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POR UMA NOITE APENAS

RAPIDINHO:

Filme de autor. Ponto. Essa é a principal diferença entre Por uma noite apenas, de Mike Figgis, e esse monte de bobagens que tenho comentado aqui no ZAZ. Sem ser uma obra-prima, o filme conta a sua história com criatividade narrativa, emociona sem ser babaca e "talvez o mais importante de tudo" abre espaço para os desempenhos notáveis de Nastassja Kinski (deusa máxima!, tão talentosa quanto linda) e Wesley Snipes. Mike Figgis, que veio do teatro experimental inglês (onde trabalhou como ator e músico), escreveu o roteiro, dirigiu e compôs a trilha sonora. Fez, portanto, o que queria, e não o que o público (esse monstro sem rosto), teoricamente, de acordo com os executivos de Hollywwod, deseja. O que não impedirá que o filme tenha uma boa carreira comercial. Viva o cinema de autor, de qualquer nacionalidade, metragem, orçamento ou bilheteria. Viva Mike Figgis, que já tinha nos presenteado com Despedida em Las Vegas. E viva Nastassaja Kinski, simplesmente porque ela existe!.

AGORA COM MAIS CALMA:

O tema da infidelidade conjugal já rendeu alguns dos mais abomináveis, moralistas e imbecis filmes de todos os tempos, dos quais o exemplo máximo é Atração fatal. Talvez este seja um problema estrutural do cinema. Na literatura, o autor pode "invadindo facilmente as mentes dos protagonistas" expor claramente as razões da traição. Isso confere humanidade ao gesto, que deixa de ter motivação apenas sexual, e permite ao leitor um julgamento mais sofisticado dos personagens. O cinema - e principalmente o cinema americano -, na ânsia de tudo mostrar com a imagem, acaba transformando a traição num momento de catarse absoluta, em que o mundo inteiro parece render-se a um impulso animal, sem explicação lógica, sem relatividade nem perdão.

O maior mérito de Por uma noite apenas é tratar a infidelidade como um gesto de seres humanos com códigos éticos estabelecidos (o que é próprio de todos os seres humanos conscientes, sem exceção). Numa genial sacada de roteiro, Mike Figgis cria um protagonista negro e publicitário de sucesso. Um sujeito que venceu na vida (é rico, casado com uma esposa bonita, tem dois filhos saudáveis) construindo visões falsas do mundo, vendendo qualquer produto não pelo que ele é, e sim pela aparência que a indústria audiovisual lhe confere. Pois esse negrão forte (Wesley Snipes), bem vestido, a quem o dinheiro já fez superar o preconceito, encontra no seu brilhante caminho uma branquela extraordinária (Nastassja Kinski).

O drama do publicitário é, aparentemente, simples: sente-se atraído por uma mulher quase irresistível, mas pensa que essa atração pode trazer problemas para a sua vida familiar. Até aí, quase tudo igual ao intragável Atração fatal. Mas Figgis, ao contrário de Adrian Lyne, tem algo a dizer sobre sexo e sobre ética. Por uma noite apenas é cheio de perguntas. Por quanto tempo o publicitário conseguirá "vender-se" como marido fiel para a esposa? Por quanto tempo a aparente felicidade conjugal e profissional conseguirá sufocar uma paixão de verdade? Por quanto tempo nós ainda teremos o infinito prazer de olhar para a mais bela das criaturas, Nastassja, filha de Klaus Kinski, o mais horrendo dos homens?

A traição em Por uma noite apenas não é tratada como algo socialmente perigoso ou moralmente condenável. É tratada como uma opção ética, como um tensionamento inevitável de estruturas familiares arcaicas, muitas vezes castradoras e produtoras de infelicidade. A trama paralela do filme - o fim da vida de um doente de AIDS (interpretado com dignidade por Robert Downey Jr.) - é fraca e parece colocada "com a mão", mas isso não tira a força da obra de Mike Figgis. Prestem atenção nesse nome. É um autor. Coisa rara, nesses dias de catástrofes planetárias, explosões espetaculares e histórias sem alma. .

Por uma noite apenas (One Night Stand, EUA, 1998). De Mike Figgs. Com Wesley Snipes, Nastassja Kinski, Kyle MacLachlan, Ming-Na Wen, Robert Downey Jr e outros.

Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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