Compreende-se a decepção de Taís Araújo, mas autora acerta ao tirar tudo de Raquel em ‘Vale Tudo’
Personagem tem seu arco dramático ampliado ao voltar a vender sanduíche na praia
Taís Araújo reforça autonomia artística e representatividade racial ao fazer críticas ao roteiro de ‘Vale Tudo’ em entrevista ao site da ‘Quem’, pertencente ao Grupo Globo.
Ela manifestou “susto” ao saber que sua personagem, Raquel, ficaria sem a empresa Paladar após manobra de Odete Roitman (Debora Bloch) e voltaria a ser vendedora de sanduíche na praia.
“Porque não era a trama original. Então, para mim, a Raquel ia numa curva ascendente”, argumentou.
Um ponto relevante: na ‘Vale Tudo’ de 1988, Raquel perdeu espaço e simpatia popular ao longo da trama. O autor Gilberto Braga disse em sua biografia que Regina Duarte teria se arrependido de aceitar o papel.
Ao criar a trama do retorno à pobreza e, na sequência, a nova volta por cima, a autora Manuela Dias dá mais oxigênio à protagonista e à novela que caminha para a reta final.
Brancas ou pretas, empreendedoras brasileiras sofrem
"Quando peguei a Raquel para fazer, falei: 'Cara, a narrativa dessa mulher é a cara do Brasil. E ela vai ter uma ascensão social a partir do trabalho. Vai ser linda e ela vai ascender e ela vai permanecer'”, afirmou Taís Araújo na matéria.
“Como mulher negra, como artista negra, de ver uma outra narrativa sobre mulheres negras.”
Compreende-se a atriz se declarar “triste e frustrada” com o rumo de Raquel, mas o golpe e o empobrecimento da personagem são críveis, acontecem na vida real com milhares de brasileiras empreendedoras, pretas e brancas. É um retrato importante de um problema social.
Nos últimos tempos, Raquel se tornou uma burocrata, com muitas cenas no escritório, sem parte do brilho inicial. Nada de errado em mostrar uma negra na posição de executiva, porém, a personagem ficou com ação limitada no roteiro.
Dramaturgicamente, a derrotada funciona para tirá-la da monotonia, reafirmar sua capacidade de se reerguer — característica que orgulha o brasileiro em geral — e reaquecer a torcida do público por ela.
Trauma reavivado
O desapontamento de Taís Araújo talvez seja consequência da cruel rejeição experimentada com a Helena de ‘Viver a Vida’, de 2009.
Modelo, a personagem já começou a novela sendo rica e famosa. “Não teve de arrastar correntes”, como a própria atriz comentou. O público estranhou uma negra tão bem-sucedida sem histórico visível de sofrimento e superação.
Agora, a atriz queria ver a Raquel em curva ascendente, cada vez mais endinheirada e influente, e validada pelos telespectadores. Seria a normalização do empoderamento negro no horário nobre da Globo.
Compreensivelmente, está decepcionada com a reviravolta que derrubou Raquel ao ponto zero. Mas, na prática, Taís e sua personagem em ‘Vale Tudo’ continuam a dar grandiosa contribuição para elevar a autoestima da população preta e combater a visão racista de parte do público.
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