No dia 20 de agosto de 2009, eu e um bando de jornalistas fomos convidados para acompanhar a última semana de filmagens do remake de Fúria de Titãs (Clash of the Titans), um projeto da Warner Bros. ainda desconhecido pelo grande público, que estava à sombra de outra superprodução que seu protagonista, Sam Worthington, fazia parte, Avatar, de James Cameron - provavelmente o filme mais arriscado que Hollywood produziu desde Cleópatra.
Curiosamente, a mesma visita foi realizada no Avatar Day, quando o primeiro trailer do longa foi exibido para todo o mundo nas salas IMAX de cinema. Era, portanto, a oportunidade perfeita para jornalistas sedentos de informação que queriam saber mais sobre Cameron e seus arriscados seres azuis do que um bando de homenzarrões vestindo saias de grego, uma coisa já repetida à exaustão no cinema.
Mas ao chegar nos estúdios Shepperton, nos arredores de Londres, o foco das coisas mudou repentinamente. Estávamos diante de um projeto grandioso, inúmeros cenários, robôs e uma equipe que ultrapassava, facilmente, 300 pessoas. Logo que chegamos – eu era o único brasileiro numa turma formada por europeus, em sua maior parte – fomos levados a um trailer, onde acompanhamos uma espécie de vídeo de demonstração das seis primeiras semanas de filmagem. Nada que pudesse empolgar muito, já que as terríveis criaturas que aparecem no longa estavam ainda no processo de transformação da computação gráfica. De qualquer forma, dava pra ver que o filme não seria um simples lançamento do verão americano, mas "O" lançamento de verão americano representado pela Warner.
A primeira parada da van foi no Departamento de Artes, onde ficava também o estacionamento. Na chegada, vimos os carrões de Louis Leterrier e dos outros astros do elenco estacionados, com seus nomes devidamente marcados em cada vaga. Ao subir quatro lances de escada, entramos no prédio, cujas paredes estavam completamente decoradas de ilustrações. No caso de Fúria de Titãs, todos os cenários construídos foram diretamente inspirados em lugares reais.
Curiosamente, todas essas ilustrações seguiam uma cronologia. Era como se eu já tivesse assistindo ao filme em imagens. A sensação aumentou mais ainda quando entramos na sala onde ficavam as maquetes da pré-produção. Para quem não sabe, todo o projeto conceitual de um filme grandioso como esse é feito pelos diretores de arte, que antes reproduzem os cenários com pedrinhas e palitos de dente – bem amadoramente. Tais cenários ou serão construídos ou ganharão o famoso tratamento digital para que eles existam. Tudo, porém, é feito em grandes etapas.
Já empolgados com o que estávamos vendo, visitamos os principais cenários do longa. Ali, rodeado de um enorme fundo verde, estava a balsa que cruza o rio Estige – um barco gigantesco, literalmente, que carrega as almas condenadas até o submundo. Mas tal visita foi rápida, já que o diretor Louis Leterrier logo chegaria com seu bando para rodar umas tomadas por ali.
Limpando o espaço, fomos levados até o departamento de objetos e armas, onde conversamos com o supervisor, Nick Komornicki. À primeira impressão, armas como a espada de Zeus e o arco de Medusa pareciam absolutamente pesadas. Estávamos enganados: eram mais leves do que similares de brinquedo. Komornicki explica: "tudo o que usamos em Fúria de Titãs foi inspirado em registros históricos. Fomos a museus para fotografar réplicas e conseguimos algumas originais, que depois da produção foram devolvidas aos seus donos". Uma dessas espadas, banhada a ouro, estava lá, disponível. Essa sim, era tão pesada que precisei das duas mãos para segurá-la – daí a fama dos gregos e romanos de terem tão boa forma numa época em que o culto ao corpo era praticamente inexistente.
