PUBLICIDADE

Coronavírus

"Não é para correr até a farmácia por dexametasona"

Corticoide teve bons resultados em testes clínicos para pacientes internados com coronavírus

17 jun 2020 - 05h09
(atualizado às 07h37)
Compartilhar
Exibir comentários

Os testes clínicos do Reino Unido que mostraram resultados promissores no uso do corticoide dexametasona em pacientes internados com covid-19 deixaram médicos e pesquisadores no Brasil animados, mas especialistas ouvidos pelo Estadão recomendaram atenção. Primeiro ao fato de os detalhes do estudo ainda não terem sido divulgados. Em segundo, ao perfil dos pacientes que se beneficiaram no estudo.

Considerado serviço essencial, farmácias continuam abertas
Considerado serviço essencial, farmácias continuam abertas
Foto: LUCAS COLOMBO / AGIF - AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO

O pneumologista Fred Fernandes, do Hospital das Clínicas de São Paulo e presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia, alerta que os resultados do estudos, apesar de promissores, não são justificativa para corridas às farmácias. O remédio, conforme os resultados do estudo, é de uso hospitalar.

"A dexametasona mostrou redução na mortalidade de quem precisa de ventilação ou está com o oxigênio baixo, mas em quem não têm essas condições, nos quadros mais leves não houve benefício. Não é para o cara que recebe um diagnóstico e é mandado para casa passar na farmácia e comprar", afirma o pneumologista Fred Fernandes, do Hospital das Clínicas de São Paulo e presidente da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia.

O médico intensivista Luciano Azevedo, do Sírio Libanês, que é o principal investigador do estudo que está sendo conduzido no Brasil com a droga, também frisa esse risco e alerta que o estudo Recovery, do Reino Unido, não é indicativo para uma corrido às farmácias. Ele teme que médicos que não sejam pesquisadores prescrevam para pacientes que não tenham as as condições demonstradas com benefício no estudo. Houve redução de 33% do risco de morte para pacientes graves, submetidos à ventilação, e de 20% para pacientes que precisavam de oxigênio. Não houve benefício para casos leves.

"Quando o estudo for publicado, se o benefício ficar claro, será para usar o medicamento em hospital. Não é para todos, nem para prevenção", diz Azevedo.

"Não é uma cura. Houve redução da mortalidade, mas houve pacientes que morreram mesmo com a medicação. E esse é um recurso a mais para ser usado dentro de toda a estrutura de saúde. O melhor tratamento ainda é ter terapia intensiva funcionando e adequada. Não adianta ter uma droga e não ter UTI boa. Mas o fato de ver uma medicação na qual temos já experiência de uso, com a qual sabemos manejar e contornar os efeitos colaterais, com bons resultados, é um alento", complementa Fernandes.

Para a bióloga Natália Pasternak, do Instituto de Biociências da USP, essa talvez seja a melhor notícia da pandemia até o momento. "É de um grupo sério, que fez um estudo robusto, com muita gente, randomizado, com grupo controle, foi feito com calma. Tem as vantagens de ser um estufo feito com rigor científico. É a primeira droga que aparece que tem o potencial de salvar a vida de alguém", diz, antes de ponderar: "Mas a comunidade científica quer ver o estudo."

Clovis Arns da Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, também se empolgou. "Finalmente temos uma boa nova", disse em nota à imprensa. Ele destacou que a medicação é barata e de acesso universal e o fato de o estudo clínico inglês ser randomizado e com grupo controle, o que aumenta a segurança sobre os resultados.

"Diferentemente da cloroquina, a dexametasona é um medicamento com plausibilidade biológica para que seja adjuvante no tratamento da covid-19. Os resultados anunciados mostram diferença expressiva de mortalidade. No entanto, para que essa medicação seja realmente tão efetiva na vida real quanto foi no estudo científico, os cuidados intensivos oferecidos em nossas UTIs precisam ser de alta qualidade. O básico precisa ser bem feito para que a dexametasona possa realmente salvar um terço dos tratados", afirma o médico e pesquisador Ricardo Schnekenberg, que tem acompanhado de perto os estudos clínicos contra a doença.

A infectologista Rosana Richtmann, da Sociedade Brasileira de Infectologia, alertou para os riscos para a saúde provocados pelo corticoide. "Exatamente por ter uma potente ação antiinflamatória, ele pode também diminuir a nossa defesa. Paradoxalmente, quem toma corticoide em dose alta ou por muito tempo, pode inclusive ter complicações infecciosas, como problemas de osteoporose, diabetes, reduzir a resposta imune, retenção de líquido, engorda", afirmou. "É muito importante falar dos efeitos adversos, para as pessoas não irem às farmácias comprar e se entupir de corticoides por conta própria."

O que é a dexametasona

É um corticoide usado contra doenças reumatológicas, como artrites, e alérgicas, como asma. Ele atua como um potente anti-inflamatório. No Brasil, o produto de referência é o Decadron, mas também há versões genéricas.

Efeitos colaterais

O uso indiscriminado do medicamento, de forma crônica, pode causar vários problemas como retenção de líquidos, levando à hipertensão; hiperglicemia e descompensação de diabete. O remédio também é um imunossupressor, diminuindo as defesas próprias do organismo.

Limitações do estudo

O ensaio clínico no Reino Unido mostrou que a dexametasona só reduziu a taxa de mortalidade de pacientes graves de covid-19, que dependam de ventilação ou estejam com oxigenação baixa. A aplicação recomendada é hospitalar. Não há indicação para casos leves nem para prevenção.

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade