não teve dúvidas.
Navegando a Amazônia
Ruy Tone é um dos sócios do hotel Mirante do Gavião, localizado em Novo Airão, considerado um paraíso ecológico do Amazonas. O espaço, projetado sob o conceito de ser um barco em terra firme e que combina itens de luxo com um cenário rústico, atrai o público do eixo Rio-São Paulo e também visitantes estrangeiros, a maioria vinda da Europa. De lá, muitos deles aventuram-se pelo Rio Negro, navegando a região do arquipélago de Anavilhanas em embarcações com toda a estrutura necessária para até 16 pessoas em expedições que podem durar uma semana.
“Comecei extremamente pequeno. A gente tinha uma expedição por semestre, então eram quase só os amigos que iam. Eu nunca imaginei ter esse fluxo de gente com poder econômico de poder viajar o mundo inteiro, mas querendo visitar e conhecer a região”, celebra.
Apresentar os encantos da Amazônia ao mundo nunca foi a motivação principal de Tone. Seu objetivo era, e continua sendo até hoje, a possibilidade de causar uma transformação real na vida de quem mora ali. Tanto é que seus primeiros sócios foram o comandante e os guias que estiveram com ele na primeira viagem pela região. “100% do pessoal que trabalha no hotel é natural dali”, revela. “Optamos por qualificar as pessoas locais para não ter que importar muita gente. Isso é um orgulho. Chegamos à conclusão de que, para criar de verdade essa alma local, não era necessário trazer os profissionais do Sul. Acabou funcionando.”
“A gente foi crescendo organicamente com a cidade, criando esse tipo de turismo, de tal forma que hoje a cidade pode ser que venha realmente a viver só de turismo e que seja o grande polo de turismo amazônico ali no estado.”
O empresário também é responsável pela Fundação Almerinda Malaquias, iniciativa que atende por volta de 200 crianças e adolescentes de Novo Airão. São oferecidas oficinas de agricultura orgânica, além de aulas de diversidade cultural, história, geografia e educação ambiental. “Uma das coisas importantes é entender esse ciclo econômico: é possível manter a floresta de pé e gerar algum tipo de atividade para a qual é fundamental que essa floresta seja preservada. E o ecoturismo é um bom exemplo.”
Nos últimos anos, o ímpeto de desbravador ecologicamente consciente tem batido de frente com uma certa tristeza, ao presenciar em primeira mão os efeitos da emergência climática, incluindo as secas históricas dos rios amazônicos.
“É possível manter a floresta e gerar um tipo de lazer em que a preservação seja imprescindível”
Ao longo das duas últimas décadas, desde que começou a trabalhar na região, lamenta ter visto a deterioração da vegetação local e o desaparecimento de animais como a tartaruga. Para alguém que se acostumou a atravessar limites que muitos consideravam inalcançáveis, conscientizar cada vez mais gente sobre a necessidade de conviver com a natureza de forma integrada talvez seja a fronteira definitiva.
3 LIVROS PARA ENTENDER A AMAZÔNIA
ARRABALDE, de João Moreira Salles
“Um compilado de histórias interessantíssimas da formação da civilização amazônica moderna brasileira.”
A QUEDA DO CÉU, de Davi Kopenawa e Bruce Albert
“O melhor livro com a visão da cosmologia indígena brasileira. É essencial para quem quer penetrar na floresta.”
BANZEIRO ÒKÒTÓ, de Eliane Brum
“Esse livro bate forte em quem quer entender a Amazônia.”