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Obesidade e diabetes: o papel central do açúcar

O processo químico que acontece no nosso corpo quando ingerimos glicose dá pistas de como evitar duas das doenças com maior incidência no mundo.

30 ago 2020 - 16h01
(atualizado em 3/9/2020 às 05h07)
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Nível de açúcares no sangue aumenta em períodos de jejum e após as refeições
Nível de açúcares no sangue aumenta em períodos de jejum e após as refeições
Foto: Getty / BBC News Brasil

Quando comemos um pedaço de pão ou uma bala, os níveis de glicose (coloquialmente chamado de "açúcar") no sangue sobem em poucos minutos.

Para entendermos exatamente o que acontece, é preciso acompanhar a trajetória do alimento no nosso organismo.

Minutos depois de ingerirmos um pedaço de pão, ele chega digerido (pelo estômago) ao intestino delgado.

As células intestinais absorvem os nutrientes que ele continha — entre os quais, a glicose — e, como estão em contato direto com o sistema circulatório, imediatamente são jogados na corrente sanguínea.

Como consequência, a concentração de glicose no sangue dispara. É fácil deduzir o que acontece depois.

O sangue transporta a glicose até os órgãos que necessitam de "combustível". Assim, eles conseguem obter a energia necessária (por meio de uma molécula chamada adenosina trifosfato, também conhecida como ATP) para desempenhar suas funções.

O problema é quando há uma situação em que o excesso ou déficit de glicose leva ao aparecimento de doenças.

Daí a importância de que ela esteja em equilíbrio. É o "yin e yang" da glicose.

Açúcares refinados aumentam nível de glicose no sangue
Açúcares refinados aumentam nível de glicose no sangue
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As células requerem um abastecimento permanente de glicose para realizarem suas funções vitais.

Esse aporte, contudo, não é contínuo — está limitado à nossa ingestão de alimentos.

Como então garantir que as células recebam açúcar de forma constante sem comer a toda hora?

Há detectores celulares espalhados pelo organismo (no fígado, pâncreas, no hipotálamo) que monitoram a disponibilidade de glicose.

O papel do fígado

Quando o nível no sangue está alto (imediatamente após uma refeição, por exemplo), o fígado estoca uma parte do "açúcar" em forma de glicogênio para que seja consumido assim que o corpo precise — em períodos de jejum ou quando estamos dormindo.

Nesse caso, o glicogênio é reconvertido em glicose e liberado na corrente sanguínea para que seja utilizado pelos órgãos.

Mas a missão do fígado não acaba por aí.

Ele também converte o excesso de açúcares em triglicérides (gordura), que serão armazenados no tecido adiposo como reserva de energia.

Em momentos de jejum prolongado, os triglicérides são hidrolisados e convertidos em ácidos graxos que "viajam" pela corrente sanguínea para que sejam degradados (ou oxidados) nas mitocôndrias para produzir energia.

Órgãos do corpo precisam de energia para funcionar
Órgãos do corpo precisam de energia para funcionar
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Pâncreas, a chave do processo

O pâncreas, por sua vez, também tem um papel muito importante no equilíbrio dos níveis de glicose no sangue.

Uma de suas funções é verificar se eles estão em excesso e responder com a secreção de hormônios que tentarão normalizar essas taxas.

O mais conhecido desses hormônios é a insulina, que é liberada quando a glicemia sobe e manda uma ordem contundente às células: "capturem a glicose do sangue e tratem de gastá-la ou armazená-la".

Como consequência, o nível de açúcar no sangue diminui.

Fome, saciedade e obesidade

No cérebro, o hipotálamo permanece vigilante aos níveis de glicose.

Essa área tem a importante função de regular a ingestão de alimentos controlando as sensações de fome e saciedade.

Logo depois das refeições, a mensagem que ele libera é: "há muita glicose, precisamos parar de comer; vou acionar o sinalizador de saciedade".

Diante do funcionamento de todo esse sistema, é fácil supor o que acontece se ingerirmos mais comida (nutrientes) do que "queimamos" (gasto energético).

