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Coronavírus: Brasileiros retidos na Índia racionam comida e são hostilizados por serem 'gringos'

Os relatos dramáticos foram enviados à reportagem por um grupo de aproximadamente 150 brasileiros que estão retidos no País que está em quarentena

26 mar 2020 - 15h53
(atualizado às 16h44)
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BRASÍLIA — Rodrigo Airaf, de 26 anos, foi expulso de dois hotéis nesta semana e vinha sendo hostilizado em qualquer momento que pisasse nas ruas por ser "gringo", o "culpado por disseminar o coronavírus". Wendell de Oliveira não consegue mais dormir porque sua esposa, Ana Carolina, está grávida, e ele já começou a racionar comida porque até os mercados fecharam. Vanessa Vieira não foi aceita em um hotel por ser turista e está desesperada, porque não tem previsão de voltar para casa.

Os relatos dramáticos foram enviados à reportagem por um grupo de aproximadamente 150 brasileiros que estão retidos na Índia, país que dois dias atrás deu início à maior quarentena do planeta, com ordem para que 1,3 bilhão de indianos fiquem dentro de suas casas e não pisem nas ruas. Diferentemente do que ocorre no Brasil, onde farmácias e supermercados estão abertos, na Índia o fechamento é radical. Os relatos recebidos pelo Estado de brasileiros que estão em diversas regiões daquele País são de que, em muitos locais, tudo fechou. Aqueles que saem na rua são ameaçados pela polícia.

Todos buscam uma forma de voltar urgentemente ao Brasil, mas não há voo disponível. Como não existe nenhuma rota direta entre Brasil e Índia, qualquer viagem depende de uma escala em outro país, o que complica tudo. A situação é de alerta. Os brasileiros, bem recebidos em qualquer lugar do mundo, passaram a ser hostilizados na Índia, justamente por serem de fora.

"Tenho recebido relatos de pessoas tratadas como os portadores da doença, porque são estrangeiros. Tentei arrumar lugar para dormir em dois hotéis. Me receberam por uma noite, depois disseram que tinha de ir embora. Brasileiros contam que estão sendo xingados na rua, culpados por contaminações", diz Rodrigo Airaf, que está em Jaipur, capital do estado do Rajastão, na Índia. "Tudo que peço é que nos tirem daqui. Eu estou bem, com pessoas boas ao redor, mas há pessoas correndo sérios riscos. O governo brasileiro precisa fazer algo urgentemente."

Wendell de Oliveira conta que chegou com sua minha família há um mês em Kochi, sul da Índia. "Somos cinco pessoas, meus pais, meu irmão menor de idade, eu e minha esposa, que está grávida", relata.

Wendell conta de que, há 25 dias, tudo estava normal, com sua esposa indo ao hospital para fazer os exames de pré-natal. Nesta semana, porém, a polícia foi até a casa onde estão e os proibiu de sair, numa quarentena de 14 dias. Depois, esse prazo foi estendido por 28 dias. "Nosso isolamento é total e não podemos sair nem para comprar comida. Até ontem dependíamos de serviços de entrega, mas com a quarentena, muitos estabelecimentos fecharam totalmente. Já chegamos ao ponto de racionar comida", afirma.

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A família recebeu uma ligação por videoconferência e pediu que ele gravasse um vídeo "agradecendo pelo apoio", dizendo que depois receberia um "certificado de conclusão de quarentena", para poderem sair. "Ninguém fez nada e seguimos nessa situação alarmante. Estou preocupado com minha esposa", diz Wendell.

Tiago Luiz Mendonça chegou a Índia no dia 5 de março. "Fui convidado a me retirar pelas autoridades locais por ser estrangeiro. Eu e meu amigo mexicano fomos hostilizados. Chegaram a arremessar uma pedra enorme, tipo um paralelepípedo, no telhado de nossa anfitriã. A paranoia está criando um sentimento de repúdio ao estrangeiros e turistas", diz.

Petição

Em desespero, o grupo de brasileiros criou uma petição online no site Avaaz, onde pedem ao governo brasileiro que tome uma atitude urgentemente, porque a situação de hostilidade tem aumentado na Índia. É uma tentativa de sensibilizar o governo e chamar a atenção para a situação. Há ainda um número de brasileiros que estão sem ter como saírem do Nepal, localizado na borda norte da Índia. Apesar das hostilidades, os brasileiros também têm encontrado apoio em alguns locais que os recebem.

Sem opção de voo comercial ou acesso por países europeus ou asiáticos, eles pedem o apoio de aviões da FAB, como o governo brasileiro fez com o grupo que estava em Wuhan, na China.

"Todos os mercados estão fechados, comprar comidas e coisas de necessidades básicas está quase impossível. Estou no ponto de racionar comida por aqui. Eles fecharam tudo", diz Mariana Lemos. "A polícia está mandando pessoas para casa, às vezes batendo nelas com pedaço de pau, é extremo. Sem contar a reação negativa com os estrangeiros, que ao ver deles, estamos todos contaminados. Já é motivo pra comentar de forma ofensiva e grosseira. Só queremos ir pra casa!"

Os pedidos de socorro também chegam da região do Everest, no Nepal. "A gente está aqui, presos no Nepal, em uma vila chamada Lukla, na região do Everest", diz Nathan C. "Nós estamos presos aqui nessa região que tem escassez de energia, água e recursos médicos. Precisamos voltar pra Kathmandu, capital, para depois tentar voltar pra casa. Estamos fazendo um apelo para que as autoridades responsáveis nos ajudem nessa situação."

Sem prazo

A reportagem questionou o Itamaraty sobre o que o governo fará com os brasileiros retidos na Índia e Nepal. Por meio de nota, o Ministério de Relações Exteriores declarou que "trata-se de situação excepcional que torna impossível a elaboração de cronograma preciso dos voos ou do atendimento imediato de todas as demandas existentes".

Segundo o Itamaraty, a Embaixada do Brasil em Nova Delhi, capital da Índia, "continua trabalhando para assegurar o retorno de todos os brasileiros atingidos pelas restrições de movimentação e negociando com todas as empresas aéreas nas quais os brasileiros retidos possam retornar ao país".

Para os brasileiros que estão na região, o Itamaraty recomenda entrar em contato com o Grupo Especial de Crise. O número para casos na Ásia e Oceania é +55 61 98260-0613. Informações também estão sendo publicadas no site da Embaixada do Brasil em Nova Delhi.

"O Itamaraty, com o apoio da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) e do Ministério do Turismo, já atuou para possibilitar o retorno, até o dia 25 de março, de mais de 6.700 brasileiros ao redor do mundo. O Itamaraty continuará trabalhando, sem interrupção, para assegurar a volta ao Brasil de todos os nacionais retidos no exterior em decorrência da pandemia", afirmou.

Estadão
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