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Com avanço da covid-19 entre trabalhadores de frigoríficos, MP do Trabalho fechou 84 termos no País

No Rio Grande do Sul cerca de 20% dos casos confirmados de covid-19 no Estado são trabalhadores de frigoríficos; número pode ser ainda maior, levando em conta que há subnotificação

3 jul 2020 - 22h32
(atualizado em 4/7/2020 às 16h23)
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Num ambiente fechado, com baixas temperaturas, pouca circulação de ar e muitas pessoas juntas na linha de produção, os frigoríficos viraram um dos locais propícios para o avanço do novo coronavírus entre os trabalhadores. O Ministério Público do Trabalho (MPT) começou a monitorar a incidência da doença no setor e a dar orientações para evitar a disseminação, especialmente em Estados onde a atividade é importante.

Desde o início da pandemia, Priscila Schvarcz, procuradora do Rio Grande do Sul e gerente nacional adjunta do Projeto Frigoríficos do MPT, diz que já foram assinados no País 84 Termos de Ajuste de Conduta (TACs) com frigoríficos. Por esse termo, os frigoríficos se comprometem a readequar procedimentos na indústria para evitar a contaminação dos funcionários. Só no seu Estado, que é forte no setor de frigoríficos, foram fechados 23 acordos.

Muitos estão sendo cumpridos, outros não. Há frigoríficos que viraram alvo de ação civil pública e outros foram fechados. O tamanho do problema assusta. Hoje no Rio Grande do Sul cerca de 20% dos casos confirmados de covid-19 no Estado são trabalhadores de frigoríficos. Esse número pode ser ainda maior, levando em conta que há subnotificação.

A seguir os principais trechos da entrevista.

A covid-19 já contaminou quantos trabalhadores dos frigoríficos no Rio Grande do Sul?

Temos hoje 5.382 trabalhadores diretos em 34 plantas do setor de frigoríficos confirmados com covid-19 e cinco mortes. Isso representa cerca de 20% de todos os casos do Rio Grande do Sul. Nesse número não estão considerados os infectados que tiveram contato direto com esses trabalhadores. Em muitos municípios gaúchos, tivemos o início do surto com trabalhadores do setor de frigoríficos. A interiorização da doença no Estado está muito ligada aos frigoríficos. Uma das características do setor é empregar trabalhadores de muitos municípios vizinhos pequenos. Temos visto surtos muito impactantes na saúde pública local vindos do setor de frigoríficos no oeste de Santa Catarina, oeste do Paraná, Mato Grosso do Sul , Mato Grosso, Goiás, Rondônia.

Por que os frigoríficos podem disseminar a doença?

Algumas características os tornam muito vulneráveis. São muitas pessoas trabalhando num mesmo ambiente, com baixa taxa de renovação de ar, especialmente nas áreas refrigeradas. Há muitos pontos que viabilizam aglomerações nos frigoríficos, como a entrada dos trabalhadores na empresa, embarque e desembarque nos veículos, refeitórios, vestiários, áreas de pausa. Há também fornecimento de máscaras de tecidos simples, sem qualquer certificação, sem qualquer tipo de exigência de filtragem ou coisa do gênero. Tudo isso é uma bomba-relógio para a propagação da covid-19. Estamos acompanhando surtos em outros setores, metalúrgicas, construção civil, por exemplo. Nada chega perto do que ocorre nos frigoríficos justamente porque nesses outros locais de trabalho há renovação de ar, são ambientes abertos, com pé direito alto.

O que o Ministério Público do Trabalho (MPT) está fazendo para evitar a disseminação da doença nos frigoríficos?

No dia 31 de março, o MPT, por meio do Projeto Nacional de Frigoríficos, expediu uma recomendação para o setor com uma série de medidas de prevenção. Num primeiro momento, o setor entendeu que seria exagerado, que não seria exeqüível. Houve, portanto, um atraso na implementação dessas medidas. Isso colaborou de forma nítida para o crescimento dos casos. Depois dos casos ocorridos e dos surtos, o setor tem entendido a importância da implementação dessas medidas. Tanto é que nós já firmamos 84 Termos de Ajuste de Conduta (TACs) no Brasil, envolvendo 170 mil trabalhadores do setor. No Rio Grande do Sul foram 23 TACs firmados. Além disso, temos no Estado cinco ações civis públicas ajuizadas. As empresas que optam por não assinar o TAC, nós fazemos o ajuizamento da ação civil pública. Há casos de frigoríficos que foram fechados, como a unidade do JBS de Passo Fundo (RS) que ainda está nessa condição.

Por que os frigoríficos decidiram se ajustar?

A partir de um determinado momento eles viram que não podiam manter da forma como estavam e que iriam parar pela falta de trabalhadores. Pela testagem em massa que temos feito, já identificamos de 20% a 30% dos trabalhadores contaminados numa única planta.

Os frigoríficos estão cumprindo os TACs?

Assinar um TAC logicamente não significa cumpri-lo. Assinar um TAC significa um compromisso em se adequar. Temos situações de descumprimento de TACs, temos empresas que estão cumprindo e têm feito um trabalho bem comprometido. Temos também empresas que não querem fazer absolutamente nada e só visam o lucro.

Os TACs firmados exigem testagem?

Sim e testagem periódica. Não é só uma vez e deu. Essa rotina é importante, porque vai ser possível identificar o caso e isolá-lo. Isolar também o contactante e reduzir o ciclo de transmissão.

Como o governo está atuando na regulação dos frigoríficos?

Os ministérios da Economia, da Saúde e da Agricultura publicaram uma portaria conjunta em junho, onde constam normas e ações gerais para o setor. Existem alguns pontos de avanço, mas há pontos que não controlam o surto. Nós do MPT elaboramos uma nota técnica a respeito da portaria estabelecendo todos os pontos que não concordamos por não gerarem o controle dessas plantas frigoríficas. Inclusive, alertamos que isso teria impacto nas exportações. É o que está acontecendo agora. Temos quatro plantas com exportações suspensas para a China por conta de casos de covid-19. Embora o nosso foco seja a saúde dos trabalhadores, é uma situação que não atinge só os trabalhadores. Ela atinge os familiares dos trabalhadores, a saúde pública local e a cadeia de exportação de um setor inteiro.

Quais são os pontos da portaria que o MPT discorda?

Os pontos dizem respeito às máscaras, ao distanciamento e às medidas de vigilância ativa, que são, na nossa opinião, muito tímidas. Para se ter ideia, de acordo com a portaria, um trabalhador só é suspeito de covid-19, quando tem um quadro agudo de problema respiratório. Todo mundo sabe que não precisa ter um quadro agudo de problema respiratório para ser suspeito. Basta perder o olfato. Outro ponto que batemos muito é o caso em que não se exige o afastamento dos contactantes do suspeito. Só depois de confirmado. Daí o teste é feito no SUS (Sistema Único de Saúde), porque pela portaria a empresa não precisa testar. O SUS leva um tempo para testar e quando o resultado é confirmado é que se vai buscar os contactantes que ficaram nesse período dentro do frigorífico transmitindo o vírus. São coisas que não têm o menor cabimento. Não vão proteger absolutamente ninguém: nem as empresas nem o setor. Estamos pedindo uma revisão do texto dessa portaria, apontando esses pontos.

Estadão
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