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Esquizofrenia: informação é o começo para a quebra de estigmas

Doença tem explicação genética e ambiental; com tratamento, paciente pode viver de forma satisfatória

15 jun 2018 - 09h13
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Esqueça todos os estereótipos que você conhece sobre pessoas com esquizofrenia. Loucura, agressividade e salivação excessiva, embora façam parte, não são uma reação espontânea e característica da doença. Com tratamento adequado, o paciente pode superar o problema e aprender a conviver com ele, trabalhar, ter família e viver de maneira satisfatória.

A quebra de estigmas começa com a forma como nos referimos ao indivíduo. "As pessoas são muito mais complexas, importantes e relevantes do que a doença que elas têm", afirma o psiquiatra Ary Gadelha, professor adjunto do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP) e coordenador do Programa de Esquizofrenia (PROESQ) da mesma instituição.

Os dados sobre esquizofrenia no Brasil são escassos, mas, com base em números internacionais, estima-se que a doença afete de 800 mil a 1,4 milhão de pessoas. A incidência é maior em homens, uma relação de 1,5 pacientes para uma mulher.

Sintomas. Considerada uma síndrome, visto que não há apenas um fator que a defina, a doença tem como sintomas mais comuns os delírios e as alucinações. "Delírio é a alteração do pensamento. Por exemplo: a pessoa sente-se perseguida, mas a intensidade é tão grande que ela tem certeza absoluta, mesmo que ao redor não haja dados que justifiquem aquilo", explica o psiquiatra.

Sobre a agressividade, o especialista afirma que ela se dá justamente por conta do delírio. Ao se sentirem ameaçadas, elas podem reagir dessa forma. "Não é espontâneo, pelo contrário: elas evitam contato com as pessoas porque acham que podem ser vítimas de uma perseguição", diz.

Já a alucinação envolve algum dos cinco sentidos, geralmente o auditivo, em que se ouvem vozes em tom ameaçador. "E aqui fica evidente a necessidade de tratamento. Não é possível que alguém que se sinta perseguido ou escute vozes o tempo inteiro consiga viver bem", afirma Gadelha.

Dificuldade de expressar emoções e sentimentos, falta de vontade ou de tomar decisões e ausência completa ou pobreza na fala também podem surgir nos portadores da síndrome. Esse sintomas, no entanto, "são mais difíceis de entender e não respondem tão bem às medicações", afirma o psiquiatra.

A doença envolve ainda desorganização do pensamento ou comportamental, prejuízos na atenção, memória ou funções motoras, além de alterações de humor e ansiedade. Os sintomas depressivos existem como parte da síndrome quando, por exemplo, a pessoa acha que outros pensam algo negativo sobre ela, o que afeta a autoestima.

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Diagnóstico. Assim como nos casos de depressão bipolar, a identificação da esquizofrenia é totalmente clínica e por exclusão. Isso quer dizer que o médico, ao se deparar com os sintomas mais comuns, deve primeiro eliminar outras causas.

Delírios e alucinações, por exemplo, podem ser decorrentes de uso de medicação, drogas ou bebidas alcoólicas e até mesmo por tumor ou doença infecciosa. Os exames são utilizados apenas para excluir essas possíveis causas.

Ao notar o conjunto de sintomas, é preciso se atentar à duração deles, que é de pelo menos seis meses, e saber se prejudicam ou alteram o funcionamento da pessoa de alguma forma. "Dada a complexidade da doença, a gente olha com ressalva quando surgem testes [para identificar esquizofrenia]", pontua Ary Gadelha. Segundo o especialista, 80% dos pacientes não voltam às suas atividades anteriores.

Ação genética. Um grande estudo genético sobre esquizofrenia, feito com mais de cem mil pessoas no mundo, encontrou 108 regiões do genoma humano associadas à doença. Além dos mais de mil genes relacionados à síndrome, fatores ambientais também contribuem para desencadeá-la.

Mas nada ocorre de um dia para o outro. "A carga genética e do ambiente atuam ao longo do tempo, desenvolve uma trajetória cerebral alterada, fazendo com que no final da adolescência a pessoa tenha maior vulnerabilidade para desenvolver psicose", explica Gadelha.

No caso da esquizofrenia, qualquer pessoa que sofre um acidente ou faz uso de substância pode ter psicose. "Pela carga genética, ela pode ter tendência a liberar mais dopamina de uma forma fora de contexto ou desproporcional. E várias coisas modulam a dopamina, como estresse e uso de substâncias. Se eu estimulo a liberação em um indivíduo que já é vulnerável, isso pode ser um gatilho [para a esquizofrenia]. A exposição a evento traumático também pode desencadear [a doença]", diz.

Em uma apresentação sobre o tema para jornalistas nesta semana, o psiquiatra mostrou o depoimento em vídeo de uma mulher com esquizofrenia. Bárbara foi vítima de um assalto e, depois disso, passou a apresentar sintomas de psicose.

A tal da dopamina. Esse neurotransmissor tem várias funções, entre elas o controle do movimento, da atenção e da sensação de prazer. Nas pessoas com esquizofrenia, ocorre produção excessiva e liberação desregulada dessa substância.

"Se liberar muita dopamina fora de contexto, é como se ligasse o alarme de incêndio, você olha para o lado e não tem nada. É como se o cérebro alertasse que tem algo, mas esse algo não está presente", explica Gadelha. Pela necessidade de dar sentido a essa alteração, a pessoa começa a ter delírios e alucinações.

Aqui vale uma observação: a dopamina é liberada quando se usa alguma droga porque, de certa forma, causa prazer. As alucinações também fazem parte do momento, desencadeadas pelos motivos descritos anteriormente.

Tratamento. Os antipsicóticos são os medicamentos usados por pessoas com esquizofrenia. O psiquiatra explica que eles atuam bloqueando o receptor de dopamina de modo a evitar que o excesso atue. Um dos desafios, segundo ele, é ter um remédio que bloqueie a substância apenas o suficiente para evitar o sintoma, mas não excessivamente para prejudicar a pessoa em outros sentidos.

Outro problema das medicações são os efeitos colaterais. Os de primeira geração induzem sintomas como rigidez nos movimentos e salivação em excesso, associados a altas doses do remédio. Os de segunda geração provocam menos efeitos colaterais, mas atuam no ganho de peso.

Uma substância lançada no Brasil nesta semana evita ambos os problemas. A lurasidona é um antipsicótico atípico de segunda geração com baixos efeitos colaterais comprovados por estudos científicos. Ela também é indicada para episódios depressivos associados ao transtorno bipolar.

Os medicamentos, porém, atuam apenas no controle dos sintomas, necessário para que haja convívio social satisfatório. Mas não é o fim. Outra parte do tratamento inclui a superação da doença, promovida continuamente com uma equipe multiprofissional.

Além do apoio da família e da boa relação entre médico e paciente, praticar exercício físico, fazer terapia ocupacional, psicoterapia ou mesmo ter uma atividade remunerada fazem parte dessa superação. No PROESQ, do qual Ary Gadelha é coordenador, há um programa de emprego apoiado para pessoas com esquizofrenia. Desde 2014, o paciente com transtorno mental, que tem dificuldades persistentes, pode se qualificar para a lei de cota da iniciativa.

Estadão
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