PUBLICIDADE

Hospitais simulam ambientes domiciliares para humanizar o parto, mas caminho para acesso é longo

Brasil é o segundo país no mundo que mais realiza cesáreas; nova corrente aposta em arquitetura a favor da ciência para facilitar parto normal

13 jun 2022 - 06h10
Compartilhar
Exibir comentários

Quando soube que estava grávida, a enfermeira Daniela Damaceno Maximo já sabia que queria ter um parto normal. Ela então passou a buscar informações de livros, médicos e a fazer tratamentos que estimulassem o processo.

Mesmo com algumas dificuldades ao longo da gestação, Lucca, o primeiro filho dela, conseguiu vir ao mundo por meio de um parto normal após nove meses.

Daniela estreou uma suíte com uma ambientação que "lembrava uma casa" em uma maternidade particular em São Paulo e pôde até contar com a ajuda do marido, Leandro Maximo Ferreira, que ficou deitado ao lado dela na cama.

"Foi muito acolhedor. Ele ficava literalmente comigo, fazendo força comigo e lembrando das técnicas que eu poderia utilizar", conta em entrevista ao Estadão.

A enfermeira, porém, não deve ser a única a passar pela experiência. Com a discussão acerca da violência obstétrica, hospitais passaram a investir em formas de estimular a humanização do parto. O caminho para o acesso, porém, ainda é longo e desigual.

Nova corrente para humanização une arquitetura e ciência

Investimentos para facilitar o parto normal fazem parte de uma corrente que visa frear as intervenções médicas desnecessárias durante o processo.

Com dados de 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o Brasil um dos líderes em cesáreas no mundo.

Segundo a entidade, cerca de 55% dos partos foram cesáreas naquele ano. O País perde apenas para a taxa da República Dominicana, que chegou a 56%.

Mônica Maria Siaulys, anestesista e diretora médica do Hospital e Maternidade Pro Matre Paulista, conta que o bem-estar da mulher durante o parto evita uma série de complicações na fase do puerpério, como a depressão pós-parto.

"Tudo que você toma conta antes tem menos complicações e menos repercussões depois", diz. Para ela, usar a arquitetura a favor da ciência permite que o parto seja menos "medicalizado".

"Com esse movimento, a gente quer trazer essa ideia do conforto do lar, mas com a segurança do hospital", explica. A médica pensa que investir no conforto dos acompanhantes, seja o marido, a mulher, um parente ou uma doula, também é essencial para a humanização.

Mônica lembra, porém, que criar um plano de parto e investir em estímulos ajuda no processo, mas não traz a garantia de que o parto normal vai acontecer.

"A importância da paciente estar muito segura no momento do parto é justamente ela estar preparada para um momento de incertezas", afirma ela, que ressalta que o momento envolve "duas pessoas diferentes".

A primeira hora do nascimento, chamada "hora dourada", também é essencial para começar a criar o vínculo entre a mãe e o bebê, como explica a anestesista.

Daniela, que pôde viver esse momento, enxerga a importância de assegurar o bem-estar da mulher e do bebê "para evitar traumas futuros". "Acho que essa conexão que se estabelece assim que o bebê nasce também vem um pouco disso, ela precisa também ser acolhida antes", diz.

Brasil teve avanços, mas falta investimento

Como enfermeira, Daniela tem consciência de que o acesso ao parto humanizado ainda não é uma realidade para todas. Ela, que se formou na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e já trabalhou em hospitais públicos e privados, acredita que o problema envolve "uma questão política e social".

De proibição de acompanhantes a falta de anestesia, a profissional de saúde menciona que os "traumas" pelos quais uma mulher pode passar no momento do parto são inúmeros e podem gerar consequências negativas para a vida toda.

"Ela não consegue criar um vínculo com o filho logo após", comenta. "Imagina se ver sozinha em um momento que é novo, em que ela está com medo, ansiosa e não sabe o que esperar", diz.

A diretora Mônica afirma que, atualmente, existe um grande movimento nacional, tanto em instituições públicas quanto em privadas, para a regularização dos partos.

Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o Brasil registrou uma queda de quase 2% no número de cesarianas entre 2013 e 2020.

O maior desafio, porém, conforme a anestesista, são as desigualdades regionais. "Quando falamos do Brasil, falamos de um país continental. Existem ainda muitas diferenças em relação ao grau de acesso à saúde", comenta.

Ela também cita a falta de acesso a anestesias e diz haver a necessidade de investimento em educação acerca do parto. "Se comparado ao que era há 10 anos, o Brasil evoluiu muito em termos de humanização, mas tem um longo caminho pela frente", finaliza a médica.

*Estagiária sob supervisão de Charlise de Morais

Estadão
Compartilhar
Publicidade
Publicidade