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Entenda como o coronavírus ataca o cérebro

Metade dos pacientes tem registrado sintomas neurológicos, incluindo dores de cabeça, confusão mental e delírio

11 set 2020 - 15h11
(atualizado às 15h37)
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O coronavírus atinge principalmente os pulmões, mas também os rins e os vasos sanguíneos. Entretanto, metade dos pacientes tem registrado sintomas neurológicos, incluindo dores de cabeça, confusão mental e delírio, sugerindo que o vírus pode também afetar o cérebro.

Como o coronavírus ataca o cérebro18/02/2020
NEXU Science Communication/via REUTERS
Como o coronavírus ataca o cérebro18/02/2020 NEXU Science Communication/via REUTERS
Foto: Reuters

Um novo estudo fornece a primeira evidência clara de que, no caso de algumas pessoas, o coronavírus invade as células do cérebro, sequestrando-as, com as cópias do vírus se multiplicando. O vírus também parece sugar o oxigênio no entorno, provocando a morte de células vizinhas.

Não está claro como o vírus chega ao cérebro ou com que frequência ele inicia esse rastro de destruição. Uma infecção do cérebro é rara, mas algumas pessoas são mais suscetíveis por causa dos seus antecedentes genéticos, uma alta carga viral ou por outras razões.

"Se o cérebro é infectado, isto pode ter uma consequência letal", disse Akiko Iwasaki, imunologista na universidade de Yale, que conduziu o estudo.

O estudo foi postado online na quarta-feira e não foi revisado por especialistas para publicação. Mas vários pesquisadores afirmam que ele é cuidadoso e sucinto, mostrando de múltiplas maneiras que o vírus pode infectar células cerebrais.

Os cientistas dependeram de imagens do cérebro e sintomas relatados pelos pacientes para inferir os efeitos sobre o cérebro, mas "não há muita evidência de que o vírus pode infectar o cérebro, embora saibamos que existe uma possibilidade potencial", disse Michael Zandi, do National Hospital for Neurology and Neurosurgery na Grã-Bretanha. "Esses dados oferecem um pouco mais de evidência de que certamente ele pode infectar".

Zandi e seus colegas publicaram uma pesquisa em julho mostrando que alguns pacientes com covid-19 desenvolveram graves complicações neurológicas, incluindo lesão de nervos.

No novo estudo, Iwasaki e equipe documentaram a infecção no cérebro de três maneiras: no tecido cerebral de uma pessoa que morreu por causa da covid-19, numa cobaia e em organóides - estruturas de células do cérebro criadas em laboratório com o fim de imitar a estrutura tridimensional do cérebro.

Sabe-se que outros patógenos - incluindo o Zika vírus - infectam células do cérebro. As células imunes inundam os locais danificados para liberar o cérebro destruindo as células infectadas.

O coronavírus é muito mais furtivo: ele explode a estrutura das células cerebrais para se multiplicar, mas não as destrói. Em vez disso, ele corta o oxigênio para as células adjacentes, causando um atrofiamento e a morte delas.

Os pesquisadores não encontraram nenhuma evidência de uma resposta imunológica para solucionar este problema. "É uma infecção silenciosa. Este vírus de muitos mecanismos de evasão, disse Iwasaki.

Essas conclusões são coerentes com outras observações de organóides infectados com o coronavírus, disse Alysson Muotri, neurocientista da universidade da Califórnia em San Diego, que também estudou o Zika vírus.

O coronavírus, ao que parece, reduz rapidamente o número de sinapses, as ligações entre os neurônios.

"Dias depois da infecção observamos uma redução dramática no volume de sinapses. Não sabemos ainda se isto é reversível ou não".

O vírus infecta a célula através de uma proteína na sua superfície chamada ACE2. Esta proteína aparece pelo corpo e especialmente nos pulmões explicando porque são alvos prediletos do vírus.

A equipe então examinou dois tipos de cobaias - um grupo com o receptor ACE2 expressado somente no cérebro e outro com o receptor apenas nos pulmões. Quando introduziram o vírus nas cobaias aquela infectada perdeu peso rapidamente e morreu em seis dias. No caso da cobaia com o pulmão infectado, nada aconteceu.

Apesar das ressalvas com relação a estudos com cobaias, os resultados sugerem que a infecção no cérebro causada pelo vírus pode ser mais letal do que a infecção respiratória, disse Iwasaki.

O vírus pode chegar ao cérebro através do bulbo olfatório - que regula o olfato - através dos olhos e mesmo do fluxo sanguíneo. Não se sabe ao certo que caminho o patógeno está tomando e se isto ocorre com a frequência suficiente para explicar os sintomas observados em pessoas.

Os pesquisadores necessitarão analisar muitas amostras de autópsias para avaliar o quão comum é a infecção e se está presente em pessoas com quadros mais leves da doença ou nas pessoas que têm os sintomas por mais tempo depois de curadas, muitas delas com uma série de sintomas neurológicos.

Entre 40% e 50% dos pacientes de covid-19 apresentam sintomas psiquiátricos e neurológicos, diss Robert Stevens, neurologista da John Hopkins University. Mas não são todos os sintomas que derivam da invasão das células cerebrais pelo vírus. Podem resultar de uma inflação generalizada por todo o corpo.

Por exemplo, a inflamação nos pulmões pode liberar moléculas que tornam o sangue grosso, entupindo os vasos sanguíneos, levando a um AVC. "Não necessidade de as células do cérebro serem infectadas para isso ocorrer, disse Zandi.

Mas no caso de algumas pessoas talvez seja o baixo nível de oxigênio no sangue devido às células do cérebro infectadas que desencadeia o AVC. "Grupos distintos de pacientes podem ser afetados de maneiras diferentes. É possível haver uma combinação de ambos".

Alguns sintomas cognitivos, como delírio ou "brain fog" (cérebro nublado) ficam mais difíceis de distinguir em pacientes que estão sedados ou submetidos a ventiladores. Os médicos teriam de diminuir os sedativos para uma vez ao dia, se possível, para avaliar os pacientes de covid-19, disse Stevens./Tradução de Terezinha Martino

Estadão
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