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Justice, ícone da música eletrônica, sobrevive às próprias rugas: 'As boates são para jovens'

Já quarentões, integrantes da dupla francesa relembram o retorno triunfal no Coachella com novo álbum enquanto refletem sobre a existência, o envelhecimento e a busca por novidades

14 mai 2024 - 22h10
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Um disco de música eletrônica para se ouvir no carro, sugere Xavier de Rosnay, metade do Justice, duo de música eletrônica criado no início dos anos 2000, a respeito do novo álbum, Hyperdrama, lançado no fim de abril.

A outra metade da dupla, o tímido Gaspard Augé, propõe algo ainda mais extravagante e nada excitante para uma juventude entorpecida por hormônios: ouvir o quarto álbum de estúdio da dupla com o corpo deitado em um tapete, no chão da sala - se houver um tapete na sua sala, obviamente, caso contrário, ele sugere o chão ou um sofá, o que importa é a horizontalidade do corpo e, suponho, uma distância da cama, afinal o propósito não é dormir.

Talvez seja um reflexo do tempo. O Justice, icônico no início do milênio, alcançou rápida aclamação da música pop, quando despontou na primeira metade da década passada, entre 2004 e 2005, ao assinar remixes de artistas como a popular Britney Spears (no álbum B in the Mix: The Remixes), os clássicos Pet Shop Boys (em Back to Mine), o indie Cup Copy (em Fabriclive.29) e até de outros nomes da música eletrônica, como Steve Aoki (Pillowface and His Airplane Chronicles) e Daft Punk (em Human After All (Remixes)).

Depois disso, e com o sucesso da música D.A.N.C.E., popular tanto nas pistas de dança quanto nas academias de ginástica mundo afora, o Justice se estabeleceu como uma das potências da música eletrônica orgânica, viva, que dialoga com antigo, da música tocada com as mãos, e com o futuro robótico dos botões mágicos.

Enquanto a música eletrônica tradicional se fechava em suas sub-caixinhas, Gaspard Augé e Xavier de Rosnay eram dois designers gráficos interessados em fugir justamente de qualquer padrão ou rótulo. E isso era cool demais.

O Justice misturava rock progressivo (transformados em harmonias de sintetizadores, por exemplo), metal ou new wave, ao mesmo tempo em que usava os graves do baixo do funk e da disco music para trazer suingue para o jogo.

Ao longo destas quase duas décadas, o grupo lançou três discos de inéditas até aqui - Cross (2007), Audio, Video, Disco (2011) e Woman (2016). Há um longo período sem trabalhos em estúdio. O que se explica, dizem eles, é uma necessidade de encontrar um som que aponte para algo inédito, novo. E isso demanda horas e mais horas no estúdio.

Hyperdrama, por exemplo, começou a ser feito em 2020, pouco antes do início da pandemia de covid-19. E só foi finalizado em 2024. No período de oito anos entre Women e Hyperdrama, eles "viveam a vida", brincam eles, enquanto também capitaneavam outros projetos menores, como o álbum solo Escapades, de Gaspard Augé.

"Não é que ficamos distantes neste período", apronta-se a explicar Xavier, "estamos conectados o tempo todo. Somos vizinhos em Paris." Um ano após o fim da turnê de Women, eles perceberam ter ideias suficientes para a criação de Hyperdrama.

Dramático, claro, como bons latinos

Este é um caso de álbum cujo título realmente faz você esperar o conteúdo dentro dele. Espere por algo exagerado e hiperbólico. "A França também é um país latino e compartilhamos um tipo de gosto por coisas exageradas. Começamos a trabalhar com o melodrama, e depois fomos aumentando isso. Todos os aspectos da narrativa deste disco são exagerados", justifica Xavier. "O 'hyper' do título foi escolhido trazer uma ideia de algo computadorizado."

"Esse álbum comprime a nossa vontade de fazer música surpreendente, dramática, excessivamente eufórica, excessivamente triste, excessivamente agressiva, onde as coisas simplesmente surgem e vão embora de maneira surpreendente."

