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O coronavírus é novo, mas seu sistema imunológico pode reconhecê-lo

Uma série de estudos recentes revelou que grande parte da população abriga células que destroem aquelas infectadas

8 ago 2020 - 10h10
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Há oito meses, o novo coronavírus era desconhecido. Mas, para algumas das nossas células, o vírus já era familiar.

Uma série de estudos recentes revelou que grande parte da população - 20% a 50% das pessoas em alguns lugares - abriga células que destroem aquelas infectadas. São as chamadas células T, que reconhecem o novo coronavírus apesar de nunca terem encontrado antes.

Essas células T, que já circulavam na corrente sanguínea das pessoas bem antes da pandemia, são mais provavelmente remanescentes de lutas passadas com outros coronavírus relacionados, incluindo quatro que frequentemente causam gripes comuns. É um caso de semelhança familiar: nos olhos do sistema imune, os germes com raízes comuns são parecidos e o corpo então já têm uma suspeita das suas intenções.

A presença das células T tem intrigado especialistas, que afirmam ser muito cedo para dizer se elas têm papel positivo, prejudicial ou desprezível na luta do mundo contra o atual coronavírus. Mas caso essas chamadas células T com reatividade cruzada exerçam uma influência modesta na resposta imune do corpo ao novo coronavírus elas tornam a doença menos grave e talvez isto explique porque algumas pessoas que contraem o vírus ficam seriamente doentes ao passo que outras são afetadas apenas de relance.

"Se você tem uma população de células T armadas e prontas para protegê-lo, conseguirá controlar a infecção melhor do que uma pessoa que não possui essas células com reatividade cruzada", disse Marion Pepper, imunologista da Universidade de Washington que vem estudando a resposta imune de pacientes de covid-19. "E todos nós estamos esperando por isto".

As células T são um grupo excepcionalmente meticuloso. Cada uma passa toda a sua vida esperando por um detonador muito específico, como um resquício de um vírus perigoso. Quando ele é abocanhado a célula T se clona num exército de soldados especializados, todos com sua vista no mesmo alvo. Algumas células T são microscópicas, mas no tamanho certo para se imiscuir e destruir células infectadas; outras convencem células imunes chamadas células B a produzirem anticorpos que atacam o vírus.

Na primeira vez que um vírus infecta o corpo, a resposta é fraca. São necessários vários dias para o sistema imune separar quais são as células T mais apropriadas para a tarefa, Mas encontros subsequentes normalmente levam a uma resposta mais vigorosa e mais rápida graças a força reserva das células T chamada memória, que perdura depois de a ameaça inicial ter passado e elas conseguem agir de novo e rapidamente.

Normalmente este processo se desencadeia melhor quando as células T precisam combater novamente o mesmo patógeno. Mas são mais flexíveis do que se pensa, disse Laura Su, imunologista e especialista nesse campo na universidade da Pennsylvania. Se estas células têm a possibilidade de capturar algo que possui uma forte semelhança com seu germe de escolha, elas se levantam para lutar mesmo que o invasor seja totalmente novo.

Em teoria, as células T com reatividade cruzada "protegem como qualquer vacina", disse Smita Lyer, imunologista da universidade da Califórnia, que vem estudando respostas imunológicas ao novo vírus em primatas. Estudos anteriores mostraram que essas células podem proteger as pessoas contra diferentes tipos de vírus da influenza e talvez confiram um traço de imunidade contra o vírus da dengue ou da Zika, que são da mesma árvore genealógica.

Isto é menos claro no caso do coronavírus, disse Alessandro Sette, imunologista do La Jolla Institute. Os pesquisadores descobriram que pessoas nos Estados Unidos, Alemanha, Holanda, Singapura e Reino Unido que nunca foram expostas ao novo coronavírus que possuem células T que reagem a ele em laboratório.

Os estudiosos estão ávidos para entender a histórias dessas células, porque ela pode revelar quem tem mais probabilidade de tê-las no corpo. Um número crescente de evidências, incluindo dados publicados esta semana na revista Science por Sette e seus colegas, aponta para coronavírus comuns em gripes como uma fonte potencial. Mas mesmo vírus não relacionados podem ter características similares e os pesquisadores poderão nunca saber com certeza o que originalmente "impulsionou seu desenvolvimento", afirmou Avery August, imunologista da Cornell University.

Seja qual for a origem das células T, sua mera existência é uma notícia encorajadora. Há muito mais coisas no tocante ao sistema imune do que as células T, mas mesmo a semelhança de uma imunidade preexistente pode indicar que pessoas que recentemente tiveram uma gripe comum poderiam combater mais facilmente um membro mais nocivo do clã de coronavírus.

As células T sozinhas não serão suficientes para aniquilar uma infecção ou doença. Mas podem aliviar os sintomas do coronavírus em pessoas que as portam, ou ampliar a proteção oferecida por uma vacina.

As células T também são orquestradoras especializadas. Dependendo dos sinais que enviam, elas sincronizam células e moléculas de partes as mais varias do sistema imune com vistas a um ataque em equipe para reprimir os ataques e o corpo retornar ao ponto de partida. Mas se acontecer de as células T com reatividade cruzada procurarem apaziguar a resposta, elas podem suprimir a defesa imune de uma pessoa, antes de ele ter a chance de entrar em ação, disse August.

E novamente, existem muitos tipos de células T e todas operam como parte de um sistema imune complexo. "É quase como se algumas pessoas estejam tentando dizer que é "bom" ou "mau", disse Su. "Provavelmente a questão envolve mais nuances", disse August./ Tradução de Terezinha Martino

Estadão
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