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Comunidades pobres criam 'gabinetes de crise' e reivindicam ajuda contra novo coronavírus

Cidade de Deus já teve uma morte confirmada e há suspeita de outros 60 casos em favelas. Pelo menos dois milhões de pessoas vivem nesses locais no Rio

25 mar 2020 - 13h11
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RIO - Algumas das principais comunidades do Rio já têm "gabinetes de crise" criados para minimizar os impactos do novo coronavírus. Até agora, uma morte foi confirmada oficialmente na Cidade de Deus, na zona oeste, mas há pelo menos outros 60 casos sob suspeita de contaminação pela doença em favelas. Dois milhões de pessoas - 13% dos moradores do Estado - vivem nessas áreas, as mais vulneráveis socialmente, da capital fluminense.

"As lideranças locais se uniram para distribuir produtos de higiene pessoal e cesta básica a população mais vulnerável, os desempregados e os autônomos que não estão conseguindo trabalhar", explicou Salvino Oliveira, da Cidade de Deus.

Moradores da comunidade temem que o impacto seja muito maior do que o divulgado. Nas redes sociais denunciam que haveria um número muito maior de infecções do que o registrado oficialmente. Ainda segundo as denúncias, casos da covid-19 estariam sendo diagnosticados na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) local como gripe comum. Os pacientes estariam sendo mandados para casa, mesmo com suspeita da doença.

A prefeitura informou que as UPAs estão seguindo as recomendações do Ministério da Saúde: manter em isolamento caseiro os casos mais brandos e direcionar para testagem e internação somente os casos mais graves.

O grande temor é que o impacto da epidemia seja muito mais grave e letal nas áreas mais carentes. A alta densidade populacional, as casas pequenas com muitos moradores e a falta de saneamento básico tornam mais propícia à disseminação rápida do novo coronavírus.

Além disso, há um impacto econômico severo. Enquanto boa parte da classe média consegue trabalhar em casa, a maioria dos moradores das favelas é autônomo. Não conseguem por causa das medidas de distanciamento social, fechamento do comércio e restrição dos transportes. Como não conseguem trabalhar, ficam sem renda.

Em algumas favelas, traficantes e milicianos impuseram toques de recolher e o fechamento do comércio e bares locais, com ameaças à população. "Pessoal fiquem (sic) em casa. A coisa tá ficando séria e tem gente que tá levando na brincadeira", diz o comunicado distribuído na Rocinha. "Vocês vão ficar em casa por bem ou por mal."

"Eu não consegui trabalhar esta semana porque ninguém quer que eu vá, né?", afirmou uma manicure autônoma, que trabalha na casa das clientes, moradora da comunidade do Vidigal, na zona sul. "Mas eu não posso ficar muito tempo parada, estou pensando no que vou fazer daqui a duas ou três semanas, vou de máscara, vou de luva, mas tenho que ir."

Na manhã desta terça-feira, 24, mais de 40 lideranças de comunidades do Rio se reuniram com o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos, para discutir a situação da população mais pobre diante da epidemia. O uso de navios da Marinha e hotéis para isolar idosos e outras pessoas mais vulneráveis é cogitado.

"Precisamos discutir diversas medidas. O navio é uma delas. É preciso que o movimento seja organizado e compartilhado com as diferentes esferas, envolvendo também as prefeituras de cada município e, principalmente, o governo federal", explicou o secretário.

Comunicados orientam população nas favelas sobre o novo coronavírus
Comunicados orientam população nas favelas sobre o novo coronavírus
Foto: Reprodução / Estadão

O prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) anunciou nesta terça-feira, 24, que vai abrir mil vagas em hotéis para idosos que moram em comunidades. O programa começa nesta quarta-feira, 25.

"São pessoas com alto risco de pegar a doença e elas estão em aglomerações involuntárias ", explicou o prefeito. "São pessoas que moram em comunidades, em casas muito próximas às outras e com muitas pessoas dentro de cada casa."

A identificação das pessoas mais vulneráveis será feita pelas equipes de Saúde da Família da prefeitura.

"Fizemos reuniões com donos de hotéis para estabelecer entrada, saída e preço das diárias", disse Crivella. "Acredito que isso comece a funcionar amanhã ou depois de amanhã, com as pessoas entrando nos hotéis."

O governo estadual sancionou esta semana alguns projetos voltados a minimizar os impactos sociais e econômicos da crise sanitária entre a população mais pobre. Entre eles, a proibição da interrupção de serviços essenciais (água, luz e gás) por falta de pagamento durante o período da epidemia. Foram aprovadas também bolsas de auxílio para famílias de alunos da rede pública que estão com as aulas suspensas, além da distribuição de cestas básicas.

A partir desta semana, a Cedae, companhia estatal de água e esgoto, manda para as ruas, em caráter emergencial, 40 novos caminhões-pipa alugados para atender prioritariamente a comunidades da Região Metropolitana do Rio.

De acordo com balanço do Ministério da Saúde divulgado nesta terça-feira, o Rio de Janeiro é o segundo estado do País em casos confirmados do novo coronavírus. São 305. O Estado do Rio já tem seis mortes pela doença.

Estadão
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