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Corrente do bem renasce para salvar Manaus da covid com ajuda de influencers e até times de futebol

Com explosão de casos, grupos se organizam pelas redes sociais para captar doações e garantir abastecimento de cilindros de oxigênio

25 jan 2021 - 14h10
(atualizado às 14h48)
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MANAUS - Quando começaram a surgir as primeiras denúncias de falta de oxigênio nos hospitais em Manaus com a explosão de casos de covid-19 há duas semanas, vários grupos de voluntários passaram a se organizar nas redes sociais para captar doações e garantir o abastecimento de cilindros. O grupo @correntedobemmanaus_, por exemplo, atraiu em uma semana 6 mil seguidores. É um dos mais acessados por ter as informações mais preciosas: uma tabela atualizada diariamente pela estudante Lohana Cavalcante com telefones de contato de todos os fornecedores de oxigênio de Manaus, dividido por cores. A vermelha, de locais sem estoque, tem a maior quantidade de linhas.

"Quando começou a faltar oxigênio e leitos nos hospitais, comecei a receber muitos pedidos de informação porque trabalho com logística, daí tive a ideia com Lohana e outros amigos de formar o 'correntes do bem', para que a gente pudesse colocar ali informações de todos os equipamentos que alguém precisa para montar quase uma UTI em casa", contou a servidora pública Thaianne Sampaio. No Instagram, os stories são numerosos, com telefones de loja com oxímetros, bipap e outros equipamentos. Segundo Thaianne, ela e outros cinco amigos têm o login e senha para atualizarem constantemente as informações.

Ao saber que não havia sequer um posto de saúde no bairro manauara Parque das Tribos, onde vivem mais de mil famílias de 35 etnias, como Baré, Wanano, Sateré-Mawé e Tukano, a arqueóloga Tammy Rosas ressuscitou um grupo de cerca de 20 amigos que tinha se mobilizado para fazer doações em um incêndio no bairro Educandos em Manaus, em 2019, que destruiu mais de 600 casas.

"Desde o dia 14, quando começaram as notícias da falta de oxigênio, começamos a nos mobilizar para arrecadar doações e dinheiro para comprar cilindros de oxigênio, EPIs e vários outros materiais para montarmos uma espécie de hospital de campanha numa quadra", contou. Na quadra, há redes e tubos de oxigênio onde estão "internados" quatro indígenas. Na falta de médicos, se revezam estudantes de medicina e enfermagem finalistas, também voluntários. "Não podemos ficar esperando pelo poder público, se queremos ajudar, precisamos nos movimentar".

Começando numa mobilização no grupo de amigos de futebol do estudante de direito Victor Angelim, de 23 anos, já foram arrecadados em menos de uma semana mais de R$ 95 mil que já foram usados para comprar máscaras VNI, luvas, remédios, água e diversos outros materiais entregues diretamente para hospitais de Manaus, com prestação de contas no Instagram @amigospebolfd. "Fiquei internado por covid em setembro passado, o pior período da minha vida, e na noite de 14 de janeiro, quando soube da falta de oxigênio, o mesmo que precisei no hospital, comecei a mobilizar os amigos no grupo de futebol na faculdade", conta Victor. O grupo tem crescido, tanto em voluntários para fazer as entregas como para doações em dinheiro e equipamentos.

Algumas empresas de Manaus também fizeram doações, como a Bemol, rede de lojas de departamento, e a Essilor, empresa francesa que fabrica lentes de contato na Zona Franca de Manaus. "A Essilor tem poucos funcionários em Manaus, mas todos se mobilizaram. Além da doação de 150 cilindros de oxigênio, fizemos doação de 250 cestas básicas, R$ 50 mil reais em equipamentos médicos e emprestamos nossa impressora 3D pra confecção de EPIs", conta a funcionária Paula Certo. "Infelizmente faltaram 38 dos 150 cilindros que doamos, que o governo federal confiscou no Galeão (RJ), e não temos informação para onde foi destinada", lamenta.

