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Coronavírus

Por que o Brasil depende da China e da Índia para produzir vacinas contra a covid-19?

Falta de matéria-prima para Coronavac e vacina de Oxford/AstraZeneca impacta na campanha nacional de imunização. Saiba o que é o 'Insumo Farmacêutico Ativo'

20 jan 2021 - 15h10
(atualizado em 6/5/2021 às 15h02)
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A produção das vacinas de Oxford/AstraZeneca e Coronavac no Brasil, por parte da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan, respectivamente, depende da chegada do Insumo Farmacêutico Ativo (IFA), ou seja, o princípio ativo das vacinas. Ambas as imunizações dependem de insumos importados que vêm da Índia (AstraZeneca) e da China (Coronavac).

Desta forma, quando o presidente Jair Bolsonaro ataca a China, insinuando que este país fez "guerra química" com a covid-19 para garantir o crescimento econômico, ele também está atrapalhando a chegada de mais insumos para o Brasil. O próprio Instituto Butantan se mostrou preocupado com tais declarações, que são recorrentes. A falta da matéria-prima impacta diretamente na campanha de vacinação da covid-19 no País.

Para entender a importância da substância na fabricação das vacinas de Oxford/AstraZeneca e Coronavac no Brasil, o Estadão conversou com Rosimeire Alves, doutora em Química Orgânica pela Universidade de Brasília (UnB), Ubiracir F. Lima, membro da Comissão Química Farmacêutica do Conselho Regional de Química/SP, e Gerson Pianetti, professor titular na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e conselheiro do Conselho Federal de Farmácia (CFF).

O que é o IFA?

O chamado Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) é a parte de todo o medicamento que tem atividade. "É o insumo principal porque ele tem a atividade. Sem ele não é possível fazer nada, pois é a principal substância para executar vacinas e medicamentos", afirma Gerson Pianetti, conselheiro no Conselho Federal de Farmácia (CFF).

"O IFA é a substância que confere a atividade farmacológica à vacina ou a qualquer outro medicamento. Os outros componentes presentes na vacina são chamados excipientes e, apesar de não serem responsáveis pela atividade farmacológica, são importantes para seu perfeito funcionamento até o final do prazo de validade", complementa Rosimeire Alves, doutora em Química Orgânica pela Universidade de Brasília (UnB).

Quem são os principais fornecedores da matéria-prima?

O Brasil é totalmente dependente da China e da Índia, especialmente, na fabricação de insumos. "No País, não há uma política governamental para incentivar a produção dos insumos farmacêuticos ativos. O Brasil é muito dependente", afirma Pianetti.

Conforme o Estadão divulgou no ano passado, um relatório da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicado no fim de outubro com dados sobre a inspeção internacional de fabricantes do insumo, 35% dos ingredientes de medicamentos básicos importados pelo Brasil vêm da China. Nesse aspecto, o país asiático só perde para a Índia, país de origem de 37% desses insumos. A dependência e falta de matéria-prima para a produção das duas vacinas no Brasil impactam na campanha nacional de imunização contra a covid-19.

Assim como a Coronavac, imunização chinesa produzida pela Sinovac, a vacina britânica de Oxford/AstraZeneca também depende de remessa do IFA que vem da China. Embora produzidas por países diferentes, a substância é importada da China, de fabricantes diferentes.

Quais acordos para a importação?

Os insumos devem ser enviados dentro do que foi acordado entre os governos. "Quando o Butantan e a Fiocruz pensaram em fabricar as vacinas, os acordos foram feitos, ou seja, assinaram com os países responsáveis para que encaminhassem para o Brasil os insumos farmacêuticos, na qualidade e quantidade que foram acertadas", explica o conselheiro do CFF.

Tanto o Butantan quanto a Fiocruz têm tecnologia para transformar esse insumo em vacinas, mas sem a substância não poderão fazer nada. "Se os insumos não chegarem, o País terá sérios problemas de desabastecimento", avalia Pianetti, que também é professor titular na Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Hoje o Butantan tem capacidade para fabricar um milhão de doses por dia, mas depende de insumos feitos pelo laboratório chinês Sinovac que precisam ser importados. Um carregamento de matéria-prima aguarda autorização para ser despachado da China. Já a AstraZeneca, por contrato, se não entregar o princípio ativo, deve fornecer as vacinas prontas.

Quais os impactos na vacinação da covid-19?

O Brasil depende da chegada do insumo para que sejam produzidas as vacinas de Oxford e Coronavac no País. Com a demora na entrega, a campanha de imunização também sofre com atrasos.

"Cada ano que passa temos uma indicação de que temos de mudar nossa forma de pensar. É necessário que o Ministério de Ciência e Tecnologia faça investimentos nos institutos de pesquisas e universidades. Tem que ter investimentos porque não é algo barato fazer o insumo farmacêutico, embora seja totalmente necessário. Sem o insumo ativo, não teremos as vacinas", afirma Pianetti.

Por que o Brasil já não faz o insumo?

No caso das vacinas do Butantan e da Fiocruz, os IFAs são o vírus inativado e o adenovírus, respectivamente, que serão os responsáveis por gerar a resposta imunológica, onde a tecnologia de fabricação do IFA é das empresas estrangeiras e ainda não foi transferida para o Brasil.

"Por isso, não é possível, neste momento, iniciar sua produção. Em geral, indústrias com pesquisas de medicamentos, e outros produtos sujeitos à Vigilância Sanitária, adotam estratégias de transferência de tecnologia, objetivando aumentos em escalas de produção", explica Ubiracir F. Lima, membro da Comissão Química Farmacêutica do Conselho Regional de Química/SP.

Neste sentido, há interesses mútuos. "Limitantes não programados podem sim ocorrer, como a escassez de materiais de partida por alta demanda no fornecedor", acrescenta Rosimeire.

O Butantan estima que ainda demore dez meses para ter capacidade de produzir a vacina sem depender de insumos importados. Uma nova fábrica do instituto está em construção na zona oeste de São Paulo.

Estadão
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