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As Virgens Suicidas

De
Sophia Coppola




 

RAPIDINHO
O olhar feminino é um olhar raro no cinema. Mais raro ainda é encontrar nesse olhar um carinho autêntico pela condição humana, que valoriza as questões do segundo sexo sem os excessos do feminismo raivoso, colocando a mulher no centro do universo sem atirar o homem num subúrbio mal-cheiroso. Sophia Coppola, em seu primeiro filme, dá sinais evidentes de talento (principalmente na direção de atrizes e atores) e de sensibilidade, usando a bela trilha – onde se destaca a banda francesa "Air") e a fotografia delicada para criar uma obra original, climática e agradável aos sentidos. Faltou, quem sabe, uma narrativa um pouco mais incisiva (sem ser demasiadamente "masculina", claro) para retirar da bela história um impacto psicológico mais denso.

AGORA COM MAIS CALMA
Cinco - logo depois, com a morte da caçula, quatro - meninas maravilhosas, na idade de descobrir o sexo e a vida, recebem uma educação ultra-conservadora e praticamente não têm chances de sair com rapazes. Seus pais, contudo, não são monstros. São parecidos com milhares de pais do mundo todo, cuja religiosidade extremada e convicções morais que beiram o fundamentalismo reprimem a explosão da adolescência, criando conflitos dificílimos de administrar. E agem dessa maneira não por maldade, e sim por amor às filhas. As tentativas de suicídio da mais jovem, Cecilia - a primeira, frustrada, e a segunda, mortal – fazem os pais flexibilizar e depois, assustados, radicalizar sua vigilância sobre as filhas restantes, construindo um caminho sem volta para a inevitável tragédia familiar.

Num primeiro olhar, o enredo e os cenários (cidade pequena, colégio, bailes de adolescentes) lembram Carrie, a estranha, mas esse vínculo é superado rapidamente pela delicadeza da narrativa, muito distante dos maneirismos de Brian de Palma. Por outro lado, Sophia Coppola não quer (ou não consegue) estabelecer uma identificação mais profunda do espectador com o cotidiano das meninas, porque seu drama é observado à distância, por quatro rapazes da vizinhança, que funcionam como narradores desde o início do filme. Este artifício tem conseqüências positivas - permitindo uma reflexão poética, tranqüila, quase nostálgica (eles contam a história conscientes da tragédia final) sobre os fatos – e negativas, "esfriando" a trama e esvaziando a dor das meninas. Provavelmente foi uma escolha consciente da diretora, que assim fugia, sem dúvida, de um enfoque demasiadamente feminista.

O roteiro privilegia uma das garotas - Lux Lisbon, a mais bela, a mais provocante, interpretada pela diabólicamente angelical Kirsten Dunst - e conta a história da perda da sua virgindade. Um novo personagem, colega de escola e desejado por todas as meninas da cidade, é introduzido para fazer o serviço. O ator, Josh Hartnett, é competente, vem acompanhado de três amigos igualmente verossímeis, e toda a cena do baile e da transa é bacana; contudo, de repente, os quatro rapazes narradores ficam muito distantes dos acontecimentos, só conseguindo retomar sua força dramática nas últimas cenas. Talvez uma maior condensação de personagens tornasse As virgens suicidas um filme mais poderoso, mais emocional, mais intenso, sem perder o clima poético que a diretora claramente persegue e obtém.

Uma última palavra sobre Kathleen Turner, a maravilhosa atriz que fazia a temperatura subir até o ponto de ebulição naquela banheira de Corpos Ardentes (1981). Ela está magnífica como a mãe das virgens, e seu desempenho é tão desglamurizado que chega a ser assustador. "Ela está velha...", provavelmente vocês estão pensando, mas o cinema tem ferramentas muito eficientes para vencer, ou atenuar, vinte anos de deterioração física. Nesse mundinho de aparências fúteis, de plásticas, silicones e rostos que parecem estar conservados num balde de formol, ver Kathleen Turner, em Virgens Suicidas, com todas as rugas a que tem direito, é uma lição de vida. Da fragilidade da vida. E de como um filme, dirigido por uma mulher, pode desmontar, sem alarde, a equivocada visão masculina da eternidade das musas do cinema.

As Virgens Suicidas (EUA, 2000). De Sophia Coppola




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Carlos Gerbase
é jornalista e trabalha na área audiovisual, como roteirista e diretor. Já escreveu duas novelas para a Terra Networks (A Gente Ainda Nem Começou e Fausto). Em 2000, lançou seu terceiro longa-metragem, Tolerância, com Maitê Proença e Roberto Bomtempo.

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