O equilíbrio é descompensado e o corpo retira o que pode da corrente sanguínea e "fabrica" gordura.

A consequência imediata disso é o ganho de peso. E, se a situação se mantém, a obesidade.

Às vezes, o desequilíbrio acontece porque alguma das etapas listadas anteriormente está alterada.

E, se os níveis de glicose se mantêm altos inclusive em períodos de jejum, caracterizando a hiperglicemia, o corpo pode desenvolver o diabetes.

Dois elementos chave

A nível molecular, existem dois pontos chave no controle do desenvolvimento da obesidade e do diabetes.

De um lado estão os sensores, dispositivos moleculares que se encontram nas células que detectam os níveis de glicose ou de ATP.

Exemplos são as proteínas glucoquinase (GCK), o transportador de glicose tipo-2 (GLUT2), a quinase ativada por AMP (AMPK), a quinase contendo domínio PAS (PASK) ou o alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR).

De outro, é preciso que haja uma resposta correta da insulina, ou seja, que as células sejam capazes de identificar e responder a esse hormônio adequadamente.

São encarregados dessa função uma série de receptores localizados na membrana das células. Assim como um conjunto de proteínas intracelulares (IR, IRS, PI3K, AKT, etc).

Se o mecanismo falha em algum ponto, as células não respondem à insulina e o açúcar excedente no sangue não é eliminado.

É o que se conhece como resistência à insulina, que tem como consequência o diabetes tipo 2.

Companheiro da velhice

Com o passar dos anos, as células envelhecem e os mecanismos de resposta molecular à insulina se deterioram e vão perdendo a funcionalidade.

Por isso, é comum nessa fase o desenvolvimento da resistência à insulina e do diabetes tipo 2, uma doença recorrente na terceira idade.

A obesidade, entretanto, pode fazer com que esse processo aconteça mais cedo.

Nesse caso, o tecido adiposo passa a armazenar um excesso de gordura além de sua capacidade e fica hipertrofiado, o que provoca um esgotamento na resposta à insulina.

Um em cada quatro

Os tecidos acabam sendo menos eficientes no processo de captar e gastar a glicose, o que leva a um aumento dos açúcares no sangue (hiperglicemia) e, por conseguinte, ao diabetes tipo 2.

Na Espanha, um em cada quatro idosos tem a doença.

De acordo com a Sociedade Espanhola de Geriatria e Gerontologia, 40% das pessoas com mais de 65 anos no país têm diabetes, cerca de 2,12 milhões.

No Brasil, dados de 2019 apontam que 7,4% da população brasileira tem diabetes. Entre a população com mais de 65 anos, o percentual sobe para 23%.

Assim, esta é uma questão premente de saúde pública, especialmente diante das complicações associadas a essa enfermidade: problemas cardiovasculares, retinopatia diabética, nefropatias, neuropatia diabética, etc.

Pesquisa

Por isso, é importante que sejam realizados estudos tanto com o objetivo de entender em ainda maior profundidade o funcionamento dos mecanismos moleculares quanto de desenvolver remédios para controlar os sensores de glicose.

É exatamente a isso que nosso grupo de pesquisa se dedica há anos na Universidade Complutense de Madrid.

Estudamos os sensores no nível do hipotálamo, do fígado e do tecido adiposo para enfrentarmos uma doença responsável por muitas mortes em todo o mundo.

Atualmente, há ainda uma nova enfermidade que, quando atinge pacientes com diabetes, aumenta bastante a probabilidade de óbito.

Estamos falando, claro, da covid-19.

A pesquisa da relação entre as duas enfermidades é necessária e urgente.

*María del Carmen Sanz Miguel, Ana Pérez García, Elvira Álvarez García y Verónica Hurtado Carneiro formam parte da equipe de pesquisadores da Universidade Complutense de Madrid.

Este artigo foi publicado originalmente no site The Conversation. Clique aqui para ler o original.

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