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Vacinas futuras dependem de cobaias escassas para fazer testes: os macacos

O mundo precisa de macacos, cujo DNA é rigorosamente semelhante aos dos seres humanos

24 fev 2021 - 14h10
(atualizado às 14h25)
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Mark Lewis estava desesperado para encontrar macacos. No mundo todo, milhões de vidas humanas estão em jogo. Lewis, diretor executivo da Bioqual, era responsável pelo fornecimento de macacos de laboratório para companhias farmacêuticas como a Moderna e a Johnson & Johnson, que precisavam dos animais para desenvolver suas vacinas contra a covid-19. Mas enquanto o coronavírus se espalhava nos Estados Unidos no ano passado, eram poucos os animais desta espécie criados para tal finalidade, disponíveis no mundo.

Na impossibilidade de conseguir os macacos, que podem custar mais de US $ 10 mil cada um, para pesquisa, cerca de dez companhias foram obrigadas a sair em busca de animais no ápice da pandemia. "Perdemos trabalho porque não pudemos fornecer os animais no prazo," lamentou Lewis.

O mundo precisa de macacos, cujo DNA é rigorosamente semelhante aos dos seres humanos, para desenvolver as vacinas contra a covid-19. Mas a escassez global decorrente da demanda inesperada provocada pela pandemia, foi exacerbada por uma recente proibição da venda de animais silvestres da China, a principal fornecedora dos animais de laboratório.

A escassez reacendeu os boatos sobre a criação de uma reserva estratégica de macacos nos Estados Unidos, um estoque de emergência semelhante aos mantidos pelo governo para petróleo e grãos.

Como novas cepas do coronavírus ameaçam tornar obsoletos os atuais lotes de vacinas, os cientistas se apressam para encontrar novas fontes de macacos, e os Estados Unidos estão reavaliando a sua dependência da China, uma rival com ambições próprias na área de biotecnologia.

A pandemia destacou até que ponto a China controla a oferta dos produtos que salvam a vida, como máscaras e medicamentos, de que os Estados Unidos necessitam em uma crise.

Cientistas americanos sondam instalações privadas e públicas no Sudeste Asiático bem como a Ilha Mauritius, um pequeno país ao largo do Sudeste Asiático, em busca de estoques de suas cobaias preferidas, os macacos rhesus, e macacos cinomolgos, também conhecidos como macacos de cauda longa.

Mas nenhum país pode substituir o que a China fornecia anteriormente. Antes da pandemia, a China forneceu mais de 60% dos 33.818 primatas, na maior parte macacos cinomolgos, importados nos Estados Unidos em 2019, segundo estimativas de analistas baseadas em dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças.

Os Estados Unidos têm 25 mil macacos de laboratórios - predominantemente macacos reshus da cara vermelha - em seus sete centros privados. Cerca de 600 a 800 destes animais estão sendo usados na pesquisa do coronavírus desde o início da pandemia.

Os cientistas afirmam que os macacos são a espécie ideal para pesquisar as vacinas contra o coronavírus, antes de testá-las no ser humano. Os primatas compartilham conosco mais de 90% do DNA, e a sua biologia semelhante significa que podem ser submetidos ao teste do esfregaço nasal e os seus pulmões podem ser escaneados. Segundo os cientistas, é quase impossível encontrar um substituto para testar as vacinas da covid-19, embora medicamentos como a dexametasona, um esteroide que foi usado para tratar o ex-presidente Donald Trump, tenham sido testados em hamsters.

Com a escassez, um crescente número de cientistas americanos pediu ao governo que garanta um fornecimento constante dos animais.

Skip Bohm, diretor adjunto e diretor do departamento de veterinária do Centro Nacional de Pesquisas em Primatas, de Tulane, Nova Orleans, disse que a discussão sobre uma reserva estratégica de macacos começou há dez anos, entre os diretores dos centros nacionais de pesquisa dos primatas. Mas um estoque nunca foi criado em razão do enorme volume de recursos e do tempo necessários para montar um programa de criação destes animais para reprodução.

"A nossa ideia era semelhante às reservas estratégicas de petróleo, pelo fato de que há imensas quantidades de petróleo em algum lugar que só é explorado em uma emergência ", disse Bohm.

Mas com a descoberta de novas variantes do vírus, o que poderá recomeçar a corrida a uma vacina, os cientistas afirmam que o governo precisa agir imediatamente na questão dos estoques.

"A reserva estratégica dos macacos é exatamente do que precisamos para lidar com a covid, e não temos nada", disse Keith Reeves, investigador principal do Centro de Virologia e Pesquisa de Vacina da Escola de Medicina de Harvard.

Mas mesmo uma robusta reserva estratégica talvez não conseguisse atender ao aumento vertiginoso da demanda de animais de laboratório, como bem aprenderam os pesquisadores na China. Embora com um estoque de reserva do governo de cerca de 45 mil macacos, os pesquisadores chineses afirmam que estão às voltas com o mesmo problema.

Os pesquisadores frequentemente coletam centenas de espécimes de um único macaco, cujos tecidos podem ser congelados durante anos e estudados por longos períodos. Os cientistas afirmam que aproveitam ao máximo cada animal, mas os macacos infectados pela covid-19 não podem voltar a viver entre outros animais saudáveis e devem ser inclusive sacrificados.

Os Estados Unidos mantém sete centros nacionais de pesquisa de primatas, nos quais os animais, quando não são submetidos a pesquisa, vivem em colônias e podem participar de atividades externas e complementares. Os centros estão ligados a universidades e financiados pelos Institutos Nacionais de Saúde. Ativistas para o bem-estar dos animais há muito tempo acusam os centros de abusos, inclusive de separar os filhotes das mães.

Matthew R. Bailey, presidente da Associação Nacional de Pesquisa Biomédica, afirmou que está disposto a levantar o problema da escassez de macacos junto ao governo Biden. Ele disse que a decisão da China de suspender as exportações, no início da pandemia, foi "provavelmente uma prudente medida de emergência", e sugeriu que a China poderá recomeçar as exportações considerando o que agora se conhece a respeito do contágio.

O Ministério do Exterior chinês afirmou que a proibição não visa espécies ou países específicos.

"Assim que a situação internacional melhorar e as condições para importações e exportações forem cumpridas", afirmou em um documento, "a China estudará com afinco a aprovação para a retomada das importações e exportações e de outras atividades relacionadas". / Tradução de Anna Capovilla

Estadão
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