Atriz sentiu na pele o descarte da mulher a partir dos 50 anos mostrado em filme
Na ficção aplaudida em Cannes, Demi Moore vive situação comum a famosas e anônimas submetidas à ditadura estética e ao etarismo
Mulher velha não serve mais para a televisão. Em resumo, é isso o que pensa a maioria dos executivos de grandes emissoras. Homens maduros são vistos como charmosos. Podem exibir cabelos grisalhos, rugas, barriga proeminente.
Já as mulheres midiáticas passam a ser cruelmente monitoradas a partir dos primeiros sinais do avanço do tempo. São estimuladas, ou melhor, induzidas a disfarçar o processo natural de envelhecimento. Passam a ser reféns de tintura, maquiagem pesada, preenchimentos e até cirurgias plásticas.
Essa realidade asfixiante é mostrada em ’The Substance’, filme da diretora e roteirista francesa Coralie Fargeat. Ela, aos 48 anos, já deve sentir na pele a opressão contra a mulher que deixa de exalar o frescor juvenil louvado pela sociedade.
O longa categorizado comédia de horror se tornou um dos favoritos à Palma de Ouro no Festival de Cannes. Demi Moore, de 61, vive Elisabeth, uma artista demitida da TV por “estar velha” para o vídeo.
De repente, aquela mulher admirada por tantos anos como referência de beleza e símbolo sexual perde utilidade. Angustiada, ela aceita aderir a um método para ficar “mais jovem, mais bonita, perfeita”.
Baseada em interferência nas células, a tal “substância” do título promove uma mudança radical na vida da celebridade: Elisabeth passa a dividir o corpo com uma versão jovem de si mesma.
Uma trama surreal, porém, certeira e necessária em tempos de overdoses de Botox, Ozempic e outros ‘milagres’ usados para emagrecer, esticar a pele e demais arranjos rejuvenescedores.
A própria Demi Moore é prova viva dessa distorção. Figurava entre as maiores estrelas de Hollywood quando tinha entre 28 e 35 anos. Fez ‘Ghost’, ‘Questão de Honra’, ‘Proposta Indecente’, ‘Assédio Sexual’.
Ao entrar nos 40, os convites interessantes sumiram. Talvez por isso, a estrela chegou a exagerar nas intervenções no rosto. Depois, felizmente, recuperou o bom senso. Hoje, é exemplo de uso harmonioso da cosmética para envelhecer bem.
Na televisão brasileira, os bons papéis passam a rarear quando a artista entra na quarta ou quinta década de vida. Poucas são protagonistas nesta faixa. A próxima novela das 21h da Globo, ‘Mania de Você’, por exemplo, escalou atrizes de 25 e 32 anos para os papéis principais. Houve reação negativa nas redes sociais.
Apesar da discussão sobre o tema e do combate à ditadura estética, mulheres famosas e anônimas mais velhas continuam a sofrer discriminação explícita ou velada em todas as áreas, incluindo a teledramaturgia, o mercado convencional de trabalho e os aplicativos de relacionamento. Infelizmente, ainda não há remédio mágico para nos curar do etarismo.