Interior

As correntes de solidariedade se espalharam por Manaus e pelo interior do Amazonas, de atendimento psicológico e fisioterapêutico até doação de sopa em hospitais e distribuição de cilindros para o interior. O projeto "Quem Ama Cuida" foi iniciado pelo grupo A Gente Cuida e pelas psicólogas Gláucia Dias e Cintia Seabra para ajudar pessoas da cidade de Iranduba, a 20 quilômetros de Manaus. Eles realizam atendimento gratuito de fisioterapia e psicologia por meio de chamadas de vídeo desde o início da chamada segunda onda da pandemia, no começo de janeiro deste ano. Atualmente 75 psicólogos e 35 fisioterapeutas ajudam na causa, por chamadas de vídeo ou telefone.

A estudante Camila Belmiro, do grupo Vidas Irandubenses, é responsável pelas arrecadações no município, que chegam até do Rio e de São Paulo, e conta que, no início, as doações eram financeiras, mas com o passar do tempo ficaram mais amplas. "Tivemos muitas doações de materiais de limpeza, EPIs, medicamentos e insumos hospitalares no geral. Também diariamente levamos alimentação para as pessoas no hospital, as que ficam externas e acompanhantes", explica Camila, que esteve em Manaus, em filas de empresas de gás, atrás de cilindros de oxigênio para o hospital da cidade, "estávamos tendo muito trabalho, as vezes passando o dia inteiro na fila na empresa Carboxi para recarregar um cilindro", relata a estudante.

Gláucia Dias é de São Paulo e veio passar férias no Amazonas em dezembro, quando contraiu a covid-19. "Um dia eu passei mal e tive que ir ao hospital. Vi o caos que estava aqui. Quando fiquei boa, comecei a trabalhar como voluntária no hospital", relata Gláucia, que vai ao Hospital Hilda Freire, em Iranduba, duas vezes na semana.

O Grupo Esperança se espalha entre as zonas de Manaus para entregar 500 refeições em unidades hospitalares, intensificadas e diárias na semana mais crítica que faltou oxigênio. Segundo a fisioterapeuta Simone Silva, membro do grupo, as refeições são preparadas na casa dos 12 voluntários e distribuídas.

Os grupos Influ do Bem e #NósAssumimos são alguns dos coletivos que têm ajudado Manaus e cidades do interior desde a crise da falta de oxigênio. A influenciadora digital Bárbara Campbell conta que iniciou os trabalhos no Influ do Bem com as amigas Amanda Monteiro e Camila Levandoski. "Tivemos essa notícia de que o oxigênio estava acabando e pensamos em fazer lanches para entregar, tanto para os acompanhantes que estão nesses hospitais, quanto para os profissionais de saúde", explicou. O grupo recebeu doações de empresas e arrecadou R$ 10 mil para realizar as doações em uma semana.

Em Parintins, a 269 quilômetros da capital, uma arrecadação de mantimentos iniciada no dia 15 de janeiro pela profissional autônoma Rê Feijó para o Hospital Regional Dr. Jofre Cohen, segundo Rê, foi negada pela diretora do hospital e direcionada para outro hospital. "Dessa forma, doamos todos os alimentos arrecadados para o outro hospital, o Padre Colombo, que é uma entidade filantrópica e estava recebendo também pacientes de covid", explica Tereza Almeida, que ajudou na divulgação da arrecadação.

Desde o início da segunda onda da pandemia em Manaus, no início de janeiro, o grupo SOS Manacapuru tem concentrado ações de solidariedade na cidade, que fica a 70 quilômetros de Manaus. O grupo conta até com uma central de distribuição, segundo Raely Cardoso, representante do movimento. "Temos um centro de distribuição onde concentramos todo o material, catalogamos e fazemos a separação dos kits pra distribuição. Assim, conseguimos organizar todas as doações por categorias e prioridades. O grupo recebe doações em dinheiro e de matérias de necessidade básica, e as doações estão vindo até de Portugal, Suécia e Canadá. A comunidade brasileira nesses lugares é muito forte e tem se mobilizado bastante para nos ajudar", afirma Raely.

Estadão
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