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"O Jantar" mostra dramas pessoais em uma mesa de restaurante



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Em O Jantar, Ettore Scola manifesta mais uma vez a sua habilidade de trabalho em ambientes fechados e com temas pequenos. Dessa escala minimalista tira grandes filmes, como foi o caso de O Baile, quase 20 anos atrás, e é agora o desta nova produção. Em O Baile, os personagem se encontravam num único ambiente, um salão, onde reconstituíam, sem dizer palavra, os anos trágicos da guerra européia. Um espetáculo só de música, dança - e compaixão humana porque finalmente é com esse ingrediente, não só de personalidade, mas de opção política e filosófica, que o diretor italiano imprime força a seus filmes.

Em O Jantar tudo se passa no espaço fechado de um restaurante que recebe seus clientes para a ceia. Nas mesas, a variedade meio caótica que compõe qualquer agrupamento humano. Há a mesa em que uma mulher que está envelhecendo com dificuldade (Stefânia Sandrelli) conversa com a filha mocinha e descobre que esta deseja tornar-se freira. Em outra, uma moça fogosa recebe seus vários namorados para uma explicação conjunta. Um tipo solitário encontra companhia na pessoa de um charlatão. E outro solitário, um habitué do restaurante, a tudo observa, comenta e às vezes interfere na ação - Vittorio Gassman neste seu último trabalho, está magnífico. O ator morreria pouco tempo depois de terminadas as filmagens. O restaurante é comandado por sua dona, a atriz francesa Fanny Ardant, em sua maturidade sensual, que também participa do drama.

Porque são dramas pessoais que se vêem acontecer em cada uma das mesas e entre uma mesa de outra. Drama da solidão, do tempo que passa, dos sonhos desfeitos. Dramas pessoais, que aparecem na tela temperados pelo humor, pela auto-ironia e, mais raramente, pela sabedoria simples que consiste em aproveitar o momento presente. Essa comédia dramática intimista é feita da relação que as pessoas estabelecem entre si. É sobre esse material que Scola privilegia, mas do que a política, como costumava acontecer em trabalhos anteriores, como são os casos de O Baile, mas também de Nós Que nos Amávamos Tanto, Feios, Sujos e Malvados, Um Dia muito Especial, Casanova e a Revolução ou Mário, Maria, Mário. Scola é homem de esquerda e sua arte contempla tanto o aspecto humano quanto a proposta política - insiste, aliás, que uma coisa não se separa da outra, são apenas distinções didáticas de uma mesma realidade.

O Jantar, no entanto, apresenta uma opção diferente. É como se, com este filme, Scola fizesse o registro e o comentário de um presente aparentemente despolitizado pelo fim das ideologias. O velho Partido Comunista Italiano, ao qual ele pertenceu, já não existe mais. Transformou-se em PDS (Partito Democratico della Sinistra), renegando o próprio nome - tema que Scola discutiu em Mário, Maria, Mário. O jornal L'Unità, do PCI, que chegou a circular com 1 milhão de exemplares, fechou durante algum tempo e só foi reaberto recentemente. Enfim, há uma crise das esquerdas, uma crise de identidade da qual o artista Ettore Scola participa.

Com o chamado fim das utopias (que ninguém sabe se definitivo, com exceção de Francis Fukuyama), as pessoas passaram a se preocupar mais e mais com suas vidas pessoais. É como se qualquer projeto coletivo tivesse sido arquivado pela evolução da história, e os personagens de O Jantar refletem esse estado de coisas. Estão voltados para os próprios umbigos, querem viver, amar, ser felizes, mas batem-se uns contra os outros, porque, como se sabe, o relacionamento humano é assim mesmo, marcado pelo conflito, por interesses contraditórios, por desavenças geradas pelo egoísmo, pelo brutalidade ou pela indiferença. Para ser humanista, Scola não precisa mistificar a realidade. Sabe que as pessoas vivem entre tapas e beijos e que esse jeito contraditório de ser faz parte do jogo.

Mas Scola é lúcido demais para supor que tudo se resolve em termos de relacionamentos pessoais. Não lhe escapa que os indivíduos coexistem em uma sociedade e que esta, por sua vez, é dividida, etc. Por isso, no aparentemente despolitizado O Jantar, surge uma sutil contradição entre aquilo que se passa no salão e o que acontece na cozinha. Onde, não por acaso, um velho cozinheiro relembra que trabalhou nas tradicionais festas do L'Unità, resmunga contra seus colegas alienados e faz comentários ácidos o tempo todo. Uma leitura possível é a de que a esquerda européia tenha-se transformado em um pífio cozinheiro resmungão. Outra, é que a luta política subsiste, ainda que de forma latente, oculta, discreta ou mesmo risível. É arquivada, mas não morre, e ressurge porque se alimenta de contradições próprias da sociedade
.(Luiz Zanin Oricchio/ Agência Estado)

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O JANTAR

Título Original: La Cena
País de Origem:
Itália/França
Ano: 1998
Duração: 98 minutos
Diretor:
Ettore Scola
Elenco: Fanny Ardant, Antonio Catania, Francesca d'Aloja, Riccardo Garrone, Vittorio Gassman, Giancarlo Giannini, Marie Gillain










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