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CARTAS DO REICHENBOMBER - Opus 33

São três horas da manhã, segunda 27, e após quatro horas à frente da tv, zapeando de cinco em cinco minutos de um canal à cabo ao SBT, na expectativa de detectar algum momento sublime na entrega do Oscar 2.000, acesso o Outlook e me deparo com a seguinte mensagem de um bomber fiel:

Prezado Reichenbach,

Hoje foi um daqueles domingos insuportáveis, no qual acordei cedo e me entreguei à TV. Confesso que nem sempre faço isso, porém hoje estava muito cansado e não quis nada fazer. Aproveitei para analisar as coisas massificadas dela ... ver as babaquices de domingo, desde a manipulação esportiva da Rede Globo de televisão, na busca por um novo ícone brasileiro (vide Rubinho e Popó) até algo mais "artístico" como a TV Cultura, que hoje (27 de março), passou no PIC/TV o excelente filme de Beto Brant: "Ação entre amigos", mas chego lá.

Antes, porém, queria frisar algo que não me agradou, que foi o caso do compositor-sem-papas-na-língua Lobão, que fez uma apresentação no ridículo programa do "Faustão". Isso vem demostrar que até pessoas que defendem seu ponto de vista com unhas e dentes estão sujeitas a se entregar a Rede Globo e ganhar um Jabá sacana. Ele que critica a todos, acabou por se vender. Sua idéia inicial (não sei se você conhece) era muito boa, porém isso vem mostrar que ele também e corrompível, lamentável...

Por outro lado a TV Cultura deu um banho de boa programação com o belo filme de Beto Brant que revi com muito prazer. Muitos que se dizem amantes de cinema não gostaram deste filme, não sei sua opinião, porém eu o achei de ótimo gosto, um filme instável, com ótimas posições de câmera e efeitos, uma narrativa brusca e cenas de impacto (como a cena de tortura da personagem Miguel).

Já no canal "Sílvio Santos", o Oscar domina com o seu poder de fogo, uma premiação de cartas marcadas e as mesmas pessoas de plástico dos filmes que rodam por aí ... duas horas de saco cheio, me recuso a ver qualquer premiação do Oscar. Além de contribuir para essa mancada mundial, já sabemos o final (como qualquer filme americano) ... me recuso, até mesmo num domingo destes ver a entrega do cinema "ariano".

Escrevo, também, para você chamar a atenção em sua coluna do "Caso- Lobão". Critique o cara. Hoje mesmo vou mandar um e-mail para ele (como com você, eu me "correspondo" com ele). O cara estava indo bem, mas deu essa mancada. O que você acha disto? Me responda...

Um abraço,

Jean Diego da S. N. Barros

Por coincidência, Jean, eu também resolvi passar o domingo em casa. Só que ao invés de me amarrar na frente da tv (estava economizando a paciência para a infindável festa da indústria do cinema americano) fui colocar em dia a leitura de jornais e revistas da semana e dois livros que estou lendo simultaneamente. Por isso, não testemunhei a dissidência de Lobão.

Entendo a sua perplexidade, mas não vejo porque crucificar o artista. Não sei até que ponto a postura rebelde do ótimo criador de "Me Chama" e "Mal Nenhum" é marketing ou não. O genial Tim Maia não negava fogo e mostrar o vozeirão em nenhum lugar; claro, quando aparecia para o show. Falava mal da Globo, mas eu vi ele algumas vezes nos Faustões da vida. É claro que esses programas ultra populares se tornariam de utilidade pública se dessem mais espaço para inventores como Luís Melodia, Edvaldo Santana, Itamar Assunção, Walter Franco, o "soul men" Zé Ricardo, e tantos outros, inclusive, Lobão. Em resumo, ponto para a Globo que se rendeu ao talento, popularidade e "intransigência" dele. Pelo que sei, o cantor peitou as gravadoras e produziu seu último disco de maneira artesanal, quebrando as regras convencionais da distribuição fonográfica. Não lembro de ter visto ou lido ele desancando contra a TV Globo. Se para divulgar a sua produção musical ele tiver (ou melhor, puder) que se apresentar até no programa da Hebe Camargo, ele vai ter de ir. E olha, aqui entre nós, até que dar as caras no Faustão ou no Gugu não tira a dignidade de ninguém, já ... enfim, deixa pra lá ...