Hyperdrama tem início com a participação mais esperada do álbum, Kevin Parker, o criador do Tame Impala, banda de psicodelia australiana hoje um nome no topo de pôsteres da programação dos festivais mais cool do mundo afora. Parker é um fã de longa data de música pop (inclusive, trabalhou no último disco de Dua Lipa) e viu o Justice se moldar em torno dele para Neverender, a música de abertura.

A partir da primeira música, será difícil distinguir cada uma das faixas. E essa é a intenção, mesmo. "Queríamos fazer um disco puramente fantasioso, quase como se fosse um sonho alucinógeno em um fluxo contínuo de emoções", conta Xavier.

No álbum, também se encontram participações de Thundercat (na música The End), RIMON (em Afterimage) e Miguel (em Saturnine).

As estrelas, mesmo, sobretudo, são os próprios Gaspard Augé e Xavier de Rosnay. Hyperdrama não é revolucionário como foram outros trabalhos do Justice, principalmente Cross, quando lançado, mas reverbera com o frescor de um hálito de menta. No novo trabalho, o baixo marcado do R&B de outrora é substituído por uma psicodelia de momentos em repetição, hipnotizadores, e outros detalhes barrocos incluídos em cada faixa.

Tempo, tão irracional quanto cruel e imparável

Aos 44 anos (Gaspard Augé) e 41 (Xavier de Rosnay), eles vivem uma nova fase. "Estamos em um ponto de virada", avalia Xavier. "Temos 20 anos de grupo. Somos vintage!" Existe, aqui, uma irracionalidade do tempo: o Justice se enxerga como vintage, antigo, ao mesmo tempo que não se permite ser ligado demais ao passado.

"A ideia é que a gente proponha um som que soe sempre novo e excitante, em vez de buscar a tendência do momento", diz Xavier, ao citar Rumble (música do produtor Skrillex ao lado de Fred again…), como exemplo de uma boa novidade.

"Propor algo novo explica porque a perdemos parte do nosso público a cada álbum: porque fazemos algo que não era o que estavam esperando", reflete o músico. "E também, a cada novo disco, chega uma turma nova. Nossa expectativa é que o público antigo se mantenha."

Faz sentido, portanto, o Justice ter estreado o álbum no Coachella, cuja idade média é de 20 e poucos anos, tal qual como fizeram com Cross, o álbum de estreia, quando lançado no festival da Califórnia.

A apresentação, elogiadíssima, mostrava os dois artistas em pé no palco, cada um virado de costas para a outra metade, com certamente mais de uma tonelada de equipamento de luz ao redor deles. "Operamos tudo que tem o no palco", revela Xavier. "Não podíamos nem nos comunicar um com o outro no palco, então isso foi estressante."

Tocar diante de um público mais jovem que a existência da banda não é um problema, eles garantem, mesmo que não se identifiquem com a juventude dessa geração.

"Nunca fomos muito de festas e baladas. Isso não quer dizer que eu não já tenha bebido em uma boate, suando com todos, mas para mim, tocar em uma festa é o que me faz curtir o ambiente. Mas cada vez menos tocamos em festas assim", explica Xavier.

Ele segue: "Estamos bastante afastados da cena em torno das boates e baladas", explica, antes mesmo de se interromper: "O que agora faz sentido, se pensarmos bem, porque a cena é feita por pessoas jovens. É lá que as novas músicas e novos hits são inventados".

Mesmo com fãs nascidos nos anos 2000, o Justice agora é um grupo quarentão. Não à toa, Hyperdrama foi concebido para ser ouvido em uma viagem de carro ou deitado no chão da sala de estar de casa. Em vez de viver dentro do sonho de Peter Pan da juventude eterna, Gaspard Augé e Xavier de Rosnay optam deixar o tempo passar ligeiro, do jeito que quiser. "Não tenho ideia do que é a tendência da música no momento", diz Xavier. "Somos atraídos, sempre, pelo que está fora de moda."

Dupla francesa Justice lança álbum Hyperdrama depois de oito anos
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Foto: Julia & Vincent / Divulgação / Estadão
Justice, formado por Gaspard Augé (esq.) e Xavier de Rosnay, lança novo álbum
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Foto: Julia & Vincent / Divulgação / Estadão
Estadão
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