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CGU aponta irregularidades em contratos do Mais Médicos

Auditoria constatou, entre outros problemas, que R$ 316 milhões não foram usados no prazo devido

10 set 2018 - 03h11
(atualizado às 07h50)
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BRASÍLIA - Uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) aponta uma série de irregularidades e falhas no Programa Mais Médicos, mais especificamente na execução dos contratos por parte da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Entre os principais problemas relatados pelo trabalho está a falta de transparência e de comprovação do uso dos recursos repassados pelo Ministério da Saúde.

O organismo internacional, também escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS) e parte da Organização das Nações Unidas (ONU), é responsável por recrutar profissionais estrangeiros para trabalhar no País na atenção básica, sobretudo em regiões onde há dificuldade de preenchimento de vagas com profissionais brasileiros.

A sede da CGU, em Brasília
A sede da CGU, em Brasília
Foto: Agência Brasil

Análises de contratos que estavam em vigor entre setembro de 2013 e março de 2016 mostram que, dos R$ 4,1 bilhões repassados para a Opas como adiantamento, R$ 316 milhões não foram usados no período determinado. "Até agora, não houve nenhuma comprovação de que esses recursos teriam sido compensados em contratos posteriores", afirmou o coordenador-geral de auditoria da área de saúde da CGU, Alexandre Gomide Lemos.

Nesse montante constam, por exemplo, verbas repassadas para a Opas para a contratação de médicos. A auditoria da CGU identificou que entre fevereiro e novembro de 2015, a meta de preenchimento de postos não foi alcançada. Na ocasião, 1.750 vagas não foram preenchidas. "Tais problemas podem ocorrer. Mas o natural é que haja, em contratos seguintes, uma compensação com o adiantamento não utilizado", completou Gomide Lemos. O exemplo é um abatimento nos valores seguintes. "Mas até agora não foi demonstrado se tal reprogramação foi realizada."

Passagens

As análises mostraram ainda um descompasso entre os valores de passagens pagos pela Opas e pelo Ministério da Saúde. Uma comparação mostrou que, em trechos semelhantes e nos mesmos períodos, passagens declaradas pela organização para voos nacionais custaram R$ 34,8 milhões a mais do que voos declarados pelo Ministério da Saúde. A diferença entre passagens internacionais foi ainda maior: R$ 44,8 milhões a mais. As passagens são compradas para deslocamento de profissionais que integram o Mais Médicos.

Técnicos da CGU avaliam ainda que as prestações de contas realizadas pelo organismo internacional foram feitas de forma genérica, sem o detalhamento necessário para poder fazer um acompanhamento adequado dos gastos. Auditores apontam, por exemplo, a ausência de documentação para comprovar deslocamentos realizados pelas equipes. "As observações são feitas há algum tempo ao Ministério da Saúde. Por enquanto, não houve mudanças", disse Gomide Lemos.

Questionada, a Opas afirmou que ainda não havia tido acesso ao relatório e, por isso, não poderia fazer nenhum comentário. O organismo argumentou que formatos de prestação de contas variam de governo para governo e ressaltou que anualmente a entidade passa por auditorias internas e externas. Disse ainda que todos os relatórios financeiros do organismo estão disponíveis em seu site.

A auditoria da CGU diz considerar, no momento, os R$ 316,6 milhões destinados como adiantamento para a Opas como "potencial prejuízo" para os cofres públicos. "É preciso saber se houve efetiva reprogramação e uso desse valor", completou. Ao longo das auditorias, a CGU fez 19 recomendações para o Ministério da Saúde relacionadas ao Mais Médicos. Dessas, apenas 5 foram consideradas atendidas.

Nacionais

As falhas nos mecanismos do Ministério da Saúde para monitorar o funcionamento do programa e o pagamento de despesas identificadas pela auditoria não se resumem ao termo de cooperação com a Opas. A CGU também registrou falhas graves para o uso de recursos na contratação de despesas de médicos formados no Brasil ou com diploma obtido no exterior validado no País.

Os dados mostram que, de um montante de R$ 87 milhões, R$ 2 milhões foram pagos indevidamente. "São pagamentos em valores em desacordo com a faixa determinada, para profissionais que já se desligaram do programa ou até mesmo que não constavam na lista de participantes do Mais Médicos", relata o chefe de divisão da área de saúde da CGU, José Garibaldi Souza.

Além da aplicação de recursos, a auditoria apontou desobediência de critérios estabelecidos para a ocupação de vagas. Áreas consideradas mais vulneráveis e, portanto, prioritárias para o preenchimento com profissionais, foram as menos beneficiadas com o Mais Médicos.

Outra falha foi a substituição de equipes de atenção básica por médicos do programa. De acordo com a auditoria, de 222 equipes de Saúde da Família avaliadas na amostra, 44 tiveram a substituição de um profissional da equipe por um do Mais Médicos.

Até o mês que vem

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que vem respondendo às recomendações da CGU. De acordo com a pasta, o prazo para as melhorias vai até outubro deste ano. O ministério afirmou já ter requisitado o ressarcimento dos valores pagos indevidamente e ressaltou que vem "implementando mecanismos de monitoramento e controle para não reincidência dos fatos". A pasta afirmou ainda que criou um grupo de trabalho para analisar os dados de prestação de contas a cada seis meses.

Comunicação

Criado em 2013, para tentar driblar a falta de médicos na atenção básica, sobretudo em áreas mais distantes, o Mais Médicos ganhou rapidamente apoio da população e, sobretudo, de prefeitos - que passaram até a defender a ampliação de postos. Isso porque a iniciativa, além de trazer uma melhora no atendimento, ajudou a reduzir custo de prefeituras - as bolsas dos médicos integrantes do programa são financiadas pelo Ministério da Saúde.

A boa aceitação, no entanto, não foi consenso. Logo no início do programa, entidades de classe questionavam a iniciativa, a qualificação de profissionais estrangeiros recrutados para participar do programa e, sobretudo, as dificuldades que poderiam surgir na comunicação entre o médico estrangeiro e o paciente.

A auditoria da Controladoria-Geral da União, no entanto, mostrou que esse último receio era infundado. Em uma pesquisa feita com 1.064 pacientes, ficou demonstrado que a comunicação é muito boa. Somente 2% dos pacientes afirmaram que o idioma acabou trazendo prejuízos para o atendimento.

Exemplo

No Brasil desde junho deste ano, o médico cubano Yacer Diaz Fernandez comprova a estatística. À frente da Unidade Básica de Saúde de Brazlândia, cidade a 50 quilômetros de Brasília, desde julho deste ano, Fernandez já mostra desenvoltura para conversar com os pacientes. "Nas primeiras duas semanas, tive o auxílio da equipe", conta. Durante esse período, a enfermeira Sílvia Menezes esteve ao seu lado em todos os atendimentos. "Mas não era preciso, ele já chegou com um português fácil de ser entendido", diz a enfermeira.

Antes de se mudar para o Brasil, Fernandez fez cursos de português em Cuba, durante o treinamento. Ao chegar em Brasília, durante um curso oferecido pela Opas, a ênfase maior foi com questões ligadas à saúde do País. "Ali a preocupação não era o português."

Hoje, ele atende entre 25 e 40 pacientes por dia na UBS. "Os problemas maiores são doenças crônicas que fogem do controle, por falta de adesão ao tratamento", sentencia.

Sílvia não fica mais a seu lado durante os atendimentos feitos no local. "O progresso foi imenso. Pacientes sempre falam devagar. Mas agora nem isso é necessário", avalia a enfermeira.

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