Fama não tira a trans Chelsea do perigo das ruas de SP: “Sonho sair desse lugar”
Youtuber compartilha desabafos, cantorias e a rotina como garota de programa
Madrugada de domingo, 17 de agosto. Numa rua pouco iluminada da Barra Funda, bairro da zona oeste de São Paulo, Chelsea faz uma live no YouTube com o título ‘No frio da noite paulista em busca de um sonho’ enquanto aguarda clientes.
Tentando se desvencilhar de mosquitos, ela afirma que alguns homens param o carro e oferecem apenas R$ 30 por um programa. “É muita humilhação.”
Outra gp, bem mais jovem, a aborda. “Isso aqui não é pra você”, diz a moça. Com quase 52 anos, Chelsea ri. Ela está famosa na internet, já deu entrevistas a podcasts conhecidos e se cantou no Cabaret da Cecília e na Banca Stardust, mas ainda depende da prostituição na rua para sobreviver.
“Sonho sair desse lugar”, afirma às dezenas de pessoas que acompanham a transmissão.
“O que me salva de não me corromper, de não cair nas drogas, é a cultura, são as leituras que fiz, ter absorvido a música, apesar de ter frequentado só até a 6ª série.”
Canto da tristeza
Chelsea viralizou em redes sociais com vídeos em que cantava músicas da MPB enquanto ‘fazia ponto’ no centro de SP.
Em alguns vídeos, ela chorava ao relatar a contrariedade por precisar se prostituir, os traumas de infância, as adversidades do envelhecimento e o medo de não realizar sonhos.
Ela fez da tela um diário terapêutico para tentar expurgar suas dores. O número de fãs cresce a cada dia. Já são quase 300 mil seguidores entre YouTube, Instagram e TikTok.
De Anápolis a Turim
Nascida no interior de Goiás, Chelsea desembarcou na Itália — destino preferido das transexuais brasileiras que vivem da prostituição — quando tinha mais de 30 anos.
A última temporada se encerrou no começo de 2025. Em alguns vídeos, contou a dificuldade cada vez maior do ‘job’ na Europa. Antes, atendia vários clientes por dia com cachê em torno de 100 euros (R$ 640). Agora, a maioria quer pagar menos de 40 euros (R$ 250).
Nas melhores épocas, ela conseguiu juntar o suficiente para comprar um apartamento em Goiás e ajudar a família. “Mas continuo uma puta de rua”, lamentou na live. Nessas transmissões, alguns admiradores enviam pix de R$ 2 a R$ 10 para ajudá-la.
Voz pela liberdade
Em maio, Chelsea se apresentou no bar paulistano House of Legends. Cantou ‘Balada de Gisberta’, gravada por Maria Bethânia (veja abaixo.)
A canção foi inspirada na história de Gisberta Salce, transexual brasileira brutalmente assassinada por adolescentes em Portugal. O crime ocorrido em 2006 se tornou um símbolo da luta contra a transfobia.
A letra serve também para a biografia de Chelsea e de tantas outras mulheres trans. “Perdi-me do nome / Hoje podes chamar-me de tua / Dancei em palácios / Hoje, danço na rua / Vesti-me de sonhos / Hoje, visto as bermas da estrada / De que serve voltar / Quando se volta pro nada?”
Um dos sonhos de Chelsea é se apresentar no Blue Note, clube de jazz na Avenida Paulista frequentado pela elite. De preferência, ao lado de uma artista que admira, Catto.
Enquanto a realidade não muda, ela continua a ganhar a vida nas noites da metrópole, onde o prazer e o perigo andam de mãos dadas.