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    MARIANA DIEHL BANDARRA
mariana.bandarra@terra.com.br

Rigor Mortis

Segunda, 01 de julho de 2002, 11h57



Alô?

Quando o presidente dos Estados Unidos abrir os olhos amanhã pela manhã, todos os detonadores estarão prontos. Camilo passou a língua pelos lábios vermelhos, embebido na delícia do momento.

Durante cinco segundos Mary, a secretária da Casa Branca, emudeceu. Sabia que seu emprego estava por um fio. Ela não conseguiu pensar nos bilhões de mortos, nem em sua família ardendo no fogo do holocausto. Mary era uma menina esperta e trabalhadora, não queria ir pra rua. Com licença, acho que o senhor vai querer atender este telefonema.

Ao ouvir o alô fanhoso, Camilo conteve a gargalhada. Não se pode fazer uma revelação importante sem um mínimo de decoro, ele tapou o bocal do telefone com as duas mãos. Não se gargalha para o presidente. Pobre Mary, jamais ficaria sabendo nada.

As bombas estavam por todos os lugares, espalhadas em cada metro quadrado, e nem mesmo nós sabíamos exatamente de onde viria o golpe de misericórdia. Ninguém mais sabia de nada.
Para nós as ruas eram um campo de batalha, segundos antes da explosão nuclear. A noite caiu e o céu parecia lindo como se nunca estivesse lá.

Paramos em uma cidade pequena, a mãe de Camilo era pequena e frágil, eram parecidos. Mamãe, a senhora precisa vir com a gente. A mãe resistiu lutando, e agarrou-se como pôde nas portas e pilares. Tinha medo que seu filho estivesse louco e gritava Minha casa! como um porco desesperado.

Nós vamos perder o avião, mamãe! Mas a velha alcançou o gancho do telefone. Vou é chamar a polícia! Saímos correndo sem comer sobremesa e os gatos no sótão fizeram grande alvoroço.

Kelly, a aeromoça, aprendera inglês assistindo TV. Adorava estrangeiros, e no meio do vôo estava deitada no assento ao nosso lado, cabelo e meias soltas. Um néon azul e rosa avisava: Com as Infra-Red Airlines, só não sobe quem não quer. Kelly sonhava com o dia em que teria um avião só pra ela.

Embaixo, terra firme, armas e crianças enxertadas em latas de refrigerante. Um grande arsenal de monóculos embaçados pelo hálito da morte. Os corpos reticentes em marcha mecânica, indistinta. Muitos não sentiram o impacto da explosão, não houve calamidade.

Camilo, que dormia no assento, abriu os olhos num sobressalto, e desaparecemos para sempre na nuvem de fuligem e ossos. Tudo estava mudado.

Alô?

Esta é a secretária eletrônica do presidente dos Estados Unidos da América. Após o bip, deixe seu recado.

Bip.

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