Voltando ao Oscar, e aproveitando a deixa do Lobão, sabe qual foi para mim o momento mais gratificante das quatro horas em frente à tv? Foi, justamente, ver e ouvir o magistral Ray Charles, na impressionante dignidade de seus cabelos brancos, reinventando clássicos do cancioneiro americano. Um monumento vivo à criação e originalidade. Se os arranjos apresentados estivessem gravados em disco, eu iria hoje mesmo atrás desta preciosidade. É isso, Ray Charles deu dignidade ao festim das majors e justificou testemunhar mais uma vez o vendaval anual de obviedades e injustiças. Cadê os prêmios de Denzel Washington e Paul Thomaz Anderson? Porque premiaram Warren Beatty, que produziu pouco e falou sem claquete na homenagem, e não Roger Corman, o Irving Thalberg do cinema livre?

Dois flagrantes patéticos do Quitandinha americano: Isac Heyes, que ao ressuscitar pela enésima vez sua performance em "Shaft", foi bombardeado em cena aberta e sumiu naufragado numa incrível onda de fumaça, e as câmeras de tv explorando morbidamente o acesso de euforia do ator-personagem (um deficiente físico) do curta metragem de ficção premiado.

Dois momentos de nobreza: os discursos de agradecimento de Michael Caine e do diretor polonês Andrzej Wajda. Caine, com a sua classe peculiar foi rápido, generoso e inteligente. Wajda não abriu mão de sua militância e nem de agradecer na sua própria língua (sabe-se que ele fala inglês decentemente, tendo inclusive filmado na Inglaterra).

De qualquer maneira, a melhor lição de justiça veio dos técnicos que votam com conhecimento de causa e, muitas vezes, indiferentes ao jogo pesado dos estúdios. A melhor fotografia para o veterano e competente Conrad Hall, a melhor música original para um compositor (de O VIOLINO VERMELHO) que não faz concessão e a melhor montagem para o verdadeiro prumo narrativo e inovador de MATRIX, são exemplos contundentes de que cinema, mesmo o americano, não é só perfumaria e marketagem.

E que se faça outra justiça, entrega do Oscar sem Rubens Ewald Filho não tem graça nenhuma. O homem é uma enciclopédia! Tentei ver alguns blocos no canal à cabo, sem interferência de tradutores e o que era aborrecido ficava insuportável. E mais, o José Wilker como comentarista de cinema no Telecine 1, é um ótimo ator e diretor de teatro. Uma câmera de tv é implacável; não consegue disfarçar o tédio de quem está na frente dela. O SBT, pelo menos, colocou uma moça bonita ao lado de um expert que levanta a bola do prêmio mais insignificante. Sempre tive a certeza de que locução tem que obrigatoriamente complementar a informação que a imagem omite. Rubinho foi fulminante, conseguiu detectar nominalmente todos os fragmentos de um clip meteórico de quase cem filmes!

Mais competente que ele só mesmo o Billy Crystal, que com a agilidade de sua presença de espírito consegue amarrar todas as pontas de uma solenidade estafante, convencional, óbvia, arcaica e revoltante de tão irresistível.

Jean, se você se penitencia por ter assistido o Faustão, eu vou subir as escadas da Candelária de joelhos. Mas, no ano que vem, eu não perco, de novo e sob hipótese nenhuma, a bosta desta festa.


OUT OSCAR

Na carta anterior o endereço eletrônico do zine FULL ALERT FILM REVIEW saiu errado, conduzindo o leitor a uma lista de discussão e não ao site correto, que é:

https://wlt4.home.mindspring.com/fafr.htm

Volto a recomendar com entusiasmo este endereço, que, por ser novo e ainda estar em processo de construção, aceita e solicita textos em inglês a respeito de cinematografias desconhecidas e realizadores de ponta.


O crítico João Carlos Rodrigues enviou o seguinte e-mail:

"Um amigo meu viu o site e reclamou que minha lista (de perturbadores) não comenta os filmes e que alguns ninguém conhece etc e tal; então aqui vão alguns dados suplementares.

