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Homem já viajou por 20 países durante tratamento de hemodiálise

Empresário manteve viagens de lazer e a trabalho por meio de serviço que permite tratamento em trânsito

12 mar 2020 - 17h46
(atualizado às 22h07)
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O desejo de viajar, conhecer outras pessoas e culturas que ele nem imaginava que existiam quando morava na zona leste de São Paulo fez Osvaldo Saldeado seguir uma carreira que lhe permitiu tudo isso. O sonho que nasceu por volta dos 11 anos de idade, enquanto estudava inglês, levou-o a trabalhar numa multinacional com chance de ir à Europa aos 24 anos. Desde então, tendo fundado a própria empresa em 2006, o executivo seguiu desbravando o mundo e nos últimos três anos com um detalhe: se preparando para fazer hemodiálise aonde quer que vá.

Ainda em 2006, ele descobriu ter amiloidose primária, uma doença que altera as células plasmáticas e provocou, no caso dele, acúmulo da proteína amiloide nos rins. A enfermidade só foi diagnosticada porque precisou fazer raspagem da próstata devido ao aumento benigno da glândula.

O tratamento do acúmulo protéico foi feito anos mais tarde, com transplante de medula óssea e quimioterapia - primeiro por seis meses e depois por seis anos. Antes, teve diagnóstico de câncer no estômago, que levou à retirada total do órgão, do baço e da vesícula.

Mas os rins chegaram ao limite e, em 2017, Saldeado teve de aderir à hemodiálise, terapia renal que substitui o trabalho que os rins deveriam fazer, que é de filtrar as impurezas do sangue. Nesse procedimento, a pessoa fica conectada a uma máquina por meio de pequenas perfurações na dobra do braço, da mesma maneira que é feita uma coleta de sangue, por exemplo.

Duas vezes por semana, o empresário tem de ir a uma clínica e fazer o procedimento que dura quatro horas. Para muitas pessoas, isso seria a interrupção de uma vida viajante, mas para ele, hoje com 68 anos, foi um impulso para ir além.

Se valendo dos serviços de uma clínica de nefrologia de São Paulo, ele consegue agendar as sessões de hemodiálise em outras cidades do Brasil e do mundo. "Eu me preparo, mais ou menos, dois meses antes. Para onde vou, entro em contato com a clínica que faz hemodiálise e pode receber turista, transmito para eles os dias que faço e, no aceite, mando uma série de documentos e eles ficam sabendo do tratamento que faço aqui para poder fazer lá", conta o executivo.

Para viagens ao exterior, o planejamento é o mesmo, mas alguns documentos têm de ser enviados traduzidos e a maioria da comunicação é em inglês. Ele também chega à cidade com antecedência para conhecer a clínica e confirmar se está tudo certo para o procedimento, que é realizado na segunda e na sexta-feira.

Às vezes, Saldeado precisa fazer adaptações: em Israel, por exemplo, os estabelecimentos fecham às sextas, então ele altera o planejamento para terça e sábado. No ano passado, na França, a cidade onde ia ficar não tinha clínica com o serviço, então ele se programou para ir à cidade vizinha. No Brasil, por conta do convênio médico, ele não paga pelas sessões de hemodiálise em trânsito, mas pagou pelo serviço na maioria dos outros países.

"A adaptação a isso é curiosa. Você vai crescendo em termos de entendimento, que é importante para sua vida, ou faz ou faz. Não tem escolha", diz o empresário. "Você tem de deixar de olhar sua limitação como coisa negativa e tratar como uma bênção, um presente que pode usar para exercer sua imaginação e chegar mais longe ainda", afirma Saldeado, que mantém um olhar otimista sobre a doença. Ele planeja fazer vídeos para o YouTube para mostrar às pessoas que é possível manter uma vida ativa, realizar sonhos e viajar mesmo em tratamento de hemodiálise.

Hemodiálise em trânsito no Brasil e no exterior

Diversas clínicas brasileiras e internacionais compartilham do serviço de hemodiálise em trânsito. Com a chegada ao Brasil de empresas de origem estrangeira, a possibilidade de fazer o tratamento em outras cidades do País e do mundo é maior. De forma mais restrita, o Sistema Único de Saúde oferece o serviço em território nacional desde 2018 e a Fundação Pró-Rim também viabiliza o procedimento mediante solicitação por formulário.

O nefrologista Bruno Henrique Graçaplena Vieira, da DaVita Tratamento Renal, explica que a clínica presta os serviços, além de consultas ambulatoriais, para todas as pessoas, de crianças a idosos. No final do ano passado, a empresa registrou um aumento na demanda em diferentes cidades, como em Santos, litoral paulista, e Botafogo, no Rio.

Nesta última cidade, 40 brasileiros realizaram diálise em trânsito, além de receber pacientes estrangeiros. "A gente tem boa oferta de vagas, o sistema é mais ágil", afirma. Para dar conta da procura, a clínica disponibilizou mais equipamentos para as unidades.

Também é possível fazer a diálise peritoneal, em que o procedimento é realizado dentro do corpo do paciente por meio de um cateter inserido na barriga. Segundo o médico, essa medida tem bastante indicação nos primeiros anos do tratamento por dar maior sobrevida à pessoa. Mas é preciso avaliar caso a caso.

Doença renal crônica

A hemodiálise é indicada quando os rins apresentam falência, com funcionamento abaixo de 15% em pessoas com diabete e abaixo de 10% nos não diabéticos. Dependendo da condição, ela deve ser feita em quatro sessões semanais de três horas ou três sessões de quatro horas. Em alguns casos, é possível fazer diariamente.

No Brasil e no mundo, além da baixa ingestão de água e consumo excessivo de sal, a hipertensão e a diabete são os principais fatores de risco para complicações nos rins. Uma pesquisa realizada pela Abril Inteligência com 1.554 pessoas sem doença renal mostrou que 42% delas acreditam que diabete aumenta muito o risco de problemas nos rins e 46% indicaram a hipertensão.

"Muito tempo de hipertensão pode levar à doença renal crônica porque eleva o desgaste precoce das células do rins. Aumenta a maneira como as células do rim trabalham e elas morrem precocemente", explica o nefrologista.

Nos estágios iniciais, a doença não apresenta sintomas, mas, quando avança, pode manifestar náusea, falta de apetite, cansaço e inchaço. "A partir do momento que o rim tem falência, a pessoa fica dependente de substituição do rim", diz Vieira. As opções são diálise ou hemodiálise para o resto da vida e transplante do órgão.

Para viagens, o nefrologista recomenda que quem tem doença crônica deve controlar a ingestão de líquidos, manter o peso adequado, controlar a alimentação, seguir tomando os medicamentos conforme orientação do médico e, o mais importante, não faltar nas sessões de hemodiálise - o que se torna mais possível com os serviços em trânsito das clínicas.

Estadão
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