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Eu e a televisão. Um desabafo.

Escrevo sobre o tema bem informado pois cozinho na televisão desde 1994, ou melhor cozinhava. Atualmente, dedico-me a escrever um livro para a cozinha e também a fornecer conteúdo de culinária para a Internet.

Foram mais de 1000 receitas preparadas nos estúdios de televisão. Algumas vezes, os programas eram gravados, outras, ao vivo. Mas o fato é que obrigatoriamente a receita deveria ser preparada em 30 minutos, pois os altos custos de estúdio e de equipe obrigavam-me a uma verdadeira maratona culinária - chegando a gravar 10 receitas em um só dia. Minha equipe era composta de uma estagiária de comunicação, minha mulher, minha irmã e eu. Nós decidíamos a receita, a música, o acabamento e produção em geral. Além, de fazermos pesquisas, responder emails, cartas, etc...

Outros gêneros de programa, com menos audiência no Ibope tinham equipes hollywodianas, com vários produtores, pesquisadores, repórteres, tomadas externas, helicópteros e efeitos visuais. Tudo bem. Eu não me importava. Era tudo muito agradável porque de certa maneira eu me sentia útil, levando a comunidade um pouco de cultura geral. Sempre preparei minhas receitas com cuidado. Pesquisava a origem, a história dos ingredientes e o posicionamento da iguaria e tendo o cuidado não passar para o telespectador uma informação falsa ou enganosa.

Imaginei, que com meus programas de receitas, pudesse melhorar um pouquinho nosso país. Mostrar que através da culinária poderíamos voar mais alto. Afinal de contas, um povo que se alimenta corretamente é mais produtivo, conseqüentemente mais feliz e menos violento. Preparar o alimento e servi-lo é uma forma de dividir, de conviver em grupo, algo que para nossos ancestrais era da maior importância e que nós, em nossa pretensiosa evolução, estamos nos esquecendo de valorizar.

Quando comecei na televisão, Ofélia era a representante oficial da culinária do dia-a-dia, da família. Ensinava receitas de fácil execução e de custos razoáveis. Eu preparava receitas um pouco mais elaboradas, para ocasiões especiais. Hoje em dia, os programas culinários de televisão parecem sem objetivo. Todo mundo virou cozinheiro e intelectual gourmet. São receitas e mais receitas preparadas para preencher a grade das emissoras. Cozinha-se de tudo, sem nem mesmo se avaliar as necessidades e reais possibilidades técnicas e financeiras do telespectador brasileiro.

Em um programa do Fantástico, certa vez foi colocada uma matéria sobre fubá, uma disputa entre paraibanos e mineiros para saber quem é o verdadeiro autor da receita de "angu", e os paulistas? foram esquecidos? Afinal de contas, eles já levavam na época das Entradas e Bandeiras sementes de milho e abóboras para prepararem a iguaria que seria servida aos carregadores. Depois, no mesmo programa, foi mostrada uma receita italiana preparada com o fubá. Lembro aos leitores que o milho foi para a Europa depois que Colombo descobriu a América, e que os italianos faziam angus "pulmentum" com outros grãos, portanto o programa deveria ter ensinado uma receita da América, e não uma receita italiana utilizando ingredientes de 200 dólares o kilo (Boletus Edulis, mais conhecido como funghi porcini), com o grande risco, pois a maioria da população desconhece que alguns cogumelos são venenosos, alguns inclusive muito parecidos com os Porcini italianos, e que crescem em nossos bosques e sertões.

Um dos motivos desta desordem culinária é o fato de que a culinária na televisão não é valorizada. Receitas servem para completar a grade das emissoras a custos baixos, e os programas não são produzidos por chefs de cozinha e nem por profissionais da área. Normalmente, são produzidos por estagiários de jornalismo pois os produtores de primeira linha acham que produzir culinária é "fim de carreira". Os executivos da televisão acham que fazer um programa de culinária é como fazer um programas de entrevistas comodamente em um sofá. Mas enganam-se. Fazer e produzir um programa de culinária é uma tarefa complexa, que requer muito trabalho; o apresentador (culinarista) tem que falar, cortar, picar, explicar a receita, estar atento ao timming do programa, estar atento à receita para não passar do ponto e assim por diante... Em um programa de entrevistas é só dizer ao convidado "obrigado pela entrevista". Na culinária não. A receita tem que dar certo.

Por essas e outras me desiludi com a televisão, gostaria de apresentar um novo programa, mas com uma nova proposta, em um novo horário, enfim, do jeito que tem que ser.

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