Do lado do departamento de armas, fica o departamento de figurinos, onde uma equipe de mais de 50 pessoas trabalharam dias e noites para produzir cerca de três mil peças, que seriam usadas por 285 atores. Eram araras e araras espalhadas por um galpão que parecia não terminar no horizonte. Como vemos nas telas, as roupas são perfeitas: costuradas e criadas para serem o mais realista possível. Uma curiosidade: a roupa mais barata da produção foi concebida com apenas US$ 3. Era usada por alguns dos figurantes e constituída por panos sujos da cor branca – daqueles que a gente usa para limpar o chão. A mais grandiosa, sem dúvida, era a de Zeus, que custou cerca de US$ 25 mil. Uma armadura estilizada na cor dourada que cobria todo o seu corpo, acoplada a uma capa enorme, acinzentada. Por garantia, a figurinista responsável, Lindy Hemming, teve que fazer três réplicas da roupa. Mas para onde vão esses figurinos, depois que eles ficam prontos? Não, não são jogados fora. Passam para outras produções do estúdio. Parte das peças usadas aqui foram reaproveitadas de outro filme da Warner, Troia, lançado em 2004. Esses figurinos ficam ali, guardados, até que um novo diretor precise deles. Uma boa forma de aproveitar o dinheiro e guardar o longa ao orçamento desejado.
O departamento mais incrível, no entanto, é o de efeitos. Não ficamos muito tempo ali, mas no caminho para esse, vimos um robô feito especialmente para o filme. Com um rosto fantasmagórico, o controle remoto do bicho estava sendo testado. Resultado? Muitos jornalistas pularam de susto quando viram a criatura movendo seus olhos e dedos assustadoramente diante de nossos olhos.
Por fim, antes de acompanharmos a filmagem das cenas finais do Pégaso Negro, chegamos ao departamento de maquiagens. Quem falou conosco foi Conor O'Sullivan, responsável pela supervisão das próteses. Aqui, outra surpresa: quase todos os atores tiveram que usar próteses, sejam elas para reproduzir feridas ou criar rostos monstruosos. Exemplo típico foi o das Três Bruxas Stygian, irmãs feiticeiras que sabem de tudo. Cada ator que a interpretou tinha que vestir cerca de três peças diferentes – entre elas os seios envelhecidos, que eram cobertos, apropriadamente, por pedaços de tecido. Os coitados, cujos nomes não tinham sido revelados, à época, para nós, também ficaram sem enxergar qualquer coisa nas filmagens. Tudo porque as bruxas não possuem olhos, mas os seguram nas mãos. Ali, também podíamos ver os inúmeros – e enormes - olhos criados para que elas os segurassem. Foram mais de 25 próteses diferentes – das quais três foram utilizadas nas gravações. Uma delas era toda verde, para reproduzir os efeitos visuais de movimento.
Por fim, e não menos empolgante, chegamos à cidade cenográfica. Aquilo sim, parecia uma volta ao tempo, se não fosse parte da equipe técnica vestida com roupas típicas do mundo moderno. Cada detalhe era fiel à Grécia antiga. Areias e pedras decoravam as ruas. As casas eram feitas de tijolos de espuma, pintados para terem aspecto envelhecido. O clima só era quebrado quando encontrávamos, no meio de alguns objetos ou escadarias, algumas bitucas de cigarro jogadas por algum porquinho da produção.
E foi lá, bem quietinhos, que vimos o diretor comandar sua enorme equipe. Na ocasião, estavam rodando o vôo do Pégaso Negro pela cidade de Argos, na tentativa de enfrentar o terrível monstro Kraken. Nada que pudéssemos ver a olhos nus, com exceção dos figurantes, que corriam para lá e para cá como se tivessem sendo atacados. Mais de cinco câmeras – devidamente penduradas em gruas – foram usadas para a sequência. Só ali foi uma hora de lenga, lenga, até que tudo ficasse pronto. Quando finalmente começaram as filmagens, cortes e mais cortes. Leterrier e seu megafone não estavam num bom dia.
O dublê de Worthington montava o Pégaso Negro, cavalo com adesivos em várias partes do corpo – onde seriam inseridas, na fase de pós-produção, as asas, via computação gráfica. A sequência foi interminável. Aos poucos, todos nós começamos a tomar a dimensão do trabalho que dá. Pégaso vai, Pégaso vem, estávamos, há mais de duas horas, parados e absolutamente nada tinha acontecido. Quem disse que diretor de Hollywood não sofre?