Kurutta Ippeiji / A page of madness ( 1926 ) de Teinosuke Kinugasa. Foi o primeiro filme importante feito no Japão, por um diretor que era oyama, ou seja, especialista em papéis femininos, já que era proibido mulher trabalhar no teatro tradicional japonês. É muito raro, só circula em cinematecas e olhe lá... Eu por exemplo vi na de Paris em 1988 e nunca pude esquecer. Trata das alucinações de um louco, com sonhos, pesadelos, enquadramentos estrambóticos, interpretação não realista que lembra uma coreografia. Uma obra prima de apenas 60 minutos.

L'age d'or ( 1930 ) do Buñuel e Orfeu ( 1949 ) são dois clássicos do cinema fantástico, do cinema poesia. Circulam por aí e não há muito a dizer deles além do que já foi tão dito e repetido.

Fireworks ( 1947 ) e Scorpio rising ( 1964 ), ambos do Kenneth Anger são curtas ( um tem 20, outro 30 minutos ) sem diálogos, mas com trilha sonora. O primeiro, interpretado pelo próprio diretor aos 17 anos e fotografado pelo também adolescente Curtiss Harrington, é um dos primeiros a tratar abertamente do homossexualismo. Um jovem sai para uma pegação e traz pra casa um grupo de marinheiros. Na verdade é um ensaio sobre a curra e a tortura do próprio cineasta. O segundo mostra uma gang de motociclistas nazi-gays e seu culto mórbido pela Morte. Ambos tem imagens surpreendentes e que entram para sempre no seu subinconsciente. Anger é um dos pioneiros do underground americano, pessoa difícil e chegado ao esoterismo. É um dos seguidores do mago Aleister Crowley, que tanto influenciou o rock pesado dos anos 70 e até o Charles Manson. Quem quiser arriscar conhecer a sua doutrina clique:

www.crl.com/~thelema/crowley.html

Mas depois não vai reclamar que eu não avisei... "


Filmes na Web

Para quem tem um HD potente e gosta (e/ou consegue) de ver filmes no computador, via Net e MoviePlayer, o endereço é a Kanakaris Comunications:

https://www.kkrs.net/

Mas vá direto ao CineMania Network, que é de graça. Como a empresa tem acordo com a Latin American Independent Network, é possível ver alguns filmes em espanhol. Poucos, por enquanto. Entre alguns títulos obscuros, ESCUELA SATANICA PARA SEÑORITAS, feito para a tv, dirigido pelo prolífico David Lowell Rich, com Kate Jackson, Pamela Franklin e Roy Thinnes (lembram-se da deliciosa série de tv OS INVASORES?). As velocidades do buffing temporário do filme vão de 56 kbps até 300 kbps, o que quer dizer se você tiver acesso via cabo, você consegue até assistir decentemente. Vale a pena experimentar ver EL TERROR (The Terror) de Roger Corman, com Boris Karloff e Jack Nicholson, e cidadãos eméritos na equipe técnica como Francis Coppola, Monte Hellman e Jack Hill.

Como notifiquei em coluna anterior o MEDIACAST já exibe MENINO DO ENGENHO de Walter Lima Jr. via Net há algum tempo. Eu confesso que nunca consegui ver, porque é um tal de carrega e para, carrega e para, que é de enlouquecer qualquer fanático. No Kanakaris, quando a transmissão não é interrompida, é um festival de stop-motion (aquela projeção cheia de paradinhas). Mas, enfim, já é um começo ....


CARLOS REICHENBACH


Carlos
Reichenbach, 54, é cineasta, roteirista, produtor, diretor de fotografia e crítico esporádico, além de rebelde e utopista assumido nas horas vagas. Suas principais vítimas e afetos são revelados nesta coluna semanal. Atrás das câmeras desde 1966, Reichenbach está lançando seu 12º filme, Dois Córregos, em vídeo e DVD, capta recursos para rodar o longa AURÉLIA SCHWARZENÊGA no início de 2.001, e conclui o roteiro de ORDET - NEM ANJO, NEM ANIMAL, uma produção de custo médio e artesanal que pretende filmar ainda este ano.

Comentários, desgostos, bombas e coquetéis podem ser enviados para:
reichenbach@zaz.com.br



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