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CENTRAL EM TRANSE
(ou Como os Opostos são Iguais)

RAPIDINHO:
Mulher que ganha a vida escrevendo cartas para analfabetos na Central do Brasil (decadente estação de trens no Rio de Janeiro) ajuda menino pobre a voltar para o Nordeste, à procura de sua família. Nesta jornada, ela redescobre sua humanidade.

O filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim 98, um dos mais importante prêmios do cinema nacional em todos os tempos, e deve fazer pelo menos um milhão de espectadores.


Todo mundo gosta de Central do Brasil, comunistas, católicos, FHC, Lula, MST, UDR, jovens, velhos, homens, mulheres e crianças.

Vá ver correndo.

Você provavelmente dirá que é o melhor filme brasileiro que já viu em todos os tempos.

 

AGORA COM MAIS CALMA

Recentemente, participei de um debate sobre Maio de 68, em que se discutiu o papel revolucionário do cinema novo brasileiro, e em especial dos filmes de Glauber Rocha.

Correndo o risco de parecer pedante e ser antipático (o que realmente aconteceu) disse o que pensava sobre Terra em Transe, a obra mais aclamada de Glauber. É um filme cheio de má literatura, chato, pretensioso, confuso e que comete um erro imperdoável - abdica da emoção.

E, agindo assim, abdica do público. Fazer a revolução sem rir, sem chorar, sem tesão, não dá, meu irmão. Eu também disse que Glauber é um cara importantíssimo, um desbravador, um cara esteticamente corajoso, cuja contribuição para a linguagem cinematográfica é estudada no mundo todo.

O que não me impede de bocejar frente ao discurso retórico de Glauber em Terra em Transe e dizer que aquela câmara na mão, rodopiando sem parar, não contribui nem um pouco para revelar as idéias na sua cabeça. Terra em Transe tenta ser quente, tropical, antropofágico, mas só consegue ser gelado, europeu, com gosto de caviar contrabandeado do Paraguai.

Mas o que tem a ver Terra em Transe com Central do Brasil? Nada. E muita coisa. Os dois convivem no grande panteão dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. E estão lado a lado na minha pequena galeria de filmes ruins de qualquer nacionalidade.

Correndo o risco de parecer contraditório (e vou assumir sendo contraditório mesmo, porque não tenho outra saída), sou obrigado a dizer que Central do Brasil - apesar de honesto, bem-intencionado e importante para o cinema brasileiro -, é um mau filme porque tem emoção demais. É demais da conta.

O filme começa com gente chorando e termina com gente chorando. Parece aquelas porcarias do Tornatore, tipo Cinema Paradiso. Você chorou vendo Cinema Paradiso e agora está brabo comigo porque estou malhando?

Então vai correndo ver Central do Brasil, que é a mesma coisa um desfile de "tipos humanos inesquecíveis", uma sucessão de "cenas de partir o coração", uma "avalanche de emoções". Se você não derramar uma lágrima, eles dão o seu dinheiro de volta.

Antes de entrar na sala, dê uma olhada na frase do cartaz "Impossível não se emocionar". É demais da conta. Não vou perder tempo aqui descrevendo os truques baixos do roteiro, nem a melosidade da música, nem a direção tão criativa quanto o esquema do Zagallo.

Tudo isso não significa nada, frente ao maior de todos os pecados de Central do Brasil - sua incapacidade de dialogar, nem por um só momento, com o espectador, que é tratado como um analfabeto muito mais analfabeto do que aqueles que sentam na frente de Dora na Central do Brasil.

Enquanto Terra em Transe é um texto em chinês de cabeça para baixo, Central do Brasil é uma cartilha com letras bem grandes e desenhos bem coloridos, que minha filha de sete anos já considera infantil demais.

Não há dúvida de que, hoje, para o cinema brasileiro, cartilhas são muito mais importantes do que textos em chinês. E que emocionar é preciso. E que os prêmios em Berlim e o milhão de espectadores são feitos extraordinários, que contribuem muito para fazer retornar o prestígio do cinema brasileiro.

Mas, falando sério, se você quer chorar, não é mais fácil e mais barato ir pra cozinha e cortar um pouco de cebola?

Central do Brasil, Brasil, 1997, 112min. De Walter Salles. Com Fernanda Montenegro, Vinícius de Oliveira e Marília Pêra.

Carlos Gerbase é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para o ZAZ (A gente ainda nem começou e Fausto) e atualmente prepara o seu terceiro longa-metragem para cinema, chamado "Tolerância".

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