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Mas quanto vale?

Nossa cultura não dá muita importância ao gerenciamento de risco

10 fev 2019 - 03h12
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Dias difíceis para escrever uma coluna tratando do desastre da Vale em Brumadinho (MG). Duas semanas depois é tarde para discorrer sobre os impactos agudos e cedo para refletir sobre consequências tardias. Decorrido esse prazo, o assunto ao mesmo tempo parece velho - como se tudo o que houvesse para ser dito já tivesse sido - e urgente - como se não fosse possível parar de falar sobre isso. 

São muitas as camadas que compõe o assunto, da reação aguda, o estresse, chegando ao estresse pós-traumático, das responsabilidades individuais às coletivas, do luto pelas pessoas que se foram até por um modo de vida inteiro que se vai. Além da condenação da ganância que, alegam muitos, estaria por trás da construção de uma barragem mais barata e de sua precária manutenção. 

Esse ponto me chama atenção. Não sabemos exatamente o que aconteceu, quais as causas, portanto não podemos saber ao certo quais erros levaram ao desastre. Inocência seria acreditar que um erro isolado seria suficiente para causar tamanha tragédia. Como numa queda de avião, só uma sucessão de erros é capaz de explicar como uma das maiores empresas do mundo se envolve num acidente resultando em prováveis mais de 300 mortos.  

A investigação possivelmente chegará a conclusões com um formato mais ou menos assim: tratava-se de uma construção inadequada. Ao menos para aguentar uma situação rara, mas possível. O risco não havia sido devidamente apontado. Ou, se foi detectado, considerou-se que ele era pequeno demais para justificar qualquer ação. Finalmente: tal situação rara, mas possível, aconteceu. Os sistemas de segurança não estavam adequadamente preparados para o que era considerado improvável. 

Apontar a ganância como única responsável por um evento complexo como a queda de uma barragem é muito simplista. Não estou justificando ninguém: imagino quem construa uma barragem tenha responsabilidade objetiva por mantê-la em pé. 

Responsabilidade objetiva, no caso, significa que o sujeito responsável pela barragem - pessoa física ou jurídica - responde civilmente por sua queda independentemente de ter culpa. (Já do ponto de vista penal - até onde entendo, leitores poderão me corrigir -, o crime depende de culpa). Voltando: não é possível isolar um erro que explique desfechos complexos. 

Nossa cultura não dá muita importância ao gerenciamento de risco. Depois que a tragédia aconteceu, é fácil apontar que os riscos assumidos eram elevados. Mas, em geral, somos resistentes quando se trata de investir agora para prevenir acidentes no futuro. Veja, por exemplo, nossa legislação sobre prevenção de incêndios. De quantos treinamentos de evacuação do prédio você já participou? Se foi um dos poucos que o fez, quantos colegas viu reclamando daquela perda de tempo? 

Mais: não há no País uma lei que obrigue a instalação de detectores de fumaça em comércios ou residências. Aliás, pesquisando para esse artigo, fiz uma rápida consulta ao Google sobre o mercado desses aparelhos. O que chamou minha atenção é que, ao digitar "comprar detector de", o buscador sugeriu "metais", "ouro", "tensão", "metais no Brasil" antes de chegar a "fumaça". Talvez a ganância vir antes de segurança não seja tão raro entre nós. 

Não sei se fruto da pouca educação de que padecemos, das carências imediatas que o País vive, ou da relativa raridade de catástrofes naturais, o fato é que parece que não importamos coletivamente com riscos. Mas nos importamos com lucro. Claro que as pessoas variam, mas, na média, somos assim. 

Talvez tão possível como haver uns poucos culpados que desempenharam grandes papéis no desastre em Brumadinho é existir uma longa lista de envolvidos, desempenhando papéis minúsculos, mas que foram tomando decisões que negligenciavam riscos quase banais. Insuficientes para qualquer um se sentir culpado. Isoladas, tais decisões significavam pouco. Em sequência, culminaram num luto sem precedentes.

* É PSIQUIATRA

Estadão
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