PUBLICIDADE

De malas prontas, médica cubana vende os móveis em SP

Em outros pontos do País, profissionais dispensados também deixam postos de atendimento

21 nov 2018 - 03h11
(atualizado às 09h17)
Compartilhar
Exibir comentários

A médica cubana Evelyn Fernandes, de 28 anos, foi liberada do atendimento numa Unidade Básica de Saúde (UBS) de São Miguel Arcanjo, interior de São Paulo, para cumprir tarefas que nada têm a ver com sua profissão. Em lojas de móveis usados de Sorocaba, ela tentava vender geladeira, cama e outros acessórios de sua casa para voltar para Cuba. Depois de um ano e meio atendendo principalmente a população rural da cidade, ela soube da decisão do governo cubano de interromper o programa Mais Médicos. "Devo embarcar segunda ou terça da próxima semana, estou só esperando a passagem", disse.

Dos sete médicos cubanos que o programa destinou a São Miguel Arcanjo, cidade de 33 mil habitantes, cerca de um terço na zona rural, seis já foram notificados para retornar a Cuba. "Não sei o que vai acontecer, porque a gente fazia muito atendimento. Eram vinte ou mais consultas todo dia. Tem idosos e crianças que acompanho desde que cheguei." A médica, que já atuou três anos na Venezuela, disse que vai de "coração partido", porque gosta do Brasil.

Colega de Evelyn no Programa Saúde da Família (PSF) de São Miguel Arcanjo, a médica cubana Lissete Romero Quiñones, de 32 anos, vai permanecer no Brasil. Ela foi enviada à cidade pelo Mais Médicos em 2014 e, em julho de 2016, casou-se com um administrador de empresas brasileiro. "Por ser casada aqui, o governo cubano mandou uma declaração de que posso ficar, mas ainda tenho muita incerteza. Tenho contrato até 31 de dezembro, mas e depois?"

Lissete ainda não tem a cidadania brasileira, mas por ser casada aqui, espera que o governo permita que ela entre na contratação emergencial que vai suprir as vagas abertas pela saída dos cubanos. "Eu gostaria de continuar trabalhando até conseguir fazer o Revalida."

A secretária da Saúde de São Miguel Arcanjo, Kátia Raskevicius, disse que o impacto da saída dos seis médicos cubanos só será avaliado na próxima semana. "São 162 atendimentos que deixarão de ser feitos por dia. Estamos esperando que o governo federal reponha o mesmo número de profissionais, através da contratação emergencial."

Segundo a secretária, o município não tem condições financeiras de contratar os médicos necessários para manter o mesmo atendimento. "Entramos no programa justamente porque não conseguíamos trazer médico para cá."

Médicos cubanos começam a deixar seus postos

Nos municípios de Viamão, Gravataí, Canoas, São Leopoldo e Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre, profissionais cubanos do programa Mais Médicos já começaram a deixar os postos de saúde nesta terça-feira, 20, após receberem do governo de Cuba o comunicado sobre o encerramento do convênio. A logística de retorno deve ficar a cargo da OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde).

Na cidade de Viamão, pela manhã, apenas quatro dos 13 médicos cubanos que trabalham nos postos de saúde apareceram para trabalhar. De acordo com o secretário municipal da Saúde, Luís Augusto de Carvalho, as consultas medicas agendadas para esta terça-feira, 20, foram remarcadas para os próximos dias. "Fomos pegos de surpresa. Não estávamos esperando uma saída tão rápida assim. Tínhamos a informação de que parte dos médicos deixariam o país em 25 novembro e outra em 25 de dezembro", disse o secretário à reportagem do Estado.

De acordo com Luís Augusto, devido à ausência destes médicos cubanos, cerca de 2 mil pessoas deixarão de ser atendidas mensalmente nas unidades de saúde da cidade. Já o impacto financeiro que isso causa nos cofres públicos, caso a prefeitura tenha que contratar emergencialmente novos médicos, gira em torno de R$ 320 mil mensais. "Se tivermos que contratar médicos pela empresa terceirizada, dentro das normas da CLT, teremos um gasto inviável, não temos condições", explicou. Com o programa Mais Médicos inserido no município, Viamão gastava em media R$ 40 mil mensais pelos serviços prestados.

A expectativa do secretário municipal da Saúde, Luís Augusto de Carvalho, é de que médicos brasileiros se candidatem o mais rápido possível para as 630 vagas publicadas no edital para o Programa Mais Médicos.

Ouvido pela reportagem, o médico cubano Orelvi Carrazana Lopes, 46 anos, lamentou ter de deixar o trabalho em Viamão, por onde atuou por mais de quatro anos. No entanto, Orelvi ressaltou que não irá desistir de sua profissão. "Vou seguir buscando trabalho aqui no Brasil. Sou formado em medicina há 21 anos e estou casado aqui", afirmou o médico, que recebeu o comunicado de seu governo sobre o encerramento do programa.

Antes de vir para o Brasil, Orelvi Carrazana Lopes trabalhava em um hospital na cidade de Cienfuegos, na região central de Cuba. Sobre as experiencias profissionais adquiridas aqui no Brasil, o medico cubano, humildemente, afirmou que tem sempre muito que aprender. "Aqui todo dia aprendo algo com os enfermeiros, com os colegas de trabalho. Gosto de trabalhar com brasileiros, são carismáticos, parecidos com os cubanos", comentou o cubano que mantém contato periodicamente com sua família em Cuba, seja telefone ou internet.

Em São Leopoldo, oito postos de saúde tiveram os atendimentos prejudicados nesta terça-feira, 20, após a saída de 13 médicos cubanos. Segundo o secretário de Saúde da cidade, Ricardo Charão, o atendimento nestas unidades será mantido com o trabalho de enfermeiros, técnicos em enfermagem entre outros profissionais da área da saúde. Em Canoas, a prefeitura já publicou o edital para a contratação de novos profissionais que irão substituir os médicos cubanos, no entanto "a procura pela oferta tem sido abaixo do esperado", diz a nota. No município, oito caribenhos deixaram de prestar atendimento nesta manhã nos postos de saúde. A reportagem tentou contato com a prefeitura de Canoas, que não atendeu aos chamados.

Já nos municípios de Gravataí e Cachoeirinha a situação não foi diferente. Em Gravataí, dos 36 profissionais da saúde que fazem parte do programa Mais Médicos, 17 médicos são cubanos. O grupo chegou na cidade entre os meses de novembro e dezembro de 2013. De acordo com a prefeitura, na manhã desta terça-feira, 20, todos os 17 não compareceram aos postos de trabalho devido ao comunicado do governo Cubano informando-lhes que deveriam encerrar os serviços de imediato. Com esta decisão arbitraria, 5.100 consultas mensais ficaram indisponíveis para a população em 11 unidades de saúde. Para driblar provisoriamente o problema, a prefeitura de Gravataí convocou os sete últimos médicos, que foram aprovados no último concurso público, para preencher as vagas antes ocupadas pelos estrangeiros.

Na cidade de Cachoeirinha, a prefeitura informou que está estudando um remanejamento para que os postos de saúde não fiquem sem atendimento. Dos seis médicos cubanos que prestam serviço no município, dois devem deixar o país ainda nesta sexta-feira, 23. Já os outros colegas aguardam orientações da Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS. Com a saída geral destes profissionais, as unidades de Estratégia de Saúde da Família Otacílio Silveira e Jardim Betânia ficarão desassistidas.

Veja também

Mileva Einstein: A história da física brilhante que não ganhou crédito por contribuir com trabalho do marido:
Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade